13 março 1994

A loira de Ancara e as go-go girls

Algumas notas sobre a evolução do desejo e do estado da arte do strip-tease nos nossos dias

Assisti a um strip-tease pela primeira vez mais de 30 anos atrás, por engano. Um engano de meus pais. Foi, inesperadamente, em Ancara, Turquia. Ao fim de um longo dia de carro, paramos no que devia ser então o único hotel decente da capital turca e, por facilidade, jantamos no restaurante do roof-garden do mesmo. Eram anunciadas atrações durante a refeição, certo, mas era difícil prever que estas compreenderiam o audacioso strip de uma profissional certamente importada, loira e comprida. Lembro da pista circular no meio das mesas, do cenário simples (uma cadeira de praia), da música ("Petite Fleur") e sobretudo da noite insone que seguiu para mim e meu irmão. Não lembro, e não devia haver, sonhos eróticos particulares, nem mesmo uma excitação propriamente erótica: era mais a inquietude sensação de ter contemplado um desejo sem que se soubesse do quê.

Apenas sete anos depois, em um barzinho da Eighth Avenue, em Nova York, go-go dancers, tão nuas quanto a loira de Ancara, se agitavam acima de cervejas já mornas, minha e de alguns amigos. O papo corria solto e as bailarinas deviam se sentir sobrando. Estranho, pois, de fato, nossa idade, a época e o lugar podiam parecer mais promissores: já valia o costume de enfiar uma notinha verde na calcinha e a possibilidade de armar um programa estava pelo menos no ar. Talvez justamente por isso, aliás, o efeito fosse nulo.

A grandeza da loira de Ancara estava em sua absoluta distância, ao menos para mim. Mas não era só uma questão de idade. Apesar de meus 13 anos, não era totalmente ignaro. Imaginava que a lascívia do strip não podia ser a encenação cotidiana de um desejo autêntico; ao contrário, era fácil romancear o tédio de cada dia, a clausura da jovem nórdica naquele hotel pretensioso e cafona, em uma cidade poeirenta e sem charme, e uma espera. O que ela queria, a loira de Ancara? Qual homem, quais gestos podia esperar? O strip parecia dizer, em suma, um desejo misteriosamente suspenso. Queria ser desejada, certo, mas além disso seu desejo era um enigma. Por explícitas que fossem suas mímicas, restava enigmático o eventual caminho pelo qual seria dado a um homem satisfazê-la.

As go-go dancers de sete anos depois não queriam deixar esta incerteza. Seu reboliço era ad personam, e o convite era direto a um ato sexual libertador. Só não se sabia se era com a gente e com as cervejas sobre as quais se acocotavam.

O que quer a stripteaseuse? Eis a questão. É certamente a questão que se perguntou Herodes, a vítima da mais famosa dentre elas, Salomé. Só para lembrar os fatos, ou seja a versão dos Evangelhos: Herodes prendera João Batista embora o respeitasse e temesse; entretanto ele deitara com a mulher de seu irmão Filipe, Herodíades, a qual tinha uma filha Salomé. Herodiades não gostava de João Batista, pois este não aprovava sua relação com o cunhado. Assim ela recorreu aos charmes de Salomé que mandou dançar na frente de Herodes, de tal forma que este se dissesse disposto, ao fim da dança, a lhe outorgar qualquer coisa que ela pedisse. Salomé, instruída pela mãe, pediu a cabeça de João Batista e Herodes, engajado por seu juramento, não pôde negar. A coisa não lhe agradou, e ele acabou preocupado com a volta do espírito do Batista que podia imaginar ser reencarnado em Jesus. É aliás, esta aparentemente a razão desta história receber algum destaque na obra dos evangelistas.

