20 julho 2006

Cadê os cidadãos de São Paulo?

O crime conta com a falta de espírito cívico. Seria boa oportunidade para desmenti-lo

NESTES DIAS de violência (que continuam em surdina), houve e há um grande ausente: nós, o povo de São Paulo. Claro, pedimos políticas e intervenções públicas à altura; segundo nossa inclinação, insistimos nos direitos da população carcerária ou na necessidade de uma repressão severa, mas tanto faz: em ambos os casos (que, aliás, não são contraditórios), ficamos em casa esperando que Deus nos acuda. Você perguntará: "Fazer o quê?".

Pois é, espanta-me que as grandes organizações da sociedade civil, os sindicatos, as igrejas, os partidos (indistintamente), as associações corporativas etc. não tenham convocado (nem planejem convocar, aparentemente) uma manifestação de massa, silenciosa, sem palanques, só para afirmar que, seja qual for a convicção política de cada um, as ruas da cidade são nossas, não da barbárie.

Somos capazes de fechar bancos, repartições e comércios para assistir a um jogo da Copa ou por medo do crime. Será que não saberíamos parar a cidade para proclamar que ela nos pertence?
Não seria um gesto retórico, sem conseqüência efetiva. Pergunte-se: o que o crime organizado espera de nós?

Assassinaram policiais e agentes penitenciários. Destruíram ônibus, caminhões da coleta do lixo, uma ambulância, agências de banco, lojas. Mas evitaram produzir a morte indiscriminada de cidadãos quaisquer. Duvido que haja, atrás dessa estratégia, uma preocupação com nossas vidas. Mas talvez haja, isso sim, uma tentativa de ganhar ou de não perder nossa "cumplicidade". É uma palavra forte?

Na quinta-feira passada, alguns usuários, irritados pela ausência de ônibus nas ruas, tentaram queimar os poucos que circulavam ("Se não há transporte, não há para ninguém", diziam). É a reação esperada pelo crime, uma reação que confirmaria nossa incapacidade de entender o seguinte: o que é "público" é nosso, as ambulâncias e os caminhões do lixo são nossos, os ônibus são privados, mas seu serviço é nosso, e o mesmo vale para bancos e lojas.

Quanto aos policiais e aos agentes carcerários, eles são, literalmente, "os nossos". Na noite de quinta-feira passada, passei de carro na frente do posto da PM da rua Jesuíno Arruda, no Itaim Bibi. Sete ou oito cones de plástico forçavam os motoristas a se afastar um pouco (dois metros) da calçada.

Fora isso, tudo como sempre. O edifício não tinha sido transformado em bunker fortificado com policiais armadíssimos espreitando pelas frestas de portas e janelas fechadas: três homens fardados estavam de pé, perto da entrada, atentos, mas tranqüilos naquele momento, sorridentes. Apenas carregavam suas armas ordinárias e vestiam o habitual colete à prova de balas.

Imprudência? Pode ser, mas eu fui tocado pela declaração de força e coragem, implícita na decisão de assegurar o plantão de sempre. O posto estava normalmente aberto para o serviço dos cidadãos de São Paulo.

Teria gostado que crianças estivessem comigo naquele momento, para que pudesse lhes mostrar os gestos, grandes e pequenos, que tornam e mantêm "habitável" nossa cidade, para que sentissem orgulho de "sua" polícia.

Na minha São Paulo ideal, aliás, uma outra coisa já teria acontecido. Com a ajuda dos grandes cotidianos e da mídia do Estado, o governador teria lançado uma subscrição pública para constituir um fundo de indenização para as famílias de policiais e agentes assassinados ou feridos.
Ele teria convocado um conselho de probos para administrar o fundo e distribuir rapidamente as indenizações. A imprensa publicaria a cada dia, em destaque, o valor acumulado pelas doações dos paulistas. O governo federal quer ajudar? Que uma medida provisória torne imediatamente dedutíveis do imposto (não do imponível, do imposto) as doações a esse fundo.

Como você acha que o crime organizado se sentiria num Estado e numa cidade em que milhões de cidadãos desfilassem pelas ruas afirmando sua vontade de viver sem medo? E num Estado e numa cidade em que os próprios cidadãos mostrassem sua gratidão cuidando das famílias dos que morrem no serviço da comunidade?

Os momentos de crise podem ser ocasiões de mudanças decisivas. Não tanto de legislação, mas, sobretudo, de espírito. E muitos de nossos males têm sua origem numa falta endêmica de espírito cívico. O crime conta com essa falta. Seria uma boa oportunidade para desmenti-lo.

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