12 janeiro 2012

Agir para fazer bonito






Não agimos segundo princípios, mas para fazer bonito e para evitar punições. É decadência?

Os psicólogos desconfiam um pouco da expressão "força de vontade", à qual todo mundo recorre (sobretudo para denunciar as fraquezas -as nossas e as dos outros), mas sem que a gente saiba direito o que ela designa.

Por isso, estou lendo "Willpower, Rediscovering the Greatest Human Strength" (a força de vontade, redescobrindo a maior força humana), de R. Baumeister (um psicólogo que aprecio) e J. Tierney (jornalista do "New York Times"), ed. Penguin. O livro (p. 152) me fez conhecer o site www.stickK.com (que foi criado, aliás, para servir de amostra para pesquisas).

No site, o usuário se engaja contratualmente a cumprir um plano que implique um engajamento sério, se não uma reorientação de vida -desde o trivial, como emagrecer ou parar de roer as unhas, até metas, aspirações, desejos e ambições que justificam uma existência, passando por aquelas experiências irrenunciáveis que alguém quer ter ao menos uma vez, antes de morrer.

Ao escolher sua resolução, o usuário é convidado a nomear um árbitro: alguém que lhe seja próximo, que não seja um cúmplice qualquer e que possa, portanto, confirmar honestamente os progressos que o usuário declarará conseguir, no diário de seus esforços, que será acessível no site.

Além do árbitro, o usuário é também encorajado a escolher um número indefinido de amigos, que serão informados de seu propósito inicial e de seus avanços ou fracassos (eles terão acesso ao diário e aos comentários do árbitro).

Na hora em que ele declara seu propósito, o usuário também estabelece uma punição para si mesmo, caso ele fracasse.

Essa punição pode ser moral (um e-mail contando a história do malogro para uma lista de amigos e conhecidos) e/ou financeira -por exemplo, uma doação para a instituição que o usuário mais deteste (imaginemos que você pertença a uma igreja que é ferozmente contra a ideia do casamento gay e que você não consiga, sei lá, estudar seis horas por dia; pois bem, você passara a contribuir ao Grupo Gay da Bahia, de acordo com suas possibilidades financeiras).

A análise de 125.000 contratos feitos nos últimos três anos indica que os usuários que não nomearam um árbitro ou não se impuseram punições financeiras chegaram a um resultado positivo só em 35% dos casos. E a porcentagem de sucessos foi de 80% quando houve árbitro, amigos e punição financeira.

Existem experiências similares. Nas Filipinas, houve fumantes que depositavam a cada dia um dinheiro que eles perderiam se, depois de seis meses, houvesse rastos de nicotina em sua urina (o cigarro é poderoso: mais da metade perdeu seu depósito -em compensação, os que conseguiram pararam de fumar de vez). E houve a "Dieta da Humilhação Pública" de Drew Magary, que se engajou a tuitar seu peso a cada dia e conseguiu assim perder 30 quilos em cinco meses.

À primeira vista, em suma, não agimos segundo o que achamos certo, por "força de vontade", mas para evitar punições e vergonhas. Ou seja, não somos nunca verdadeira e corajosamente bons, apenas queremos fazer bonito e não perder dinheiro (ainda menos em prol de nossos inimigos).

Haverá moralistas para dizer que a sociedade contemporânea nos transforma nesses invertebrados morais -sem princípios, apenas interessados na opinião dos outros e em nosso interesse imediato. Mas, nos exemplos de Baumeister e Tierney, eu não vejo um sinal de decadência moral -ao contrário.

Claro, como muitos, eu mesmo acharia mais fácil ser dotado de um caroço moral, do qual eu pudesse dizer: "Este sou eu, quer os outros me reconheçam ou não, e tanto faz que eu seja recompensado ou punido por isso".

Mas não é o caso de sermos nostálgicos: nas sociedades tradicionais (presentes, passadas ou futuras), menos ainda do que hoje, os cidadãos tampouco dispõem de um caroço moral. Eles agem por medo da punição -agora ou no além. E eles agem por vergonha, diante de grupos instituídos de anciões, padres, pastores ou notáveis.

No conjunto, quanto à punição, eu prefiro arriscar o que eu mesmo apostei ao assinar meus contratos. E, quanto à vergonha, prefiro que seja diante dos pares com quem eu me engajei, ou então, diante da sociedade inteira.

Ou seja, sem ironia, como penso há tempos, nossa época é mais de progresso do que de decadência moral.

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