25 maio 2006

De Jerusalém

O Estado brasileiro não pode ser refém de nosso medo, ou seja, não pode apenas mostrar serviço

O MONTE das Oliveiras, em princípio, oferece uma vista maravilhosa da Jerusalém antiga e do Domo da Rocha, o santuário muçulmano que abriga a pedra de onde Maomé teria subido ao céu por uma noite. Complicação freqüente na Terra Santa: sobre essa mesma pedra Abraão teria preparado o sacrifício de seu filho Isaac, até Deus considerar que o profeta tinha passado no teste e interromper o gesto horrendo que ele mesmo tinha exigido.

Na minha lembrança de 35 anos atrás, o Monte das Oliveiras era um bom lugar para recolher-se e pensar: ele domina o Vale de Josafá -onde, no fim da história, parece que todos nos encontraremos para os acertos finais- e é o lugar onde Cristo teria meditado sobre seu destino, na noite de sua prisão. Hoje, o Monte das Oliveiras oferece a melhor vista do muro da Separação, a muralha de concreto que Israel está construindo para fechar "rigorosamente" a fronteira com a Cisjordânia, onde a Autoridade Palestina tenta construir novo Estado. As centenas de quilômetros do muro são uma fatia de gruyère. Há trechos provisórios de arame farpado, trechos que ainda não existem e, no próprio muro, abrem-se frestas, por assim dizer, "acidentais".

Por exemplo, a entrada de Belém é uma espécie de fortificação horrorosa com um posto de bloco que evoca o muro de Berlim. Mas é possível entrar em Belém por trás, sem problema algum. A regra é: os judeus israelenses não podem entrar em território palestino, os palestinos não podem entrar em território israelense, só circulam livremente os israelenses de origem árabe, os árabes que são residentes de Israel e os turistas. Detalhe: os árabes (muçulmanos ou cristãos) que têm nacionalidade ou residência israelense, em sua maioria, defendem a existência de Israel, onde querem continuar vivendo; num Estado palestino liderado pelo Hamas, eles seriam perseguidos pelos seus costumes ocidentalizados.

Muitos não acreditam na possibilidade de um Estado palestino, pensam que a melhor solução seja devolver a faixa de Gaza ao Egito e a Cisjordânia à Jordânia. Ora, o muro cria um Estado de fato, que será irreversível na hora de um acordo final. A fronteira fechada estrangula a população palestina, que não tem oportunidades de emprego fora de Israel.

Além disso, o muro é uma grande "oportunidade" econômica: os bairros excluídos de Israel perdem drasticamente seu valor imobiliário, e saber quais serão incluídos se torna um ótimo negócio.

Mas, antes de mais nada, o muro teria uma função, pretensamente crucial, de segurança. Basta sentar-se, numa noite de sábado, nas mesas da rua Yoel Salomão, na Jerusalém moderna, para conviver com a sensação de que, a qualquer momento, uma explosão poderia acabar com os gestos e os jogos dos jovens que fizeram daquela área seu ponto de encontro. A maioria da população israelense é a favor do muro; acredita piamente que, de alguma forma, impedirá a circulação de terroristas.

O medo é um instrumento de domínio clássico e eficiente. Seu defeito principal é que ele torna o próprio poder refém do medo de seus sujeitos: para manter-se e justificar-se, o poder deve mostrar serviço, produzir leis excepcionais ou levantar muros para convencer seu povo de que ele está, como se diz, "tomando providências". Todos sabem que a relativa acalmia destes dias, em Israel, tem a ver com a vitória do Hamas nas eleições palestinas ou com o novo foco na luta interna entre Hamas e Fatah e nada a ver com o "muro-gruyère". Mas o muro é o símbolo abstrato de que o governo está agindo.

Mohammed, o motorista que me esperava na Jordânia, do outro lado do posto de fronteira da ponte xeque Hussein, enquanto atravessávamos postos de bloco defendidos por metralhadoras, perguntou-me de onde eu vinha. Quando respondi "São Paulo, Brasil", Mohammed, bem informado, comentou: "Dangerous place" (lugar perigoso). Pois é, daqui, de longe, resta esperar que o Estado brasileiro não se torne refém de nosso medo, não tome "providências" apenas para acalmá-lo (ou enganá-lo), ou seja, para mostrar serviço.

