29 março 2001

Amores possíveis, com um pouco de sorte

Estréia amanhã "Amores Possíveis", de Sandra Werneck.

No começo do filme, Carlos e Júlia têm compromisso na porta de um cinema. Em cartaz não estão paixões cinematográficas inimitáveis, mas os próprios "amores possíveis". Com esse exemplo, deveria ser mais fácil se encontrarem, mas Júlia não chega. Passam 15 anos e descobrimos versões diferentes de Carlos e Júlia. Carlos número um organizou sua vida com Maria no conforto de um casamento tranquilo. Carlos número dois casou-se com Júlia, mas encontrou Pedro, apaixonou-se por ele e agora não sabe bem o que quer. Carlos número três ficou trancado na adolescência, borboleteando, sem convicção, de aventura em aventura, protegido pelas saias maternas. Por essas tramas alternadas, filhas do desencontro inicial, desfila a complexidade de nosso cotidiano amoroso.

Assisti ao filme há mais de uma semana. Mas suas imagens não me deixam. Voltam constantemente, evocadas pelas queixas e pelos sonhos de amor que ressoam no consultório de todo psicanalista ou psicoterapeuta. A lembrança do filme induz em mim uma benéfica humildade terapêutica, sugerida por Carlos números três, quando ele declara que, para achar a pessoa certa, já falou de sua infância, meditou e lançou berros. Esgotado o arsenal terapêutico, agora ele quer uma moderna agência de par perfeito. Pois é, talvez ele tenha razão.

Na clínica, atrás de nossas dificuldades sentimentais, descobre-se um pouco de tudo.

Há destinos que aparentemente excluem qualquer felicidade amorosa. São vidas vigiadas pelo desejo de uma avó que esperava que ao menos uma neta fosse freira. Ou pelas palavras de um pai maldizendo o dia em que decidiu casar. Ou simplesmente pelo desejo de uma mãe que não quer ficar sozinha. Não é impossível jogar com esse tipo de cartas marcadas. Leva tempo, mas chega-se a reviver e a reescrever um pouco o passado -quanto basta para que se tornem praticáveis futuros até então proibidos.

Outros impasses são efeitos de nossos sintomas neuróticos. Por exemplo, um sujeito hesita, imóvel, entre desejos diferentes: amo ou não amo? E, se amo, qual das duas ou dos dois? É uma maneira (dispendiosa) de não perder nada. Ou de nunca apegar-se para evitar as dores de uma separação. Outro sujeito, como um dos Carlos, o número um, prefere guardar a paixão no gueto dos sonhos, onde está sob controle. São cálculos que podem parecer avaros, covardes ou absurdos e, sobretudo, dolorosos.

A lista das armadilhas no caminho do amor não pára aqui. Há um caleidoscópio de imagens distorcidas capazes de atrapalhar o projeto de compor um par. Alguém olha no espelho e se acha impossível de ser amado ou bonito demais para ser tocado. Outro desqualifica todos os candidatos, pois não se equiparam a algum ícone venerado. Há, enfim, o efeito desalentador dos ideais sociais. São visões de amores grotescamente felizes (portanto impossíveis) que perseguimos como uma obrigação. Ou então, paradoxalmente, devaneios de perfeita independência celibatária.

Mas imaginemos que todos esses obstáculos nos concedam uma trégua. Às vezes isso acontece e, mesmo assim, a agenda continua vazia. O telefone não toca. O que falta? Será que o sujeito que se queixa está se enganando e nos enganando? Será que pensa estar disposto a um encontro que de fato ele (ou ela) ainda recusa, sei lá, inconscientemente? É nessa altura que aceito a sugestão de Carlos número três, mencionada antes.

Você conhece a história do homem que choramingava que nunca ganhara na loteria. Deus, cansado de ouvir suas lamúrias, perguntou: "Mas, meu filho, você está comprando o bendito bilhete?". O homem entendeu a lição e decidiu que dar a si uma chance de ganhar era mais interessante do que ter uma razão permanente para lamentar-se. Conseguiu enxergar-se como um possível ganhador, e não como um eterno derrotado. Desde então, ele faz corajosamente suas apostas. Em suma, foi curado pela palavra divina. Mas, para que haja cura, falta alguma coisa: ganhar.

