Três semanas atrás, em São Paulo, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, Sasha Grey lançou a edição brasileira de seu romance, "Juliette Society" (Leya). A fila do autógrafo (e da foto-souvenir que acabaria no Face ou no Instagram) se estendia pela calçada da alameda Santos.
Grey, 25, ganhou vários prêmios anuais da indústria pornográfica (melhor protagonista feminina, melhor sexo oral, melhor sexo a três).
Em 2009, ela foi a protagonista de um filme de Steven Soderbergh, "Confissões de uma Garota de Programa". Em 2011, ela anunciou sua saída da pornografia. Hoje, ela reinventa sua carreira na moda, no cinema e na ficção, sem arrependimento ou vergonha de seu passado.
A ideia inicial do romance de Grey (um clube sexual dos poderosos, a "Juliette Society") é um pouco batida (está em "História de O", de Pauline Réage, em "De Olhos Bem Fechados", de Stanley Kubrick, e, antes disso, na obra do Marquês de Sade, que Grey cita e conhece). Mas, fora isso, o ritmo é rápido, e o texto é peculiar por ser, ao mesmo tempo, pop e culto.
No começo do livro, Grey explica o nome da Juliette Society evocando as duas heroínas de Sade: Justine, que sofre todas as indignidades e os infortúnios possíveis por causa de sua virtude e ingenuidade, e Juliette, que, ao contrário, prospera no vício. Grey, certamente, é uma Juliette.
Nos anos 1960, o que a gente chamava de pornografia eram revistas ou filminhos tão envergonhados e culpados quanto a masturbação de um adolescente: adquiridos laboriosamente por carta e vale postal internacional, vinham da Suécia ou da Holanda em pacotes "neutros", que as alfândegas identificavam e apreendiam.
No começo dos anos 70, três filmes mudaram essa situação, mundo ocidental afora. Mesmo nos países em que não puderam ser exibidos, eles foram comentados exaustivamente pela mídia: o gênero conquistou dignidade cultural. Os filmes eram "Garganta Profunda", com Linda Lovelace, "O Diabo na Carne de Miss Jones", com Georgina Spelvin, e "Atrás da Porta Verde", com Marilyn Chambers.
Como Grey, Georgina Spelvin e Marilyn Chambers foram Juliettes: depois de deixar a pornografia, construíram novas carreiras com orgulho de seu passado. Em compensação, Linda Lovelace, a estrela de "Garganta Profunda", deixou a pornografia como uma Justine, acusando o marido e a indústria de tê-la levado à força até à perdição.
O filme "Lovelace", de Rob Epstein, agora em cartaz, segue essa versão dos fatos, contada por Lovelace na segunda autobiografia, "Ordeal", que ela publicou em 1980, depois de encontrar feministas que faziam campanha contra a pornografia como mais uma forma de estupro da mulher vítima do desejo masculino.
Lovelace, entrevistada em 2005, declarou que ela se sentiu usada tanto pelo marido e pela indústria pornográfica quanto pelas feministas, que "só faturaram" com ela, "como todo mundo".
Questão: pornografia é opressão, como parece dizer Lovelace, ou liberação, como parecem dizer Grey, Spelvin, Chambers etc.?
Em 1976, Catherine Millet me pediu um artigo para o número especial de Art Press (nº 22), "Pour la Pornographie?". Resumindo, escrevi que só os documentos fotográficos satisfazem a maioria dos homens que gostam de pornô, pois as fotos ou os filmes funcionam como "provas" de que "ela realmente fez isso que estou vendo".
Em suma, para muitos, gostar de pornô significaria flertar com o escândalo de que as mulheres também têm desejos e fantasias sexuais. Depois de ler "Vida Sexual de Catherine M." (Ediouro), imagino que, diante do meu texto, Catherine deve ter dado uma boa risada.
Voltemos aos três filmes dos anos 1970. "Garganta Profunda" conta a história de uma mulher cujo clitóris está no fundo da garganta e que quer gozar. "O Diabo na Carne de Miss Jones" conta a história de uma mulher suicida que, barrada na porta do paraíso, pede para pecar de verdade e assim merecer o inferno -no qual a punição consistirá em conviver com um homem que não gosta de sexo.
"Atrás da Porta Verde" conta a história de uma mulher que, forçada a transar com vários parceiros e parceiras diante de um público, descobre sua própria vontade de participar da encenação.
Os três filmes apontavam numa mesma direção, crucial para a mudança dos costumes na segunda metade do século passado: não só os homens, as mulheres também fantasiam e desejam.
Então, opressão ou liberação?
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