Acabo de ler "Calcinha no Varal", de Sabina Anzuategui (Companhia das Letras). É um breve romance que conta, na primeira pessoa, uma temporada da vida e dos amores de uma jovem mulher. Se você tem interesse e carinho pela tragicomédia cotidiana de nossa vida amorosa e sexual, não deixe de ler.
As histórias de amor são o repertório (literário ou filmado) graças ao qual, bem ou mal, aprendemos a amar. Os amores narrados se tornam exemplos, numa "ciência do amor", que ninguém tem e que todos almejamos.
É difícil contar uma história de amor sem que ela seja parasitada por alguma intenção de contribuir à constituição dessa "ciência" impossível. A tentação pedagógica implícita contribui, aliás, a tornar intragável uma boa maioria das histórias de amor que nos são contadas em livros e filmes.
Mesmo entre as histórias de que gostamos e que "tragamos", muitas apostam obviamente na nossa fome de dicas para sermos felizes no amor: elas nos seduzem prometendo as delícias de paixões ditosas (futuras e nunca descritas: depois do que foi contado, "eles viveram felizes para sempre") ou então nos fazem a moral ("viu o que acontece se você ama desse jeito?"). Resultado: podemos gostar dessas histórias, mas elas não nos ajudam na difícil (talvez impossível) tarefa de amar um outro ou uma outra.
Só as melhores histórias (entre as quais a que conta Anzuategui) conseguem nos oferecer fragmentos de uma sabedoria do amor. Roland Barthes lembrou um dia que saber e sabor têm uma etimologia comum: o saber que nos ajuda a viver não é uma doutrina, é aquele que nos permite reconhecer e saborear os gostos, mesmo que sejam amargos, às vezes. De qualquer forma, na vida, como na cozinha, o pecado capital é o insosso.
As histórias que nos ensinam a degustar a experiência (e que, no caso, nos ensinam um pouco a amar) são aquelas que não nos iludem, mas conhecem e respeitam a dificuldade atrapalhada dos sentimentos e dos desejos.
Um parágrafo que está quase na abertura de "Calcinha no Varal" mereceria ser citado por inteiro. Fala Juliana, a protagonista: "... até hoje não sei como evitar um mecanismo cruel que faz com que os caras que trato mal me adorem, mas, quando gosto de algum, de repente fico carente e ele pára de gostar de mim. (...) começo a ver, em cada gesto que ele faz, que está me deixando (...). Por algum tempo até faço que não vi. Tento me convencer de que ele está preocupado com outra coisa, que sou carente, que invento coisas. Depois às vezes compro umas roupas, me arrumo, porque dizem, e parece verdade, que a mulher sempre decide: enquanto ela quer, ela segura o homem do lado dela. Só que chega um dia (...) que a gente cansa. Cansa de estar sempre pensando em tudo, controlando tudo pra que aquele homem não vá embora". Imagino dificilmente uma mulher que não se descubra nessas considerações de Juliana.
A sabedoria (o sabor) da escrita de Anzuategui não é só introspectiva. Outro exemplo, na minúcia da esgrima entre homem e mulher: Juliana se queixa a Fabrício de que ela se sente submissa e de que não gosta disso. Fabrício, cheio de boas intenções e da burrice masculina: "Já te falei várias vezes pra você não fazer o café, de manhã. Se você quiser, eu faço o café". Juliana: "Eu gosto de fazer o café. Podia fazer uma piscina de café. Não é isso. Me dá raiva porque tudo o que eu penso em fazer, penso antes em você". Quem sabe algum homem se toque.
Mas o que me mais me impressionou em "Calcinha no Varal" é que, mesmo quando a situação é escabrosa ou tensa de doer, a narração e os diálogos são pudicos, contidos. A amor que nos é apresentado é vivido numa economia de palavras e de gestos que é uma forma extrema de respeito.
"Eu estava com Fabrício na cama, ele gozou primeiro e eu não quis continuar. Ficamos deitados, ele em cima de mim, eu de olho aberto, e de repente comecei a chorar. Não pensei que ia chorar. Mas, quando vi, as lágrimas estavam escorrendo dos meus olhos. Ele estava quase dormindo, eu não queria que percebesse. Em algum tempo as lágrimas secaram. Perguntei se ele não se incomodava de continuar mesmo depois de ter gozado. Ele disse que não se incomodava, que gostava." É só: nenhuma recriminação, nenhuma explosão, apenas a rara capacidade (em ambos os personagens) de deixar o outro viver seu momento de pena, de insatisfação ou de vergonha.
Em suma, o amor de Juliana não promete a felicidade, mas evita (e quem sabe nos encoraje a evitar) a maior praga dos relacionamentos amorosos: a incontinência verbal. Nisso, "Calcinha no Varal" poderia servir de "educação sentimental".
Mais uma observação sobre o estilo: Sabina Anzuategui consegue, do começo ao fim, manter a simplicidade sem, por isso, cair no clichê. É uma empreitada difícil em qualquer tipo de escrita, mas, tratando-se de uma história de amores e desamores, o êxito é quase milagroso.
Enfim, não sei bem (e não sei se alguém sabe) o que define uma escrita feminina, mas o fato é que, provavelmente, só uma mulher é capaz de descrever a crueza dos desejos e da carne sem perder a leveza, o pudor e a ternura.
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