A história vale também para a vida amorosa. Você pode mudar, reparar seu sintoma, corrigir o peso de sua história familiar e dos ideais culturais, retocar as imagens que povoam seu espelho, dispor-se a negociar compromissos com aspirações irrealizáveis etc. Mas os amores -mesmo razoáveis, "possíveis"- precisam também de acasos bem-aventurados. Ou seja, banalmente, de sorte.

Sem dúvida, eu teria exortado Júlia a, naquela fatídica noite de 15 anos atrás, ajudar a sorte e ir ao cinema. A chuva não é uma razão para aceitar as preguiças do desejo. Mas concordemos que teria sido em vão se Carlos, por sua vez, decidisse ficar em casa.

De qualquer forma, se ambos comparecessem e juntos assistissem a "Amores Possíveis", garanto que seria bom para seu eventual futuro amoroso. Ou seja, recomendo o filme aos que procuram um amor, aos que não sabem bem o que desejam e aos que acham que seria bom recolocar paixão em sua rotina. Em suma, a todos

22 março 2001

Brasil e EUA: uma diferença retórica

É uma velha pergunta: por que os primos do norte são bem-sucedidos enquanto a gente pena tanto? Questão de clima, território, religião, tipo de colonização?

Lendo a imprensa norte-americana nos últimos tempos, ocorre-me que talvez a diferença crucial seja sobretudo retórica. Com isso não me refiro aos ornamentos que adotamos para falar ou para escrever bonito. Mas penso nas formas que se impõem naturalmente quando descrevemos a nossa experiência e o sentimento de quem somos.

A diferença entre Brasil e EUA aparece, em particular, na maneira de apresentar e de encarar dificuldades e fracassos. Um exemplo. Recentemente as Forças Armadas norte-americanas parecem ensaiar (tragicamente) um filme dos Trapalhões.

Em fevereiro, um submarino nuclear treinou emersão rápida com 16 civis a bordo brincando de marinheiros: afundou um pesqueiro japonês e matou nove pescadores. Uma semana depois, dois helicópteros do Exército se chocaram durante um treino noturno no Havaí: 6 mortos e 11 feridos. Logo aviões americanos atacaram alvos perto de Bagdá: mataram três civis e várias moscas.

Em março, no Kuait, um avião da Marinha teve mais sorte e matou militares, não civis. Só que eram militares norte-americanos (cinco) e um aliado neozelandês.

No meio disso, desde o ano passado, os "marines" não sabem o que fazer com o projeto do Osprey, que pousa como um helicóptero e voa como um avião. Em 2000, os exemplares em serviço já mataram 23 fuzileiros em dois acidentes.

Parece que, por alguma razão, não foram realizados os testes necessários antes de confirmar a encomenda...

Fora da esfera militar, as coisas não estão melhores. Também em fevereiro um agente do FBI foi acusado de ter vendido segredos aos russos durante 15 anos.

Na semana que vem, acaba uma grande recontagem dos votos da Flórida e os americanos correm o risco de aprender que o homem que está na Casa Branca chegou lá não só por decisão partidária da Corte Suprema mas contra a vontade do eleitorado.

Nada de tudo isso é escondido. Tudo é investigado. Confia-se que erros, malandragens e acidentes venham a ser corrigidos, porque o desastre, a estupidez e a corrupção nunca são apresentados como manifestações de alguma propriedade especificamente norte-americana. Ao contrário, por mais que sejam frequentes, eles surgem como momentos nos quais, por assim dizer, a América (sua essência supostamente gloriosa) se ausentou.

Imagine acontecimentos parecidos no Brasil. Tome o caso do submarino nacional que afundou num cais do porto porque, ao que parece, alguém se esqueceu de fechar uma escotilha. O culpado foi o descaso de um marinheiro, mas essa descrição não basta: insinua-se a convicção de que o descaso é um vício tupiniquim.

