28 setembro 1997

'O sexual não é patológico'

"O sexo é sempre virtual porque, apesar da presença do parceiro, cada um está fundamentalmente na sua própria fantasia e procura fazê-la funcionar com o outro que está um pouco na dele. O sexo é uma espécie de lugar em que existem duas ou mais pessoas numa cama e, evidentemente, a fantasia sobrevoando.

Quando falo de fantasia sexual, falo de fantasia que se realiza sexualmente. O que fica no campo do sexual não deve ser jamais considerado como patológico. Estupro é sem dúvida um crime penal, mas não uma patologia sexual.

No começo do século 19 havia um hospício famoso na França, em que ficou internado o Marquês de Sade. Ele efetivamente tinha algumas idéias estranhas sobre a sexualidade, mas ele não era louco, não tinha razão alguma de estar lá. Apesar de tudo que a medicina do século 19 tentou articular para tornar patológicas algumas condutas sexuais, a única posição correta é considerar que as variantes do desejo sexual não fazem parte da loucura e, de certa forma, nunca são patológicas, a não ser quando isso envolve sofrimento das partes que se relacionam.
Existe uma patologia, por exemplo, na medida em que as pessoas podem sofrer por não conseguir ter a sexualidade que querem. Isso é terrível, mas não existe uma patologia da sexualidade.

Começamos a colocar os loucos nos hospícios uma vez que nosso sistema de referência passou a ser a razão. A partir do momento em que, no Ocidente, a razão passou a ser a especificidade do homem, era possível tornar patológica qualquer coisa que se apresentasse como desrazão.
Passados 200 ou 300 anos, a idéia que se manteve é que é possível socializar os loucos, e os hospícios foram se abrindo, o que, às vezes, eu acho absolutamente preferível. Em alguma medida, a loucura nos dá medo, ninguém tem a garantia de não ficar louco."

07 setembro 1997

Morte preservou imagem virgem de Diana

Segundo uma antiga distinção, os soberanos têm dois corpos. Um corpo que expressa seu poder, majestoso, capaz de se reproduzir, mas regrado pelas exigências do protocolo. E um outro corpo, como todo mundo, atrapalhado pelas necessidades fisiológicas e pelas paixões.

Com esta dualidade, entretemos uma relação complicada e ambivalente. Por exemplo, preferimos sem dúvida que, no exercício do poder, o corpo Real prevaleça: ninguém gosta que o rei acabe destinando o dinheiro pretensamente público a satisfazer seus desejos carnais.
Por outro lado, o corpo das paixões é mais humano, conhecemos melhor e também presumimos que seja o ponto fraco do soberano, quem sabe o lado por onde seria mais fácil abrandá-lo e conseguir que nos escute.

Aqui as mulheres do soberano encontram uma função. Não as amantes, as quais certamente lidam com seu corpo carnal e que querem gozar dele com exclusividade. Mas as madres e as esposas. Elas conhecem seus pontos fracos: o sinal escondido, o eritema, o furúnculo, a angústia, etc. Elas são, desde sempre, as que podem interceder para nós.

Reza-se sem dúvida mais para a Madonna do que para o Pai Eterno. Isso porque o Pai Eterno não casou. De fato, no caso de soberanos terrenos, temos uma certa desconfiança das mães, provavelmente porque gostaríamos que o soberano fosse um adulto autônomo. Resta, por consequência, recorrer à esposa.

Não é por acaso que a função das boas primeiras damas é de ser caritativas: beijar crianças, distribuir cestas básicas. Elas demonstram, por via indireta, que o soberano ainda é humano. E prometem continuar murmurando para a real orelha, as histórias de nossas necessidades.
As melhores são as que vêm de nossos renques, pois, se não perderem a cabeça, lembrarão seu passado e nossas misérias.

Foi Evita que seduziu Perón ou foi Perón que, para governar, precisava de uma santa para quem os descamisados rezassem? Diana Spencer quis se tornar princesa, ou foi Charles Windsor que precisou reaproximar a casa real do povo? (Diana, aliás, foi apresentada como mais popular do que suas origens verdadeiras permitiriam).

O percurso de Diana foi perfeito. Alimentou nossos sonhos com sua ''realeza'', mas nunca esqueceu da gente. Quando se afastou de Charles, como mãe dos herdeiros, guardou toda a influência de uma boa intercessora. Por outro lado, deixou Camilla na incômoda posição da amante que cobiça o real Tampax e subiu ao firmamento de quem teve acesso carnal ao rei, mas não por isso gozou.

Enfim, morreu no momento certo, antes que um eventual casamento feliz com Dodi Fayad lhe devolvesse um sorriso satisfeito. É verdade que a santidade de Jackie Kennedy sobreviveu a seu casamento com um marinheiro grego. Talvez a de Diana sobrevivesse ao casamento com o empreendedor árabe. De qualquer forma, morrendo, ela se preservou como mãe e como virgem (por não ter gozado). Avançou substancialmente seu processo de beatificação.

A fada globalização se encarregou do resto: os soberanos ainda são nacionais, as intercessoras são internacionais. Meu filho Max, chegando de Paris a Nova York neste último domingo, foi interpelado no elevador. À vista do adesivo da Air France sobre sua mala, lhe perguntaram, em tom de luto: ''Como está a coisa em Paris?'' Mais tarde, foi sentar numa praça. Tentou bater papo com um mendigo. ''Oi, tudo bem?''. Não, disse o mendigo. ''Morreu minha princesa.''