01 outubro 2000

Balanço olímpico

O primeiro-ministro australiano, John Howard, fez três observações que me chamaram a atenção.

A primeira tenta recuperar politicamente um sucesso esportivo. Howard não é muito favorável à autonomia dos aborígines e à idéia de compensações pelos abusos passados. Ele interpretou a vitória e a popularidade de Cathy Freeman como a prova de que a comunidade australiana estaria menos dividida do que dizem.

Para entender o alcance dessa declaração, imagine que, depois da bela conquista da prata no revezamento 4 x 100 m, FHC venha e declare que o Brasil está unido e solidário, pois quatro homens correram juntos até as estrelas.

Escutando esta primeira observação de Howard, quase fico contente que a campanha do Brasil seja um meio fracasso.

A segunda declaração do premiê é mais interessante. Segundo Howard, os australianos, a começar pela crianças, não praticam esporte quanto se esperaria. Isso parece estranho, pois é cômodo considerar os resultados olímpicos como uma consequência da difusão democrática do esporte. Ou seja, se todos pudessem nadar, jogar tênis, teríamos mais campeões. Na verdade, não é bem assim. Os países socialistas no passado simultaneamente democratizaram a prática do esporte e promoveram o esporte de competição. Mas as duas coisas não vão necessariamente juntas.

Uma piscina em cada escola não é suficiente para produzir dez Gustavo Borges e, entre eles, por fatalidade estatística, um Ian Thorpe. Para produzir atletas ainda é preciso um incentivo econômico, técnico e popular.

Aqui a coisa complica. Todos queremos uma piscina em cada escola. Mas não concordaríamos com a idéia de que seja também uma prioridade incentivar o esporte de competição para ganhar mais medalhas. Há coisas mais urgentes, você dirá com razão.

Mas considere o seguinte. Por que um grupo de fiéis se cotiza para construir uma igreja, quando cada um deles mal consegue pagar as contas do mês? É que, sem igreja, eles não constituiriam uma comunidade e cada um deles seria ainda mais derrelito no mundo. Por que organizar exposições e subvencionar as artes quando há famílias passando fome? Por que erigir monumentos quando ainda faltam casas? É que, sem tudo isso, os sem-teto ficariam também sem história, sem cultura e sem Brasil. A mesma lógica vale provavelmente para o esporte de competição.

Justamente, Howard -foi sua terceira observação- disse que os Jogos estavam sendo psicologicamente ótimos para a Austrália. Pois é, não gostaríamos de poder dizer o mesmo para o Brasil?

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