28 outubro 2004

Achados e perdidos

O site da Polícia Civil de São Paulo (www.policia-civ.sp.gov.br) dá acesso a várias "consultas".

Além de editais, licitações e concursos, há a lista dos "Procurados da Justiça". Nela, aparecem apenas os sujeitos perigosos. Mesmo assim, vale a pena notar que duas outras listas são mais extensas: "Procura-se a família" e "Pessoas desaparecidas".

"Procura-se a família" apresenta os retratos de dezenas de adultos, homens e mulheres, quase todos internados em instituições psiquiátricas, de quem se ignora a família e o domicílio de origem. Com eles, há três crianças, que foram "encontradas". Uma delas é um menino, que olha para a gente com uma expressão atenta, mas que "não fala, não ouve, responde por gestos". Parece que estamos errando entre as estantes de um depósito de achados e perdidos, reservado aos que se tornam fardos insustentáveis para seus próximos.

Na verdade, "Procura-se a família" é a lista dos achados; os perdidos estão em "Pessoas desaparecidas". No site da Polícia Civil, são, mais ou menos, 300 crianças e adolescentes, 240 mulheres e mais de 700 homens adultos. Todos sumiram deixando saudades; há uma família que não entende e se desespera.

Cada grande cidade brasileira propõe uma lista análoga. O fenômeno não é nacional: uma procura mundial na internet ("missing persons") traz 3 milhões de páginas. Mesmo descontando as vítimas de perseguições e migrações forçadas, o número é grande.

É possível que alguns desses desaparecidos sejam vítimas de acidentes ou crimes que os deixaram incapacitados de declarar sua identidade. Mas, em regra, um acidentado carrega algum documento que permite sua identificação.

Para que alguém consiga sumir, é preciso que haja uma intenção, do próprio sujeito ou de outrem.

Se sumissem sobretudo crianças e jovens mulheres, o fenômeno pareceria mais simples. Afinal, acontece de adolescentes e crianças fugirem de casa. Às vezes, tentam evitar uma violência que os próprios familiares podem desconhecer. Outras vezes, eles tomam ao pé da letra e antes da hora o imperativo social de tornar-se autônomos e "grandes". Além disso, existe um comércio de crianças seqüestradas e vendidas para adoções ilegais. Meninas e jovens mulheres também poderiam ser vítimas de redes organizadas de prostituição.

Mas a grande maioria dos que somem sem deixar rastos são homens adultos. Melhor aceitar o óbvio: a cada ano, centenas de milhares de sujeitos pelo mundo afora escolhem sumir, abandonam lares, famílias, amigos, mudam de cidade e de nome. Tentam recomeçar a vida como se não tivessem um passado.

Ao longo de minha prática, nunca encontrei uma "pessoa desaparecida".

Mas, anos atrás, no pavilhão Pinel do hospital Sainte-Anne de Paris, conheci um sujeito que sofria de uma amnésia espetacular: suas funções intelectuais eram perfeitamente preservadas, no entanto ele apresentava um total esquecimento de sua identidade e história. Era benquisto na enfermaria, pois tinha competências preciosas: consertava tudo, relógios, rádios, televisores. Eu não conseguia me livrar da suspeita de que ele estivesse fingindo; estranhava que ele tivesse sido encontrado sem nenhum documento.

Mais tarde, entendi um pouco melhor o sentido dessa ausência de documentos, quando me ocupei de um jovem adulto que sobreviveu a uma elaborada tentativa de suicídio. Um dia, ele recortou cuidadosamente as etiquetas de suas roupas, jogou sua carteira pela janela do trem e, chegado numa cidade distante, foi para um quarto de hotel, onde tomou barbitúricos e cortou os pulsos, depois de pendurar na maçaneta da porta o sinal "por favor, não perturbe". Foi descoberto por uma camareira, que desrespeitou o pedido.

Como ele me disse em nosso primeiro encontro, queria sumir de maneira que nenhum resto de sua vida prévia o alcançasse. Comentou, com um certo humor negro, que achava intolerável a incumbência de comparecer a seu próprio funeral.

Ora, cuidado: ele amava sua família, sua namorada e seus amigos. Suas dívidas, reais ou simbólicas, não eram extraordinárias; suas ambições não eram desmedidas nem especialmente frustradas; tampouco era angustiado pela sensação de que os outros esperassem dele muito mais do que ele podia dar.

O problema era outro: um dia, pareceu-lhe que todos os afazeres que, em princípio, deviam ser frutos de sua liberdade (os gestos do amor, os empreendimentos profissionais, os interesses culturais) tinham-se transformado em encargos.

"Você gosta de música clássica?", perguntou-me. "De repente, você descobre que o prazer de escutar um concerto foi substituído pela obrigação de preencher a cadeira que você comprou para a temporada inteira. Imagine que isso aconteça com todos os seus desejos. Fazer o quê?"
Ele decidiu se abolir. Outros somem e tentam recomeçar do zero.

Recentemente, uma leitora me pediu que a ajudasse na procura de um familiar amado, que sumiu. Pois bem. Mensagem a um "desaparecido" que lesse esta coluna: para nós também, para todos nós, desejar sem transformar nossos próprios desejos em obrigações é uma tarefa para além de difícil.

3 comentários:

  1. Gostaria de saber se minha mãe que me abandonou aos 3 anos ainda se encontra viva,meu nome é Abneti Silvestre Gomes,nome da minha mãe Sebastiana Silvestre Gomes,do meu pai falecido era Pedro Gomes,não sei se ela é viuva ou casada agora,por favor se souberem de alguma informação entrar em contato com 0151397763772,eles moravam ou ainda moram em Alagoas,obrigado.

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  2. Meu endereço é rua 24 n 721 Humaita São Vicente SP Cep 113
    49250 fixo de familiares 0151335642116,obrigado.

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  3. Por favor passem para meu e-mail amarowagner@hotmail.com qualquer notícia,obrigado e desde já agradeço.

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