17 maio 2001

Pena de morte

Na quinta-feira passada, comentando o crime de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, evoquei figuras de criminosos repugnantes.

Alguns leitores observaram (com razão) que, de qualquer forma, as explicações sociológicas ou psicológicas não valem como desculpas. E perguntaram: "Você é contra ou a favor da pena de morte?". Uma leitora foi mais específica: "Como psicanalista, o que você pensa sobre a pena de morte?".

Imagine que um deus, um poder absoluto ou um texto sagrado declarem que quem roubar ou assaltar será enforcado (ou terá a mão cortada). Nesse caso, puxar a corda, afiar a faca ou assistir à execução seria simples, pois a responsabilidade moral do veredicto não estaria conosco. Nas sociedades tradicionais, em que a punição é decidida por uma autoridade superior a todos, as execuções podem ser públicas: a coletividade festeja o soberano que se encarregou da justiça -que alívio!

A coisa é mais complicada na modernidade, em que os cidadãos comuns (como você e eu) são a fonte de toda a autoridade jurídica e moral. Hoje, no mundo ocidental, se alguém é executado, o braço que mata é, em última instância, o dos cidadãos -o nosso. Mesmo que o condenado seja indiscutivelmente culpado, pairam mil dúvidas. Matar um condenado à morte não é mais uma festa, pois é difícil celebrar o triunfo de uma moral que é tecida de perplexidades. As execuções acontecem em lugares fechados, diante de poucas testemunhas: há uma espécie de vergonha. Essa discrição é apresentada como um progresso: os povos civilizados não executam seus condenados nas praças. Mas o dito progresso é, de fato, um corolário da incerteza ética de nossa cultura.

Para entender melhor essa transformação moral, considere, na tradição cristã, a passagem do Antigo para o Novo Testamento. A lei bíblica de talião (olho por olho, dente por dente) é exemplar de uma sociedade tradicional: a autoridade de um texto codifica a retaliação como punição adequada. Do talião passamos à recomendação de Cristo: "Quem estiver sem pecado jogue a primeira pedra". Agora devemos achar em nós mesmos a autoridade moral para julgar.
Às vezes, para evitar essa responsabilidade impossível, preferimos pensar que todos os criminosos sejam vítimas das circunstâncias ou de seus genes -portanto irresponsáveis. Convencidos de carregar em nós mesmos os germes de qualquer depravação, não ousamos mais punir. Caímos numa abstinência moral.

Uma versão laica (e psicanalítica) da recomendação do Evangelho diria assim: só podemos punir de maneira radical se, punindo, não estivermos reprimindo nos outros algo que queremos de fato reprimir em nós. Explico.

Freud descobriu que, cada vez que somos levados a desistir de alguma satisfação, a raiva de ter que renunciar se transforma em vontade de policiar e de reprimir os outros. A obediência às regras da comunidade nos pesa: consolamo-nos e vingamo-nos punindo os infratores. Ou seja, quanto mais somos reprimidos, tanto mais nos tornamos repressores. Por exemplo, já queimamos ou degredamos homossexuais e sodomitas como medida de proteção contra nossos próprios desejos homoeróticos, que julgávamos perigosos para a constituição de "saudáveis" comunidades cristãs.

Em suma, reprimimos em nós desejos e fantasias cuja atuação nos parece ameaçar o convívio social. Logo, frustrados, zelamos pela prisão daqueles que não se impõem as mesmas renúncias. Até aqui, tudo bem: reprimir é mesmo parecido com prender -a vida social pede que confinemos desejos e pessoas.

Mas a coisa muda quando a pena é radical, pois há o risco de que a morte do culpado sirva para nos dar a ilusão de liquidar, com ele, o que há de pior em nós. Nesse caso, a execução do condenado é usada para limpar nossa alma. É como se, por exemplo, querendo coibir suas vontades masturbatórias, em vez de enclausurar seus pensamentos impuros, um sujeito se automutilasse.

Assim, no século 19, houve médicos que, para reprimir (em sua cabeça, naturalmente) o escândalo de que houvesse um desejo sexual feminino, passaram a cauterizar o clitóris das meninas com ferro incandescente.

Nas cadeias brasileiras, os estupradores são executados pelos outros presos.

Por mais que essa regra seja explicada pela necessidade de proteger as mulheres dos presos que ficaram sozinhas "lá fora", é difícil não suspeitar que, nessa prática, os presos queiram sobretudo liquidar seu próprio desejo de estuprar (ou de serem estuprados) na cadeia. Em geral, a justiça sumária é isso: uma pressa em suprimir desejos inconfessáveis de quem faz justiça.

A resposta à leitora, então, é que, como psicanalista, apenas gostaria que a morte dos culpados não servisse para exorcizar nossas piores fantasias -isso sobretudo porque o exorcismo seria ilusório.

Contudo é possível que haja crimes hediondos nos quais não reconhecemos nada de nossos desejos reprimidos. Quando esse fosse o caso, por que a pena não seria a morte? Pois é, o caminho está cheio de pedras, quem achar isso mesmo que se sirva...

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