Com poucas exceções (alguns quadros famosos do Tiziano, sobretudo) estas indicações evangélicas esperaram até o romantismo europeu tardio para fazer sucesso. Como se sabe, a coisa começou com Heine e continuou com Flaubert que consagrou ao tema o terceiro de seus magistrais "Trois Comtes", "Herodias". Flaubert não se afasta do conto bíblico, colocando o acento sobre o drama de Herodíades que empurra sua filha Salomé para frente na tentativa de reacender em Herodes uma chama que já está se extinguindo. Na mesma linha está Huysmans, em "A Rebours". A personagem central, des Esseintes, é um fanático de Salomé e dos dois quadros de Gustave Moreau e "A Aparição" está no Louvre). E de fato a Salomé que o seduz tanto obedece aos princípios estéticos de Moreau, sobretudo o da Bela Inércia: estou aqui, me desejem! A sedução emana deste enigma. Mallarmé, nos fragmentos de "Herodiade", particularmente na cena entra Herodíades e sua ama de leite, nos deixa um retrato da jovem Herodíades ao mesmo tempo fascinada e horrorizada por sua própria beleza e virgindade, como suspensa na espear de algo que ela mesma não sabe. Embora Mallarmé não nos tenha presenteado com a evolução da história –salvo pelo fragmento sobre a degolação do Batista–, pode-se imaginar que a jovem Salomé não seria diferente: para ambas, mãe e filha, a cabeça de João é um "porque-não?" oferecido a um desejo que talvez seja só desejo do desejo dos outros.

Mas quando se fala em Salomé, normalmente, o que se tem em mente é a "Salomé" de Oscar Wilde e a ópera de Strauss cujo livreto nela se inspira. Wilde muda a história. Ele imagina que Salomé seja loucamente apaixonada por João Batista, que naturalmente a rechaça. Salomé dançará na frente de Herodes para obter a cabeça do Batista e finalmente beijar o morto na boca. O que provocará a indignação e o ciúme de Herodes, o qual mandará Salomé ser literalmente esmagada pelos escudos de seus guardas. Quem quiser mais detalhes sobre os destinos de Salomé no romantismo pode(rá) ler o capítulo ("Bizâncio") que Mario Praz consagra quase inteiramente a Salomé em seu livro magistral: "La carne la morte o il diavolo nella letteratura romantica".

Para nós, importa salientar as duas linhas que já se opõem de um lado a linha Flaubert-Huysmans, pela qual o desejo da stripteaseuse é dramaticamente suspenso. Do outro, a linha Wilde-Strauss, pela qual o desejo da stripteaseuse é claro: o Batista ou eventualmente sua cabeça. O primeiro é aquele da loira de Ancara, o segundo é aquele das go-go dancers de Nova York.

De fato, cada strip oscila provavelmente entre a apresentação da bela inércia que se desnuda e deixa inteiro o enigma do desejo e, por outro lado, a sugestão de um gesto, uma coisa ou um corpo que poderiam responder ao desejo da stripteseaseuse. Mas também uma história do strip-tease deveria poder ser escrita segundo estas duas linhas.

De uma certa forma, a segunda linha parece progressivamente prevalecer. O strip evolui: de público se torna particular, programado (as cabines individuais, quem não conhece pense em "Paris, Texas" de W. Wenders). Aos poucos, até nas cenas parisienses onde nasceu, ele parece perder espaço para a mímica ou a encenação direta da relação sexual. O mesmo vale para sua versão caseira (que faz o sucesso das lojas de lingerie): de regra ela prepara um ato sexual previsto de antemão.