Entro em férias. A coluna volta em 15 de junho.

18 maio 2006

Em companhia de Freud

Na revista "New Yorker" de 27 de fevereiro de 2006, foi publicada uma excelente reportagem de David Remnick sobre a chegada ao poder do Hamas, na Palestina.

Remnick entrevistou o xeque Nayef Rajoub, que, nas recentes eleições, foi o recordista de votos da Cisjordânia. Rajoub, depois de lamentar que o mundo ocidental "da moda e da mídia" seja "controlado por judeus", declarou: "Freud, um judeu, é aquele que acabou com a moral, e Marx acabou com as ideologias divinas".

Não sei se Freud acabou com a moral (por razões que explicarei a seguir, penso o contrário) e não parece que Marx tenha acabado com as ideologias divinas. Seja como for, Rajoub tem razão de agrupar Freud e Marx numa mesma execração do Ocidente (que é, segundo ele, devasso e perdido).

Para justificar essa reunião de Marx e Freud, não é preciso recorrer às tentativas (típicas dos anos 60 e 70) de juntá-los num único projeto revolucionário que transformaria de vez a subjetividade (a vida cotidiana) e a organização social e econômica de nosso mundo. Ou melhor, para justificar a antipatia do xeque por Freud e Marx, não é preciso ressuscitar Herbert Marcuse.

Marx e Freud são os pensadores modernos que transformaram mais radicalmente nossa maneira imediata, espontânea, de enxergar a realidade. Pouco importa que sejamos freudianos ou marxistas, pouco importa que a gente tenha lido o que Marx e Freud escreveram: depois deles, pensamos diferente. Como?

Espontaneamente, a partir de Marx, enxergamos nossa realidade social, econômica e política como uma arena de conflitos e, a partir de Freud, pensamos a subjetividade como um conflito interno permanente.

Ora, o xeque Rajoub não gosta de conflitos, a não ser que sejam conflitos bem externos -com o povo judeu, por exemplo, ou com o Ocidente. Conflitos em casa ou na cabeça, nem falar. Rajoub tem razão: a influência de Marx sobre seus eleitores seria péssima, a de Freud pior ainda.
Mas voltemos à idéia do xeque, segundo a qual, entre os ocidentais, Freud teria acabado com a moral. Talvez ele esteja estigmatizando, via Freud, a liberdade de nossos costumes sexuais. Mas é possível que sua crítica seja mais "pertinente": de fato, Freud, com suas histórias de inconsciente, de desejos reprimidos, de conflitos psíquicos, tornou o juízo moral muito complicado.

Na distinção entre o bem e o mal, as coisas se atrapalham quando (na aurora da modernidade ocidental) a gente começa a confiar no foro íntimo de cada um e pára de acreditar cegamente nas regras transmitidas pela tradição, religiosa ou não. Elas só pioram quando, com a experiência freudiana, no dito foro íntimo, enfrentam-se pensamentos e afetos contraditórios e de difícil acesso pelo próprio sujeito.

Segundo o xeque Nayef Rajoub, este é o fim da moral: as pessoas, em vez de obedecer ao que foi escrito ou dito pelos anciões, pensam com sua própria cabeça e, além disso, seus pensamentos são conflituosos e confusos. Mas esse "fim da moral" é o começo do que nós chamamos comportamento moral.

Para o xeque, ser moral significa seguir as regras. Para nós, ser moral significa se perguntar o que é moral e o que não é. A resposta pode ser difícil ou impossível; podemos não "saber" nunca se o aborto ou o suicídio assistido são morais: o que importa é que a gente não pare de se interrogar sobre a moralidade desses atos.

Do ponto de vista ocidental, Rajoub é profundamente imoral, porque não se questiona. E Freud é um pensador moral, por ele ter complicado singularmente nosso questionamento.

