O torcedor pensa e grita algo que não tem nada a ver com o que ele pensa quando está sozinho |
Pela minha história, sinto-me parte de várias nações e, na Copa do Mundo, torço por todas elas. Quando se enfrentam duas seleções com as quais me identifico, sou privilegiado: seja qual for o desfecho, um de meus times preferidos ganhará.
Embora tenha uma verdadeira repugnância por qualquer forma de nacionalismo, a torcida da Copa do mundo é a única à qual consigo me juntar. É porque, na Copa, os torcedores vibram, festejam ou se desesperam sem transformar os adversários em objetos de ódio e desprezo.
Exemplo. No jogo de domingo entre Brasil e Costa do Marfim, o time africano pegou pesado, a ponto de me inspirar uma certa antipatia. Também, por ufanismo continental, o público sul-africano torceu pela Costa do Marfim e aplaudiu a expulsão de Kaká, cuja única culpa foi de se irritar e manifestar sua irritação.
Pois bem, ninguém, nem o exuberante pessoal na sacada do prédio em frente do meu, gritou impropérios contra o time da Costa do Marfim e ainda menos contra seu povo. Tampouco ouvi insultos contra o público sul-africano.
Na hora da expulsão de Kaká, ecoou, isso sim, um único berro que expressava uma forte dúvida sobre a honra e o recato da mãe do árbitro. Mas aí, também, ninguém é de ferro (estou brincando).
Por que é possível torcer na Copa do Mundo sem ser devorado pela irracionalidade que afeta as torcidas organizadas de nossos clubes?
A Copa acontece só a cada quatro anos, ou seja, as rivalidades são esporádicas, não se cristalizam. Além disso, os adversários da Copa são variados, distantes e diferentes de nós, enquanto, em geral, os humanos gostam de odiar seus vizinhos.
Justamente, quando existe uma rivalidade estabelecida entre duas seleções nacionais, é entre países próximos, com similitude de destino, como Brasil e Argentina.
Mas mesmo esse tipo de rivalidade "tradicional" não se compara com o ódio que opõe as torcidas de clubes da mesma cidade e do mesmo Estado. Essas torcidas são vítimas dos piores efeitos do grupo sobre o pensamento e os critérios morais do indivíduo.
O que é efeito de grupo? Exemplo: UM jovem playboy entediado não colocaria fogo num índio que dorme num abrigo de ônibus. QUATRO playboys entediados são capazes disso; é possível, aliás, que os quatro se reúnam justamente para, juntos, autorizar-se a fazer algo que, separados, eles nunca fariam.
Vamos agora a um jogo entre São Paulo e Corinthians (ou qualquer dupla de rivais da mesma cidade).
O torcedor corintiano, que está do meu lado, bem antes que a bola role, já roga pragas à torcida do São Paulo, que são "a bicharada" ou "os bambis". Nosso corintiano, uma vez extraído de sua torcida, não imagina, obviamente, que todos os são-paulinos, jogadores e torcedores, sejam "viados".
Tem mais: na grande maioria dos casos, na sua vida "real", fora do estádio, ele tampouco pensa que a opção sexual de alguém possa servir de insulto, ou seja, ele não acredita que os são-paulinos sejam bichas e não acredita que "bicha" seja um insulto.
Meu amigo torcedor, aliás, poderia ser ele mesmo homossexual; tanto faz, não por isso ele deixaria de gritar "bicha-raaaada". O mesmo vale para um são-paulino e seus gritos contra a torcida corintiana.
Resumindo, por fazer parte da torcida e para se integrar nela, o torcedor diz ou grita algo que não tem nada a ver com o que ele pensa quando pensa sozinho (que, cá entre nós, é o único jeito de pensar).
Por isso, só consigo torcer na Copa, e para quatro nações. Isso sem contar os times pelos quais me apaixono "só" porque jogam bem.
Começo hoje meu Twitter: ccalligaris, com o "s" final que falta no meu e-mail, www.twitter.com/ccalligaris. Postarei minirelatos de eventos do cotidiano, reflexões (minhas ou lidas, ouvidas e citadas), fotografias, indicações de filmes, peças, livros, exposições (e, por que não, restaurantes, pratos e vinhos). Haverá avisos de atividades (palestras etc.) e crônicas de minhas viagens.
Em outras palavras, será um microdiário -com um pouco de sorte, um novo estilo; de qualquer forma, uma nova experiência. Como se diz, todos estão convidados.
ccalligari@uol.com.br
Penso q esse impulso q move gangues e torcedores de times de futebol a se unirem no ódio, no fundo é o mesmo q nos move a enviar donativos p os sobreviventes de gds tragédias lá na Ásia ou participar como voluntários na entidade assistencial do bairro - queremos fazer parte pq instintivamente sabemos q somos parte, q somos esse todo, e então buscamos concretizar essa percepção. A única diferença, p mim, está na direção q se dá a esse impulso primário, q em sua raíz, não é bom nem mau.
ResponderExcluirNão viu insultos aos africanos? Que mundo maravilhoso esse que vc vive hein!
ResponderExcluirBrilhante análise! Sempre acompanhei esse colunista na Folha.
ResponderExcluirO indivíduo sozinho é um ser moral, mas quando se junto ao seu grupo fica irreconhecível, se tranforma numa puta capaz de atrocidades terríveis.
Esta é a razão porque muitos país não reconhecem a imagem de seus filhos que são "pintadas" por professores nas escolas. Quando chamados na escola eles dizem: "não, esse não é o meu filho". Claro sozinho em casa é uma coisa, em sala de aula entre os amigos se tranforma.
Izaias Freire
Anônimo:
ResponderExcluirEnquanto o Calligaris abordou, brilhante e objetivamente, diga-se de passagem, o "comportamento de manada", eu opinei sobre o q considero ser a raíz de tal comportamento, ou seja, apenas uma visão complementar, não contraditória.
O "bom ou mau" comportamento, se quiser chamar assim, fica por conta do direcionamento, como arrematei no fim do meu comment.
Bj
O foda é que muitas vezes a "manada" já está dentro de cada um, o que faz com que pessoas como o Izaias aí acima diga que uma puta é alguém capaz de atrocidades terríveis. Pra mim, atrocidade terrível é aquilo que obriga uma mulher a virar prostituta.
ResponderExcluirÉ bom "pensar sozinho" antes de abrir a boca e compartilhar esses pensamentos com o mundo..
Que bom que podemos segui-lo agora diariamente pelo Twitter. Gosto muito da sua capacidade de falar de nossos sentimentos e ações de uma maneira leve.
ResponderExcluirEm tempo, li O Conto do Amor e no final do ano passado tive a oportunidade de visitar cada cantinho mencionado no seu livro. Muito grata pela experiência, mágica por sinal. Quis colocar, por um momento, meus pés na pegada de Antonini.
Abraços!
Laura
Eu não acredito que demorei tanto tempo pra descobrir que vc tem um blog! Amei.
ResponderExcluirÓbvio que virei sua seguidora.
Ficaria muito feliz se vc desse uma olhada no meu blog:
http://peacecologia.blogspot.com
Adoro suas palavras!
Beijos,
Loren.
Cara, esse texto caiu numa prova de concurso que eu fiz, e vc deve ser corinthiano (ou não) ?, Pelo exemplo infeliz.
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