Cada vez que escrevo sobre relações conjugais, recebo alguns e-mails perguntando-me: "Afinal, qual é a sua? Será que você quer que as pessoas fiquem casadas, sacrificando sua autonomia e sua singularidade? Deveríamos renunciar a nós mesmos para continuarmos juntos?". Certo que não. Conheço a tristeza das relações falidas que continuam por inércia. Não quero (nem poderia) promover a volta a uma primazia da instituição do casamento sobre e contra os amores e os humores dos indivíduos.
Mas meus correspondentes têm razão: quase sempre me parece que vale a pena fazer o esforço de colar os cacos de uma relação em crise. Ou, no mínimo, que vale a pena tentar.
Essa atitude é uma medida preventiva, que me protege dos poderes de um lugar-comum: muitas ideologias terapêuticas contemporâneas idealizam as separações (não só de casais) como se fossem sempre provas de força e de saúde mental. Separar-se é bom, juntar-se é ruim. Separar-se é forte, juntar-se é fraco.
As relações ditas saudáveis seriam aquelas em que cada um poderia, sem problema, licenciar o outro -sempre mantido a uma distância prudente. Nessa ótica, respeitar o amigo, o amante, o cônjuge ou o parente significa não pretender que ele mude por causa da relação. Do mesmo jeito, respeitar a nós mesmos é não aceitar que sejamos transformados pela relação.
Paradoxo: a relação de sucesso acaba sendo definida não como aquela que descobriu um jeito de dois ou mais ficarem juntos, mas como aquela que pode quebrar tranquilamente, porque cada um ficou na sua.
Nenhuma surpresa. Nossa cultura valoriza o indivíduo. Portanto medimos a maturidade de um sujeito pela sua independência dos outros. Ou seja, nossa concepção da maturidade é botânica: "Amadureceu? Então, tem de cair do ramo". A isso acrescenta-se que, contrariamente à regra botânica, quem se separa vinga e cresce, enquanto quem fica preso murcha ou apodrece.
Tornar-se adulto significa saber renunciar ao seio e à presença da mãe, logo sair de casa e dispensar a mesada dos pais. Enfim, desejar sem concessões ou compromissos com o desejo dos outros. Aliás, o contrário da separação para nós não é a relação, mas imediatamente a fusão, em que toda individualidade será esmagada. O moto é: separe-se ou perca-se.
Nunca é bom contrariar um leitmotiv cultural. Dispomos de infinitos exemplos dos efeitos catastróficos de fusões não resolvidas entre mães e crianças, entre pais e filhos ou então entre amantes e entre cônjuges.
É claro que é melhor que a vida de um casal não seja uma sauna úmida onde todos se perdem e quase sufocam. Também é bom para as crianças que saiam do útero materno, que se afastem da mãe e, eventualmente, que deixem a casa dos pais e façam sua vida. Mas talvez não seja necessário que todo esse processo seja quase sempre descrito e apresentado como uma separação, e não como a constituição ou a invenção de laços diferentes e viáveis. Parece que, em nossa cultura, amadurecendo, todos devem aprender a separar-se, mas ninguém deve aprender a relacionar-se.
A separação como ideal subjetivo inspira nossos comportamentos em todas as relações que, por serem cruciais, parecem ameaçar nossa autonomia. Por exemplo, muitos pais queixam-se de que, ao lançar qualquer discussão, eles encontram uma recusa brutal dos filhos adolescentes. Quando o papo esquenta um pouco, os jovens saem de perto. "Fazer o quê? Amarrá-los?" Numa cultura em que o afastamento é o caminho ideal que dá acesso à maturidade, não há por que estranhar que os jovens gostem de bater as portas.
Quando uma relação está doente ou em crise, é frequente que a culpa seja atribuída à escassa autonomia dos sujeitos, e não à sua dificuldade em relacionar-se. Os problemas seriam efeitos da infantilidade dos envolvidos, os quais não seriam suficientemente independentes, pediriam demais, contariam demais com o outro etc.
Nessa linha, os problemas de um casal seriam resolvidos quando fossem resolvidos os problemas de seus integrantes. Mesma coisa para uma família ou para qualquer outra relação em crise. Há uma verdade nisso: imagine, por exemplo, que alguém seja constantemente animado pela fantasia inconsciente de produzir gritos e lágrimas na hora de sua saída. É inevitável que suas relações sejam repetidamente tempestuosas e fracassadas. E, se ele resolver seu problema, as relações nas quais ele se envolverá serão beneficiadas.
Mas as dificuldades de relacionamento não são apenas a suma das dificuldades dos parceiros que se relacionam. Nem são sempre uma consequência da falta de autonomia deles. Elas podem ser, banalmente, o efeito de uma insuficiente disponibilidade ou da incapacidade de travar amores, amizades e convívios.
Ora, minha simpatia pelos esforços para manter e conciliar relações é uma maneira de apostar que a maturidade não só seja a capacidade de tolerar as separações mas também consista em inventar uma arte de relacionar-se.
Não terminei. Continua numa próxima coluna
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