O xeque Nayef Rajoub não é o único que não gosta de Freud. Em 2004, um entrevistador perguntou a George W. Bush se sua decisão de invadir o Iraque não podia ser inspirada pela vontade de continuar a obra de seu pai ou de mostrar que ele saberia levá-la até o fim. George W. Bush não gostou dessa sugestão "freudiana" e respondeu que ele não iria "se deitar no divã".

Não sei se a decisão de invadir o Iraque foi ou não produzida por algum sintoma da família Bush, mas tendo a pensar que, na hora de decidir sobre a vida e a morte de milhares de pessoas, deitar-se num divã seja uma boa idéia. Não porque isso simplificaria a decisão, mas, justamente, porque a complicaria.

No sábado retrasado, Freud teria feito 150 anos. A data está sendo celebrada -com aplausos e algumas vaias.

Mas, seja qual for nossa opinião sobre a eficácia da psicanálise ou o valor de sua teoria, o fato é que Freud mudou de maneira irreversível nossa experiência de nós mesmos.
Em particular, graças a ele, o foro íntimo, onde fazemos nossas escolhas, tornou-se para sempre um lugar mais complexo e atormentado. Com isso, mesmo se a psicanálise for relegada um dia no museu das terapias ultrapassadas, Freud continuará sendo um luminar da consciência moral ocidental.

Um ditado diz que os inimigos de nossos inimigos são nossos amigos. Ele não é sempre verdadeiro, mas, no caso, nesse começo de século, fico satisfeito de estar em companhia de Freud.

(Estou viajando. Só poderei responder aos e-mails que serão recebidos a partir do 12 de junho próximo.)

11 maio 2006

"Os 120 Dias de Sodoma"

No fim de semana passado, no Espaço dos Satyros, em São Paulo, estreou a peça "Os 120 Dias de Sodoma".

O texto e a direção são de Rodolfo García Vazquez, que conseguiu milagrosamente "adaptar" (digamos assim) a obra que o marquês de Sade escreveu em 1785, enquanto estava preso na Bastilha.

A história é conhecida: durante 120 dias, quatro libertinos se fecham num castelo com meninas e meninos, que foram raptados para servirem de objetos de deboche -sem limites: os libertinos são suficientemente poderosos para que a Justiça dos homens não os atinja e eles não reconhecem a de Deus.

Dependendo do leitor, os escritos de Sade podem parecer indigestos ou estimular fantasias sexuais, mas, de qualquer forma, eles constituem uma peça chave do quebra-cabeça moderno. Usando uma expressão famosa de Georg Lukacs, Sade é talvez a "máxima consciência possível" da modernidade incipiente.

Quando o mundo começa a sonhar com uma sociedade de iguais e a querer realizá-la, Sade produz uma obra monumental, em que revela que a vontade e o exercício do poder são ou se tornaram escabrosamente eróticos. Como ele mesmo disse, não basta sacudir os alicerces do antigo regime: para sermos revolucionários, vamos precisar de mais um esforço.

O poder parou de ser o atributo exclusivo de algumas castas, mas ainda não é a hora de festejar a invenção da liberdade: a paixão de dominar se alastra por nossa vida de duas maneiras.
A primeira foi o objeto da reflexão de Michel Foucault: na modernidade, as expressões clássicas do poder, autoritárias e diretas, são substituídas por formas capilares de controle. Por exemplo, ao longo do século 19, a medicina se encarregou de regulamentar e reprimir práticas sexuais que a lei não proibia mais.

A segunda é a descoberta de Sade: o poder assombra a fantasia erótica moderna. Eis como a coisa funciona, esquematicamente. Um sujeito se define pela rede de relações que lhe atribui um lugar no mundo. Na modernidade, as relações que mais importam não são as hierarquias sociais estabelecidas: o sujeito se relaciona, antes de mais nada, por amor e por paixão, ou seja, por livre escolha. A conseqüência disso não é um mundo em que o amor e a paixão substituiriam a vontade de dominar. Ao contrário: o amor se torna um teatro do poder e a paixão encontra no domínio ou na submissão um extraordinário recurso para a excitação sexual. Reciprocamente, o exercício do poder é contaminado por modalidades de prazer e de gozo aprendidas na cama, ou seja, por um erotismo violento, sombrio e, em geral, envergonhado.

