No sábado passado, Charles, príncipe de Gales, casou-se, enfim, com Camilla Parker-Bowles. Não foi a celebração de uma nova paixão, mas um jeito de ratificar um relacionamento bastante persistente e, às vezes, um pouco inglório. A cerimônia suscitou simpatias, mas não fez sonhar ninguém, contrariamente ao que aconteceu no primeiro casamento do príncipe.
Se você tem mais de 40 anos, lembra-se das bodas de Charles com Diana Spencer.
Foi em julho de 1981. Talvez você achasse desprezível o interesse popular pelos amores dos "chiques e famosos". Talvez você zapeasse a cada aparição do casal na televisão e arrancasse furiosamente as capas de jornais e revistas, mas é impossível que você tenha evitado a visão dos beijos e dos olhares apaixonados do casal.
Anos depois, em 1994, numa entrevista televisiva, Charles admitiu ter sido infiel durante o casamento. Detalhe desagradável: a própria Diana foi informada naquela ocasião, pela televisão. Também em 1994 foi publicada uma biografia autorizada de Charles, em que ele declarava nunca ter amado Diana e ter casado com ela por pressão familiar.
A princesa deu o troco. No fim de 94, o major James Hewitt, instrutor de equitação de William, o primogênito do casal, tornou pública sua relação com a princesa, uma história que já durava cinco anos e que incluía aspectos pouco simpáticos, como algumas noites passadas com Diana no Palácio de Kensington, enquanto Charles estava viajando.
No entanto, apesar da declaração de Charles em 1994, basta contemplar as fotografias do casamento e dos primeiros tempos de Charles e Diana (é fácil encontrá-las na internet) para pensar que eles estavam sinceramente apaixonados.
Admito que talvez não estivessem apaixonados um pelo outro, mas ambos pela imagem ideal de seu encontro, de seu amor e de seu casamento. Acontece com muitos casais e não é necessário, para isso, que o encontro se dê numa festa na residência real de Sandringham ou que o casamento seja transmitido ao vivo para 1 bilhão de espectadores pelo mundo afora. De qualquer encontro amoroso, por modesto que seja, todos esperam que componha o cartão-postal de uma paixão perfeita.
A fotografia mais famosa do casamento de Diana e Charles é o beijo na sacada do palácio de Buckingham. Quando os recém-casados apareceram, a multidão de espectadores entoou: "Kiss-her, kiss-her", "Bei-ja, bei-ja". Beijaram-se.
Aparentemente, há um cálculo racional que transforma o encontro e a paixão inicial em figuras ideais do amor romântico. A idéia é a seguinte: se a escolha do parceiro for correta, se o encontro for mágico e encantado, o futuro do casal só poderá ser radioso.
Romances e filmes de amor, em sua esmagadora maioria, narram as peripécias dos amantes até que consigam se juntar. Depois disso, parece óbvio que eles vivam "felizes para sempre". Infeliz e freqüentemente, nos consultórios de psicoterapeutas e psicanalistas, a história dos casais depois do cartão-postal inicial é contada em versões bem menos sorridentes.
Agora, encontrar alguém que a gente esteja a fim de amar não é pouca coisa. Em geral, os verdadeiros encontros amorosos de uma vida se contam nos dedos de uma mão só.
Em suma, há uma expectativa de que encontros perfeitos e raros garantam amores felizes para a vida toda. Com isso, os momentos inicias do amor parecem ser os únicos que importam, os únicos que valem a pena contar.
"Jogos Subterrâneos", o bonito filme de Roberto Gervitz, que está em cartaz nestes dias, não é uma exceção. Inspirado num conto de Cortázar, narra a estratégia e as tentativas do protagonista, Martín, para encontrar a mulher da sua vida. Ele estabelece ao acaso um trajeto pelo metrô paulistano. Logo ele espera que, entre os passageiros, uma mulher capture seu olhar e a segue: se ela respeitar exatamente o percurso que ele prefixou, será a mulher de sua vida. A artimanha pode ser entendida de duas maneiras: todo encontro é um capricho do destino e é bom apaixonar-se por alguém que esteja fazendo um percurso parecido com o nosso.
No entanto Martín não pára de esbarrar em exceções à sua regra: ele só se relaciona com mulheres que seguem trajetos diferentes dos que ele fixou, mulheres que ele acaba conhecendo por acidente. Mesmo assim, ele consegue (a duras penas) o que ele queria: um encontro que, em matéria de cartão-postal, não deve nada ao casamento de Charles e Diana.
Mas esse "final feliz" é apenas o começo de uma história e é fácil prever que "nossos heróis" não vão viver felizes para sempre.
Aliás, na saída do filme, fiquei me perguntando: entre as mulheres que o protagonista encontra no metrô com qual ele dividiria a vida inteira (ou, ao menos, uma década prazerosa), se ele soubesse e pudesse escolher? Em outras palavras, Martín, no filme, encontra sua princesa Diana, mas quem seria sua melhor Camilla?
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