Os eventos mais sinistros funcionam, em última instância, como prova (e efeito) da "natureza" (infausta) do brasileiro. Na retórica nacional, a autodepreciação coletiva é uma forma imediata de entender o social. Por que a violência e a corrupção? Simples: porque somos violentos e corruptos -quer explicação melhor?

Infelizmente, é uma explicação que imobiliza e deprime: como corrigir, punir e investigar de maneira eficaz se acreditamos ser corruptos, sem-vergonha etc. por essência?

Para os americanos, o caráter nacional é uma ficção intangível e incorruptível que brilha no alto da colina. Os indivíduos e os fatos que contradizem essa imagem gloriosa são aberrações e serão emendados. Por exemplo, acontecem acidentes nas Forças Armadas? Ninguém evoca o Exército Brancaleone. Repete-se que as Forças Armadas norte-americanas são as melhores do mundo. Ora, aconteceram alguns pepinos, mas isso não muda nada no essencial.

Eis então a diferença retórica: os primos do norte não atribuem o mal à sua essência. Portanto são cheios de si e prontos a consertar as falhas. Os brasileiros duvidam de poder modificar males que lhes parecem ser a expressão de sua essência bichada.

Essa diferença pode ser explicada, no estilo Max Weber, pela diferença entre protestantismo e catolicismo. Na perspectiva protestante (calvinista) dos primeiros colonos norte-americanos, os eleitos foram escolhidos pela graça divina: são eles, incontestavelmente. A partir dessa certeza inabalável, eles lidam com os acidentes e com as ovelhas perdidas. Na perspectiva católica, a graça não é garantida a ninguém: de antemão, somos todos igualmente pecadores.

Outra explicação: os americanos conhecem muito bem a pós-modernidade globalizada, por serem, de uma certa forma, seus promotores. Eles sabem, portanto, que, no jogo do narcisismo, sai ganhando aquele que consegue ser o objeto inalcançável da inveja de todos. Eles sabem também que, para isso, é melhor dissociar-se do que não dá certo, admitir o mal apenas como acidente.

Certo, outras satisfações narcisistas são possíveis. E mesmo o fracasso oferece suas vantagens: inspira o carinho e a simpatia de todos -até porque não ameaça ninguém. Mas é um pouco cansativo, não é?

15 março 2001

O Incrível Hulk em todos nós

De novo, na semana passada, um adolescente norte-americano saiu atirando. Perto de San Diego, Califórnia, Andrew Williams, 15 anos, matou dois colegas e feriu 13 pessoas.

Logo surgem vozes contra a violência na cultura popular. Talvez Andrew não tivesse matado num mundo onde o "rapper" Eminem não cantasse "bleed, bitch, bleed" (sangre, sua puta, sangre). Ou num mundo em que cinema e televisão deixassem de glorificar a morte e em que os videogames parassem de estourar miolos.

Ninguém acredita que a cultura popular seja a única causa da violência real. Mas é fácil mostrar que ela fornece uma espécie de retórica pronta. Você quer se expressar de maneira decisiva? Quer se posicionar como uma exceção à regra social? Pois é, as representações da violência na cultura oferecem uma prontuário para isso.

De fato, a psicologia experimental não demonstrou de maneira conclusiva que uma criança assistindo a filmes de porradas teria um comportamento mais violento do que uma criança que passasse o tempo lendo "O Pequeno Príncipe". No entanto as experiências lembram aquelas pesquisas dos anos 50/60 sobre os efeitos do fumo, quando não estava comprovada a relação entre cigarro e câncer...

Ora, logo nesses dias, encontrei um argumento novo em defesa da hemoglobina, dos socos e das metralhadas de nossa cultura de massa. Deve sair este ano, pela BasicBooks, "Power Play" (jogo de poder/força), de Gerard Jones (escritor de quadrinhos e de roteiros -"Batman", "Homem-Aranha" etc) e Melanie Moore (que pertenceu ao centro de estudos sobre adolescência da Universidade de Stanford). Num trecho já publicado na Internet, Jones conta que aos 13 anos ele era um menino sozinho e apavorado. Foi salvo pelos quadrinhos: conheceu o Incrível Hulk, que lhe forneceu um ego alternativo para expressar sua "raiva reprimida".

