Quanto menos nós controlamos nossa vida, tanto mais esperamos controlar nosso peso |
NA SEMANA passada, celebrando o Pessach ou a Páscoa, muitos jantaram ou almoçaram em família. Aposto que, em algum momento, diante da fartura e das guloseimas que estavam na mesa, a conversa tratou dos planos e dos esforços de cada um para manter a linha, emagrecer ou aumentar de peso (músculos, não gordura, é claro), em suma, para conseguir dar ao corpo uma forma "satisfatória".
Para essa conversa acontecer, não foi preciso que houvesse magros ou obesos ao redor da mesa. A inquietação com o peso e a forma não é efeito do estado de nosso corpo. Ela se tornou onipresente nas últimas duas ou três décadas: sua difusão coincide com o aumento dos transtornos alimentares (supostas epidemias de bulimia e anorexia), mas é, de fato, uma espécie de transtorno alimentar em si, um transtorno alimentar da conversa e do pensamento.
É citada por toda parte (sem mais precisões) uma pesquisa segundo a qual 81% das crianças (norte-americanas) de 10 anos estariam com medo de ser gordas, e 50% das meninas dessa idade declarariam estar fazendo um regime. Agradeceria aos leitores que me ajudassem a encontrar o texto original dessa pesquisa, que, segundo algumas fontes, seria do começo dos anos 90. De qualquer forma, mesmo que a dita pesquisa seja uma lenda, sua popularidade confirma um fenômeno que todos verificamos a cada dia: hoje, a forma e o peso preocupam até as crianças.
Nesta altura, seriam esperadas acusações contra nossos hábitos alimentares, contra a vida sedentária e contra os ideais impossíveis promovidos pela cultura de massa e pela indústria do regime e da forma física. Em suma, estaríamos todos pensando no peso por culpa da preguiça, do McDonald's, da Barbie e do G.I. Joe, bonecos que parecem ter sido inventados para que, desde a infância, ninguém se contente com o corpo que tem.
É com essa expectativa que li o número de fevereiro de "Counseling Today" (revista da American Counseling Association), consagrado a transtornos alimentares e imagem do corpo. Expectativa frustrada, felizmente: num longo artigo sobre a obsessão com o peso, é entrevistada uma terapeuta, Anna Viviani, que oferece uma explicação específica por nosso interesse pelo peso e pela forma com ou sem transtornos alimentares propriamente ditos.
Resumindo, ela entende assim: quando alguém sente que tudo na sua vida está fora de controle, ele sente também que os alimentos, o peso, o exercício são coisas que, em princípio, ele poderia controlar.
Tanto faz, aliás, que alguém consiga seguir um regime à risca, emagrecer ou aumentar de peso e fazer ginástica regularmente. O que importa é que as consultas, as propostas, as leituras e as conversas intermináveis sobre dieta e exercício têm um valor em si: elas mantêm viva a promessa de um controle -que é difícil, mas que é, em tese, possível.
À diferença do que acontece, em geral, com nossa vida amorosa e profissional, acreditamos (com uma certa razão) que nosso peso e nossa forma dependem de nós.
Nesse campo, podemos não fazer o necessário, mas sempre se trata de um não fazer "ainda": um dia, faremos e, quando fizermos o necessário, controlaremos nosso peso e nossa forma.
É tentador propor uma equação: quanto menos estamos em controle de nossa vida (amorosa, profissional, social e mesmo moral), tanto mais nos preocupamos com peso e forma, que, bem ou mal, podem ser controlados.
Numa direção parecida, na mesma matéria, outra terapeuta, Erica Ritzu, resume assim a fala de um paciente com transtornos alimentares: "Se você não me escuta e não deixa nunca que minha opinião conte, posso ao menos escolher não comer nada".
De repente, a greve de fome dos presos políticos pode ser um modelo para entender o que acontece nos transtornos alimentares e em nossa preocupação com peso e forma.
Certo, na greve de fome, os presos põem a vida em risco para promover uma causa (a sua própria ou outra). Mas eles também exercem, heroicamente, o que lhes sobra de liberdade; eles não são escutados, estão encarcerados, não podem nada, mas há algo que eles controlam: sua própria ingestão de alimentos. É o que sugere Anna Viviani, ao interpretar nossa obsessão com regime e exercício: quem não controla nada, pode, como último recurso, controlar sua alimentação, seu peso e sua forma.
Bom, só resta admitir que não controlamos nada, como os presos.
Olá, Contardo!
ResponderExcluirSeu blog e texto são ótimos!! Adorei!! ^^
Suas observações são muito atuais e contundentes!!
Gostaria que me seguisse aqui e comentasse em meu blog: www.riot-vicious.blogspot.com
Já estou te seguindo!!
Beijos e tudo de bom,
Mari.
te adoro contardo. sou irmã da Clary Khalifeh. estou no face, escritora, amante de muitas artes, epecialmente da psicanálise. heddy dayan. heddyd@hotmail.com
ResponderExcluirLeitores das seleções dos textos de Calligaris,
ResponderExcluirse faz necessário conhecer a História da Igreja Católica Apostólica Romana.
Saber de sua Doutrina.
De sua Filosofia.
Sua Meta.
Seu Objetivo Final.
"Amai-vos uns aos outros, como EU vos amei".
"As portas do Inferno não prevalecerão contra ela".
Que "pintem e bordem"!
Se, sobrar só 1 Cristão Católico, tudo terá valido a pena.
Deus É!
Maggy de Matos, vc se sente especial demais.
ResponderExcluirQual parte da história vc está falando? A estorinha de contradições disfarçados de valores, ou a HISTÓRIA de crueldades,mortes, e escândalos? A doutrina/ meta/ objetivo final/ e outras falácias se referem a isso? Impor interesses acima de todos valores morais? Filosofia? Que filosofia??
Um ser humano que ignora e tampouco se importa com o destino de outros seres humanos condenados por uma instituição vil e bizarra? Espero que vc seja a única cristã católica. Pq seres humanos nesse sentido não são mesmo desejáveis.
~
Impressionante a capacidade das pessoas de relegar suas decisões a algo maior, na esperança de se isentar de responsabilidades. A capacidade de subestimar a si mesmo. E a de acreditar que, quanto mais escândalos acontecerem, mas sua fé será provada. Mania de sofrer pra sentir dignidade.
posso concluir:
ResponderExcluir1) nao controlamos nada e existe um grande plano para tudo.
2) nao controlamos nada e tudo é por ação e reação.
mesmo uma greve de fome, ou a vida de um asceta tem seu limite, e este limite é a mente sobre o corpo. Se vc consegue controlar seu interno, é o início do controle externo tbm, como toda ação vem de um modelo para o real, o regime pode e deve ser um treinamento (modelo) para uma ação que nada mais é que tentar controlar o ambiente para que qualquer solução, damais simples conversa de bar à conversa com um paciente não a melhor solução.
a máxima "mente sana in corpore sano" (sic) é válida, mesmo que o individuo não tenha conhecimento.
sory, cortou um pedaço.
ResponderExcluircom um paciente, não teremos a solução mais rápida ou qualquer outro adjetivo, mas sim a melhor solução.
desculpem-me
Creio que meu filho ficava sem comer para demonstrar o seu poder. Eu andei lendo sobre isso e descobri que a pior coisa que se pode fazer nesse caso é impor a comida. Então eu o deixo completamente à vontade e ele come todas as baboseiras que quiser. Dessa forma ele vem melhorando e parando de fazer "greve" de certos alimentos.
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