Não tem nesta evolução nenhuma degenerescência. Só o reflexo de nossa história: o strip nasceu, cem anos atrás, erotizando o enigma do desejo feminino. Em geral, aliás, o enigma do desejo estava na ordem do dia desde o começo do século XIX. É o eclipse definitivo do Antigo Regime, o triunfo do individualismo e o momento em que Hegel define o desejo humano como desejo não de alguma coisa, mas do desejo dos outros. A coisa não estranha, pois nesta virada histórica de nossa cultura, os outros de repente vem a faltar. Passa-se de uma sociedade onde as relações sociais definiam os sujeitos a uma sociedade onde o indivíduo deve se definir sozinho. Resta-lhe então desejar antes de mais nada que os outros reconheçam seus esforços, ou, em outras palavras, desejar o desejo dos outros. Pode-se imaginar que o homem, nesta situação, tenha-se dado melhor, pois lhe sobrava pelo menos a responsabilidade reconhecida do pater familias: um homem saberia ao menos pelo que procurar o reconhecimento dos outros. Mas o que ia querer a mulher, agora que a rede social não decidia mais de seu destino, de seu espaço e dos limites de seu desejo? O que ia desejar a mulher que deixava até seu lugar na família, saia de casa para entrar no mercado do trabalho? O strip talvez surja no fim do século como a profissão mais próxima possível da feminidade: à mulher só sobrava desejar ser desejada, e ser desejada não pelos seus atos, mas por sí só, por sua bela inércia. Seu desejo só podia configurar para os homens um apavorante enigma. Encará-lo foi o que fez Frend, por exemplo, lançando mão de uma interrogação que virou palavra de ordem (que hoje está ficando azeda): o que quer uma mulher? Outros, na mesma época, preferiram tentar manter e reinstaurar uma ordem social, afirmando uma inferioridade da mulher, o que de fato era uma maneira de atribuir à mulher um lugar social (inferior, por exemplo) e parar de se angustiar com a metade do gênero humano largado sem amarras e sem que se soubesse paar desejar o que.

O strip, nascido com o desejo moderno, talvez morra junto com ele. Nosso fim de século parece, com efeito, estar encontrando finalmente uma resposta à questão que o século passado abriu; o desejo, solto e perplexo no crepúsculo da sociedade tradicional, parece encontrar hoje cada vez mais um objeto, adequado e nada enigmático, nas coisas e nos corpos. Salomé hoje poderia querer uma cabeça (não aquela do Batista, nem, mais geralmente, aquela que está entre os ombros). Ou então talvez se contente com um Prozac.

Mas o recurso a Salomé não vale só para ilustrar as duas linhas do destino do strip: apresentação moderna de enigma do desejo ou contemporânea prosaica solução do mesmo. Serve também para se perguntar quem quis o strip no primeiro lugar. Justamente, no relato bíblico, quem manda Salomé dançar não é Herodes, mas Herodíades, mãe da stripteseaseuse e amante envelhecida e preocupada de Herodes. A versão politicamente correta pela qual ogros masculinos exigem humilhantes e sugestivas danças de beldades constrangidas é assim contestada. A história poderia valer, aliás, não só para o strip. Pois a lição de Herodíades e Salomé diz que, atrás de uma mulher que encena o desejo feminino, de fato não há tanto o desejo masculino, mas antes o desejo de uma outra mulher, uma Herodíades mais feinha, menos dotada ou mais púdica, que aponta a stripper, a atriz, a modelo para o homem, para que ele não pare de reconhecer e interrogar a novidade (do século XIX) que é o enigma do desejo feminino. Se a coisa não parece ser hoje percebida, é porque o enigma está acabando. As loiras de Ancara tornam-se go-go dancers da 8th Avenue. Isso também não porque o homem quis; mas porque na festa pós-moderna até as mulheres estão conseguindo desejar coisas concretas e explícitas.

Falando em politicamente correto, aliás, vale lembrar que tease, em inglês, é sinônimo de harass (de sexual harassement, constrangimento sexual). Strip-tease, então, é o constrangimento sexual quase bicentenário ao qual os homens foram expostos nem tanto pelas mulheres, mas por uma modernidade que deixou a mulher sem outro desejo do que aquele de ser desejada. A situação começando a ser talvez outra, não estranha que as mulheres possam achar atravancador o desejo que os homens lhes manifestam.

Post-scriptum: que hoje haja strippers masculinos não implica nenhuma feminização do homem. Este não está na posição da mulher do século 19, a ser desejado como um enigma. Ao contrário, todo mundo parece saber o que desejar. E os strippers masculinos respondem a mulheres que sabem o que elas querem. Portanto não há strip masculino, só há homens go-go dancers.