Uma vez adulto, conversando com os jovens que gostavam de suas produções, Jones encontrava sempre a mesma história: eram "pessoas que saíam de armadilhas emocionais imergindo em histórias violentas". Ou seja, "graças a fantasias de combates e destruições", os leitores ou espectadores conseguiam uma nova integridade em que podiam admitir (e domesticar) fragmentos reprimidos de sua própria violência.

Em suma, Moore e Jones afirmam que histórias e fantasias violentas são positivas para o desenvolvimento de crianças e jovens. Por exemplo, a fantasia de "ter poderes super-humanos serve às crianças para vencer o sentimento de desamparo que deriva inevitavelmente do fato de elas serem jovens e pequenas". A dupla identidade dos super-heróis ajuda a conciliar os imperativos da socialização com a necessidade de proteger segredos e intimidade. Enfim, a "violência criativa" permite que as crianças conheçam e controlem sua raiva.

Talvez a violência na cultura popular motive alguns a serem violentos. Em compensação, segundo eles, para cada um influenciado desse jeito, milhares devem seu desenvolvimento harmonioso a fantasias violentas.

A tese de Jones e Moore faz sentido. Despedaçar alienígenas na tela do computador pode não ser uma instigação assassina, mas válvula de segurança para não despedaçar nossos camaradas.
Mas, cuidado, a tese implica este pressuposto, quase sempre aceito como uma obviedade: a violência seria uma propriedade humana inata. Dedução: se somos "naturalmente" violentos, temos de fazer algo para que nossa violência não nos impeça de conviver em sociedade.

Reprimi-la inteiramente, sugere a tese, não é possível: ela explodiria como uma panela de pressão. Portanto devemos brincar, fantasiar com a violência para exorcizá-la. Conclusão: é necessário e bom que a cultura popular seja violenta. Festa em Hollywood.

Ora, o pressuposto em questão não é nada certo. Quem diz que a violência seria nossa maneira natural de ser? De onde vem a suposição de que seríamos originariamente violentos -e apenas num segundo tempo contidos, reprimidos ou exorcizados? É um traço constitutivo da modernidade: nós imaginamos que na origem de tudo esteja o indivíduo sozinho, sem pactos, sem comunidades e sem amigos -valendo, portanto, apenas por sua força. Por isso a violência tem, aos nossos olhos, o glamour da natureza indômita. Ela nos fascina como uma espécie de autenticidade perdida.

As representações da cultura popular permitiram que um adolescente franzino sonhasse em ser Hulk -verde, irascível e brutal. Graças a esse sonho, ele imaginou fazer-se valer e sentiu-se melhor. Andrew (também franzino), com a ajuda de uma arma, tornou-se em Hulk de verdade. Eles agiram de maneiras diferentes, mas ambos com a convicção de que a violência (real ou fantasiada) é o caminho natural para fazer-se valer -pois, atrás de camisa e gravata, somos todos verdes.

Essa convicção não jorra da natureza. Tampouco ela precisa, para se consolidar, dos "pow-pow", "ratatatá", "boom" e outros gritos de telas e telinhas. Basta o fato de que o individualismo moderno, inevitavelmente, quase por definição, idealiza a violência.

01 março 2001

Darwin virando-se na tumba



Na coluna da semana passada, comentei que as recentes revelações sobre o genoma humano confirmam a hipótese da evolução das espécies. Darwin tinha razão.

Esse triunfo da teoria da evolução é um bom momento para lembrar que, desde seus começos, o darwinismo é perseguido por uma ameaçadora caricatura de si mesmo.

Fundamentalmente, Darwin observou que os animais com traços biológicos que facilitam a sobrevivência e a reprodução transmitem seus genes e mantêm sua espécie. Os outros acabam sumindo. A partir disso, ele tentou explicar a evolução das formas de vida em nosso planeta. Não me parece que essa visão suponha a idéia de um plano de Deus ou da natureza. Apenas há o esforço dos seres vivos que querem sobreviver. A evolução e a seleção acontecem, o que não significa que sejam um bem. Ou seja, por estarmos aqui, a teoria diz que somos "superiores" a outras espécies extintas, mas essa superioridade não tem sentido moral, ela indica só uma eficácia biológica maior.

