22 outubro 2009

Charmes do celibato



Deixar saudade e fazer falta é menos arriscado e mais prazeroso do que estar presente dia a dia


ALGUMAS SEMANAS atrás, uma leitora, Lucila Almeida, comentou minha coluna sobre "Casamentos Possíveis" observando que, paradoxalmente, o artigo a levara a "refletir sobre aquelas pessoas que não casam porque não conseguiram ou porque optaram por uma vida mais descompromissada". "Essas pessoas", acrescentava a leitora, "são cruelmente cobradas pela sociedade por não terem seguido o comportamento padrão".

Seguia um pedido: que eu escrevesse um pouco sobre os "que saem da curva", "por não casarem ou por não ter escolhido a profissão que dá mais dinheiro ou ainda por ter optado não ter filhos -enfim, por uma série de atitudes que não são consideradas padrão pela sociedade". Por que eles parecem ser cobrados? E qual é a parte de inveja na cobrança?

Passei o último fim de semana no Rio Grande do Sul, numa celebração dos 20 anos da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, da qual fui um dos fundadores (desde a metade dos anos 80, quando cheguei ao Brasil, até 1994, a capital gaúcha foi o lugar onde escolhi morar). Bom, senti saudade, mas o que mais importa aqui é que fui comovido pelas marcas da saudade que deixei nos outros. No avião que me levava de volta a São Paulo, essa experiência produziu em mim algumas reflexões que se aplicam, em parte, ao celibato. Mas vamos com calma.

Certamente, casar-se ou juntar-se (com ou sem filhos) é um padrão, e quem "sai da curva" recebe uma cobrança dos próximos e da sociedade em geral. O fascismo italiano, por exemplo, desejoso de braços para ampliar e fortalecer a nação, instituiu um imposto sobre o celibato: "Não quer se casar? Paga multa". Alguns dirão que é natural que seja assim: o casamento serve ao interesse da espécie; para que ela continue existindo, é necessário que a gente se reproduza ou, no mínimo, adote formas de divisão do trabalho que facilitam a sobrevivência: desde "Vamos dividir o aluguel?" até "Você cuida do fogo enquanto eu luto contra o urso que insiste em querer recuperar a caverna na qual a gente se instalou".

O problema, claro, é que, às vezes, o urso mais perigoso é o outro com quem decidimos coabitar. Deve ser por isso que o celibato é, ao mesmo tempo, estigmatizado como um desvio ("E sua filha, coitadinha, encontrou alguém, enfim?") e idealizado, invejado ("Você não casou? Sorte sua, fique firme e livre.").

Diante dessa ambivalência, quem persiste no celibato vive sentimentos desagradáveis. Ele pode se sentir em falta com a família, a sociedade ou a espécie e pode também envergonhar-se por ser objeto de inveja enquanto, na realidade, sua vida não lhe parece invejável: às vezes, onde os outros enxergam liberdade, ele enxerga apenas sua incapacidade de encontrar alguém com quem compartilhar a vida e o medo de ficar sozinho para sempre.

Mas deixemos de lado as dificuldades de achar um par e a chatice de lidar com as cobranças sociais. E examinemos as razões pelas quais alguém, homem ou mulher, persiste no celibato.

Há a explicação tradicional: quem não casa se mantém fiel à sua família de origem -a menina, fiel ao pai; o menino, fiel à mãe. Ela vale em muitos casos, e note-se que é uma via de mão-dupla: frequentemente, é o desejo dos pais que mantém um filho ou uma filha no celibato, como companhia ou, quem sabe, como enfermeiros para a velhice dos genitores.

Outra explicação me foi dada por um amigo, anos atrás. Como ele não parava de descasar e casar-se com mulheres diferentes ou, mais de uma vez, com a mesma, ele me disse, para se justificar: "Não sou sádico". Como assim? Pois bem, ele achava que recusar o casamento ao outro de quem gostamos (e que gosta de nós) só pode ser uma maneira de torturá-lo com uma privação: "Amo você, mas há algo que nunca lhe darei".

Enfim, as emoções da viagem a Porto Alegre me sugeriram uma terceira explicação, que não é universal, mas é a que prefiro. Há homens e mulheres que podem persistir no celibato porque deixar saudade e fazer falta é prazeroso e certamente menos arriscado do que estar lá a cada dia. Eles pensam: "Melhor ser o parceiro com quem o outro lamenta não se ter casado do que ser o parceiro com quem ele lastima ter se juntado".

De fato, nos instantâneos que imortalizam encontros breves que parecem prometer futuros radiosos (e irrealizados), a gente é sempre mais bonito e sorridente do que nos longos reality shows das convivências conjugais.

7 comentários:

  1. Olá, Contardo! Acabei de ler um de seus livros há poucos dias (cartas a um jovem terapeuta). Eu mesma sou uma quase-jovem-terapeuta e gostei muito de encontrar seu blog. Obrigada, muito obrigada pela sinceridade que manteve nas cartas de seu livro, ainda não tinha visto respostas para perguntas que sempre quis fazer aos meus professores, mas não fazia por considerá-las idiotas.
    Uma professora de filosofia nos disse na primeira aula: "não existem perguntas idiotas", pena que me esqueci dessa verdade ao longo da faculdade, parece que ela estava certa, muito certa.
    Jac.

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  2. Muito interessante essa abordagem sobre os que não se casam. As pessoas esquecem que o que é diferente , o que não segue o caminho traçado nem sempre é por falta de capacidade mas por opção. E pronto!

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  3. Espetacular...compartilho de tão "nutritivo" que foi, no meu blog.

    LER coisas que fazem sentido, ocasiona
    Pensar;
    Refletir;
    Questionar...

    Seu texto proporcionou-me isso tudo.

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  4. É mais fácil seguir o grupo que ser dissidente. O efeito manada é mais aceitável. É muito sofrido ser diferente.

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  5. A pressão maior que eu vejo nesse caso é o condicionamento que é feito desde que nos tornamos casadoiros... muitas vezes, nem conseguimos pensar que conseguimos seguir adiante sozinhos, mesmo que essa seja a nossa opção. Eu mesma fico presa entre a opção de continuar sozinha depois de 12 anos de divorciada e "necessidade" de me casar de novo para não estar "sozinha", mesmo tendo conhecido bem o estar sozinha acompanhada.
    E, a sensação de cobrança, dos outros,gerada pela inveja da nossa liberdade de escolher entre estar ou nao casados é enorme.

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  6. Acho muito interessante o tema, mas o mais importante é ser e estar feliz, independente de estar casado ou não, ter filhos ou não,sou casada há 05 (Cinco)anos, estou casada porque sou feliz,não tenho filhos, não sei se vou ter, seguir regras impostas pela sociedade não faz o meu tipo, muitas pessoas tem filhos só porque os outros tem, mas nunca se tornam pais de verdade.

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  7. A sua terceira explicação para o celibato moderno realmente me convenceu mais. Dificilmente as pessoas têm hoje a disposição de enfrentar os dissabores que qualquer relacionamento traz no pacote. Por isso, encontros fugazes, virtuais, variados, têm tomado proporções gigantescas, mas não maior que o vácuo que habita o coração daqueles que optam pelo celibato por medo de se entregarem a um relacionamento em que se exigirá muita tolerância, humildade, mas oferecerá chances diárias de um crescimento que nenhum relacionamento descartável poderá substituir. Kênia Cristina Caxito, Psicanalista - BH/MG

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