Quase a metade dos homens americanos está insatisfeita com seu corpo. O mesmo vale para os europeus. O caso dos brasileiros não deve ser muito diferente. É uma insatisfação calada, pois se supõe ainda que "um macho" não ligue para sua aparência. Mas é suficiente para mobilizar uma indústria. Em 1999, os homens americanos gastaram 2 bilhões de dólares em mensalidades de academia e a mesma quantia em aparelhos para exercitar-se em casa. A isso acrescentam-se as cirurgias plásticas e o mercado dos suplementos alimentares: 3 milhões de americanos (entre os quais 6,5% dos jovens de 15 e 16 anos) tomam ou tomaram esteróides anabolizantes para facilitar o crescimento da musculatura e queimar gordura.
Claramente, nas últimas duas décadas, constituiu-se uma cultura masculina da modificação corporal. Por que não aplaudir? Afinal corpos enxutos e malhados na praia são uma visão mais agradável do que carnes flácidas. Pessoalmente, levanto ferro há 35 anos e acho ótimo tanto para a saúde quanto para o humor. Então qual é o problema?
Acontece que uma parte não-negligenciável dos malhadores não encontra saúde nenhuma. Só nos EUA, as pesquisas mostram que, para quase 1 milhão deles, a insatisfação com seu corpo deixa de ser um incentivo e transforma-se numa obsessão doentia. Eles sofrem de uma verdadeira alteração da percepção da forma de seu próprio corpo. Por mais que treinem, "sequem" e fiquem fortes, desenvolvem preocupações irrealistas, constantes e angustiadas de que seu corpo seja feio, desproporcionado, miúdo ou gordo etc. Passam o tempo verificando furtivamente o espelho. Recorrem a dietas ferozes que acarretam verdadeiros transtornos alimentares (anorexia e bulimia já se tornaram patologias também masculinas). São as primeiras vítimas do uso desregrado de qualquer substância que prometa facilitar o crescimento muscular.
Nos casos mais graves, a obsessão do corpo destrói a vida social, profissional ou escolar dos sujeitos. Convencidos de sua feiúra, eles se escondem -num leque que vai desde se recusar a tirar a camisa até se trancar em casa. Abandonam estudos e carreiras para passar o tempo treinando. Sacrificam casamentos e relações amorosas. Não são raras as tentativas de suicídio.
Um livro recente, "The Adonis Complex: The Secret Crisis of Male Body Obsession", de Harrison G. Pope, Katharine Phillips e Roberto Olivardia (Free Press, 288 págs., US$ 25), tenta explicar a nova obsessão masculina do corpo e descreve sua patologia.
Segundo os autores, nas últimas décadas, os corpos vêm sendo encarregados de marcar as diferenças entre masculino e feminino. Mulheres e homens não se distinguem mais por funções sociais respectivas.
Hoje somos masculinos e femininos pela aparência, não por nossos encargos. Portanto o peso metafórico da virilidade se encarnou num corpo ideal forte e poderoso. Poderia ser uma simplificação: afinal, malhar quatro vezes por semana parece uma tarefa mais simples do que ser "homem" segundo exigências de grandeza de espírito, que são de difícil definição. Não é nada disso.
Infelizmente, o corpo que encarna o ideal social de virilidade é mais inalcançável ainda do que os mais complexos exemplos de força moral. Faça a experiência: pegue um bonequinho de GI Joe de última geração, que é para as crianças o modelo de força, determinação etc. Meça as proporções do boneco e calcule no que elas dariam em tamanho adulto. O boneco que usei dava um homem com a cintura de Britney Spears e um bíceps quatro vezes o braço de Schwarzenegger no seu ápice.
A masculinidade era um ideal espiritual enigmático e complicado. Agora se tornou um corpo impossível. Quem levar a sério a exigência social de ser "homem" poderá entrar numa aventura dolorosa. (A mesma coisa vale para as mulheres e a feminidade. Tente repetir a experiência das medidas com uma Barbie.)
Mais um comentário. Quase todos os insatisfeitos dos músculos declaram que eles tentam adquirir um corpo que seduza as mulheres. Ora, sistematicamente, nos testes aparece o seguinte: o corpo masculino que, segundo eles, enlouqueceria as mulheres é dez quilos (de músculos) mais pesado do que o corpo masculino que as mulheres realmente gostam. Ou seja, as mulheres preferem homens próximos da média -não excessivamente musculosos. Será que os homens se enganam e treinam em vão? É mais provável que querer seduzir seja uma desculpa. Os homens querem ser impossivelmente musculosos não para encantar as mulheres, mas para competir com os outros homens.
Tanto para os homens quanto para as mulheres, o motor da relação com os ideais modernos não parece ser o desejo que gostaríamos de suscitar na dama ou no cavalheiro.
De fato, a esperança de conquistar um parceiro ou uma parceira nos anima menos do que a vontade de sermos objetos da inveja de nossos semelhantes.
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