Na saída da peça, tocado e mexido, sentei-me para pensar um pouco, na frente do teatro, na praça Roosevelt.

Um jovem, moreno e de cabelos pintados de loiro, com sua caixa de madeira a tiracolo, insistiu bastante: "Deixe engraxar, moço". Não se contentava com uma esmola, queria fazer seu trabalho. Um homem do antigo regime teria achado normal que alguém se ajoelhasse para lustrar seus sapatos.

Eu (e não sou o único), por ser moderno, detesto ficar sentado na mesa de um bar enquanto alguém lustra meus sapatos. Depois de assistir à peça, a coisa parecia mais que detestável: obscena. O que acabava de acontecer no palco continuava na rua: eu deveria "gozar" de um privilégio, deixando que alguém "se ajoelhasse" ou "se acocorasse" aos meus pés.

Na sessão de sábado passado, no meio da peça, o próprio García Vazquez congelou a ação para expulsar um espectador que estava tirando fotos às escondidas. O episódio deveria ser repetido a cada vez, como parte da peça. Ele salientaria a extrema coragem do elenco, que se dispõe a ser vítima dos olhares cobiçosos dos espectadores. A intenção do fotógrafo, provavelmente, não era guardar a lembrança da bunda dos atores, mas capturar as vítimas e levá-las para casa (por isso fotografar é proibido em muitas culturas, por ser um ato de captura).

No fim da peça, a vontade de aplaudir é grande, mas aplaudir é difícil, pois uma disposição cênica (que o espectador descobrirá) dirige as ovações aos libertinos e a suas "façanhas".

Alguns (muitos) verão na peça um comentário sobre os tempos que estamos vivendo no Brasil. Aqui, duas observações. 1) Os textos que parecem falar mais diretamente de nossa conjuntura são do próprio Sade ou de La Boétie (século 16). 2) O ministro Durcet não é Zé Dirceu, e o castelo dos 120 dias não é a casa brasiliense da república de Ribeirão Preto. Os libertinos de Sade praticam o mal com a louca grandiosidade de quem quer desafiar Deus, caso ele exista. Comparados com eles, nossos "libertinos" da hora são pequenos "filisteus".

Pasolini, em 1975, levou "Os 120 Dias" para o cinema e filmou "Salò". Ele quis revelar, assim, a erótica assassina do fascismo, que, na Itália dos anos 70, tentava voltar ao poder. Mas o que faz a grandeza dessa obra de Pasolini é a coragem com a qual ele interroga, pelo filme, seus próprios demônios internos e, portanto, os nossos.

Sade é um autor para pessoas honestas, honestas consigo mesmas. Era o caso de Pasolini e é o caso da trupe dos Satyros.

04 maio 2006

Palavras vazias

Aos 12 anos, fiquei um mês de cama. Não me lembro se foi por uma gripe ou algo mais sério, mas sei que passava meu tempo lendo. Alguém me oferecera um tratado sobre o Diabo: era uma longa compilação, desde a queda de Lúcifer até os cultos satânicos modernos. O livro terminava com um apêndice que explicava as diferentes maneiras de convocar o demônio.

Era crucial evitar que Satanás, uma vez convocado, se apoderasse de minha alma sem oferecer uma contrapartida valiosa -tipo: "Dano-me para a eternidade, mas você fará meus deveres de casa até o fim de meus estudos". Ora, o livro propunha rituais minuciosos (pentagramas, círculos de sangue etc.) que eram impossíveis de realizar no meu quarto. Salvo um: uma fórmula de duas páginas, cuja simples leitura em voz alta garantiria que o capeta se apresentasse manso e bem-disposto. Problema: a fórmula só funcionaria se ela fosse lida sem erros; uma letra fora do lugar bastaria para que o diabo aparecesse na minha frente indignado e poderosíssimo. Detalhe: o texto era composto por uma série de nomes diabólicos com uma concentração de consonantes de dar inveja a uma lista telefônica polonesa, e o risco de errar na pronúncia era considerável. Na solidão de meu quarto, comecei a ler em voz alta. Dezenas de vezes, amarelei antes do fim. Mas, logo, recomeçava. Por quê?