Ora, logo depois da publicação de sua obra prima, "A Origem das Espécies" (1859), Darwin se queixou de uma resenha segundo a qual seu livro demonstrava "que a força vale como direito, que portanto Napoleão estava certo e também que qualquer comerciante desonesto tem sempre razão". A resenha fundou uma longa dinastia que acompanha o darwinismo como uma maldição. Nessa dinastia, as descobertas de Darwin justificam qualquer status quo. É simples: a evolução é apresentada como uma intenção da natureza. Portanto as espécies e os indivíduos que sobrevivem são justificados na ordem do mundo: o sucesso está sempre moralmente certo.
O capitalismo selvagem encontrou no pseudodarwinismo sua justificação moral explícita: a competição e a exploração seriam apenas formas "normais" da seleção natural.

Nas últimas décadas, a coisa piorou. Floresceu a dita sociobiologia ou psicologia evolucionista: uma série de biólogos, sociólogos e psicólogos aplicou a teoria da evolução ao comportamento social humano. Eles consideram que as disposições culturais, as escolhas morais e políticas, as condutas amorosas etc. devem ser avaliadas em função de seus efeitos na seleção natural. Sendo que, nessa ótica, sobreviver à seleção é o bem supremo.

Edmund Wilson escreveu a bíblia do novo campo: "Sociobiology" (1975). Esse livro (respeitadíssimo) já é contaminado pelo espírito da resenha da qual Darwin se queixava. Wilson, por exemplo, considera com perplexidade a idéia de que a sociedade ajude os mais miseráveis. Numa perspectiva pseudodarwinista, os mais desfavorecidos perderam a corrida da seleção natural. Mantê-los em vida significa se expor ao risco de que seus genes se misturem com os nossos -péssimo para nós, os favorecidos. Essa observação, além de moralmente repugnante, é simplória. Pois é provável que a força da espécie humana e nossa capacidade de sobreviver dependam também dos afetos que nos distinguem dos outros animais.

Contrariamente aos dinossauros, a gente enterra os mortos, se atrasa para ajudar os que não conseguem andar, alimenta os incapacitados e as crianças abandonadas. Talvez seja por isso mesmo que os homens ainda estejam nessa terra.

Desde o livro de Wilson, o pseudo-darwinismo tornou-se uma disciplina acadêmica na moda. Sua receita é fixa: se um comportamento existe, é porque foi aprovado pela seleção natural, que é o grande projeto da natureza. Com isso, o comportamento é legitimado com a aparente bênção da ciência.

A disciplina cresce a cada dia. Leio assiduamente, mas ainda não encontrei uma obra que não fosse fútil. Houve o sucesso do livro de Robert Wright, "The Moral Animal" (1994), que queria formular a moral da seleção natural.

Aprendi, no caso, que o arrivismo é natural e justo porque ele é necessário ao sucesso em nosso mundo e portanto está de acordo com as necessidades da seleção natural.

No ano passado, fizeram barulho dois acadêmicos, Thornhill e Palmer, com "A Natural History of Rape" (uma história natural do estupro), em que quiseram mostrar que, para o homem, estuprar é uma conduta natural e bem adaptada. A tese era deduzida das seguintes premissas: a evolução (o famoso plano da natureza) favoreceria a promiscuidade dos homens (que devem espalhar seus genes) e a modéstia das mulheres (que devem se guardar para os homens geneticamente mais brilhantes e reproduzir só com eles).

Ou seja, para o bem da espécie, o homem deve cuidar da quantidade e a mulher da qualidade (boa maneira machista de autorizar o adultério masculino e manter a fidelidade feminina). Os autores concluem então que, com essa contradição "natural", é inevitável que, de vez em quando, as mulheres apanhem. Bom, falem isso para as mulheres que foram estupradas na guerra da Bósnia.

Uma coisa é certa: à vista do sucesso do pseudodarwinismo, é possível afirmar que vender bobagens como verdades científicas deve ser moralmente justo, posto que parece ser útil e frutífero na seleção natural (e acadêmica) dos autores.