Não acho que estivesse a fim de encontrar o capeta, tampouco tinha um pacto importante para lhe propor, mas não resistia à sedução de palavras que, segundo o livro que estava na minha mão, teriam o poder de evocar o próprio espírito do mal.

Pois bem, o best-seller mundial do último ano é "O Código Da Vinci", de Dan Brown. No seu rasto, vêm "O Enigma do Quatro", de Caldwell e Thomason, e "O Clube Dante", de Matthew Pearl. Isso, sem contar "O Historiador", de Elizabeth Kostova, ou "O Terceiro Segredo", de Steve Berry.

Na minha (prazerosa) leitura, são romances que pertencem ao filão de "O Nome da Rosa", de Umberto Eco (1980).

Fora o sucesso de público, o que a história de Maria Madalena tem a ver com os vampiros ou com o terceiro segredo de Fátima? Por que juntar esses romances num mesmo "filão"?

Certamente, eles satisfazem ao gosto "new age" pelas coisas arcanas e "espirituais", ou seja, encorajam-nos a acreditar que a vida seja mais misteriosa do que ela é. Desse ponto de vista, eles não são diferentes das façanhas de Harry Potter e da magia de Paulo Coelho.

Mas não é só isso: todos os romances que mencionei contam histórias em que as palavras têm um valor muito especial. Morre-se por um livro inédito de Aristóteles, mata-se por um evangelho apócrifo; uma frase pronunciada em voz alta comanda a aparição do vampiro; quase sempre, o segredo está em alguns textos que é preciso encontrar, ler, meditar e interpretar perfeitamente -textos em que cada letra conta.

É bem possível que o motivo do sucesso atual desses best-sellers seja, então, o esvaziamento dos discursos que enchem o dia-a-dia de nossos ouvidos: a nostalgia por uma palavra magicamente plena e eficiente bate forte num momento (ou numa época) em que as palavras que nos interpelam parecem curiosamente fúteis.

Em sua maioria, as falas públicas (das quais somos os destinatários) não apostam na nossa capacidade de entender, memorizar, pensar e julgar; sobretudo, elas supõem de antemão sua própria irrelevância: desprezam sua capacidade expressiva, seu texto e sua mensagem. O que é despejado em nossos ouvidos cultiva apenas aquela função da linguagem que Jakobson chamava "função apelativa", ou seja, a função pela qual quem fala quer nos induzir a agir segundo seus desejos.

Criminosos convictos nos falam de ética pública e pedem cumplicidade, políticos desqualificados nos prometem futuros radiosos e pedem votos, publicitários mentirosos nos garantem a felicidade a preço de banana e pedem compras. O texto não tem importância nenhuma, só importa que ele nos convoque.

Nos primórdios da psicologia comportamental, Pavlov condicionou um cachorro para que salivasse a cada vez que ele escutava uma campainha. Pois bem, espera-se que sejamos como o cachorro de Pavlov no meio de um concerto de campainhas, salivando sem parar e sem pensar.
Em suma, estamos na posição do capeta de minha infância, mas recebendo fórmulas incoerentes. O capeta, em princípio, ficaria furioso. E nós?

Bom, aparentemente, em compensação, somos seduzidos por histórias em que as palavras contam, pois escondem (e, eventualmente, revelam) um sentido, histórias em que a ação é fruto de uma atenta meditação do que foi dito e está escrito.

Aparte: estreou na semana passada, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, a nova peça de Gerald Thomas, em homenagem a Samuel Beckett, "Asfaltaram a Terra". Na verdade, são quatro peças breves (apresentadas duas de cada vez, em dias alternados), com Serginho Groisman, Luiz Damasceno, Fabiana Gugli e o próprio Thomas como protagonistas. Ninguém melhor que Gerald Thomas consegue transformar em espetáculo a extraordinária cacofonia que assombra os ouvidos modernos.