Sob o título comum "A Guerra de Classe", o "New York Times" acaba de publicar dois balanços opostos da última década e do boom econômico que está implodindo.
Paul Krugman, economista e colunista, assina o primeiro texto, publicado em 20 de outubro. Ele considera que os anos 90, por mais que tenham sido agradáveis e festivos, foram o momento conclusivo de uma transformação desastrosa para a sociedade americana. Krugman constata que, nos últimos 30 anos, o poder aquisitivo do americano médio aumentou apenas 10%. No mesmo período, o salário médio dos cem dirigentes mais generosamente remunerados evoluiu de maneira diferente. Em 1970, ele era 39 vezes o salário médio do trabalhador; em 2000, os dirigentes ganhavam mais de mil vezes o que ganhava um trabalhador.
A partir dos anos 70 e com uma aceleração brutal na última década, a economia americana produziu uma concentração de renda e um nível de desigualdade que lembram a época do capitalismo selvagem. Estamos de volta aos tempos do Grande Gatsby. No começo do século, os Vanderbilts, Morgans etc. construíam mansões que eram verdadeiros museus da extravagância. Hoje, celebram-se arquitetos especializados em construir casas de 2.000 a 6.000 metros quadrados. Qual é a diferença?
Ora, observa Krugman, entre 1930 e 1970, houve um interregno em que a América foi um país de classe média, relativamente igualitário e, sobretudo, animado por questões morais, e não só pela sede de lucros. Esse universo, no qual Krugman cresceu, surgiu após a Depressão de 1929, quando o presidente Roosevelt inspirou um pacto nacional que instituiu novas normas de justiça social na consciência americana. Essas normas resistiram por mais de três décadas. A América foi, durante esse tempo, um país nada idílico, ainda racista, capaz de todos os bigotismos, mas também constantemente preocupado com a iniquidade. Aquelas décadas foram a matriz das lutas pelos direitos civis e da contracultura dos anos 60.
Quer reconstruir esse percurso? Para evocar a América absurdamente desigual do começo do século 20, leia ou veja "O Grande Gatsby" ou "A Idade da Inocência". Logo, assista a "Wall Street" (1987) e a "American Psycho" (1991), que (deixando de lado os excessos homicidas do segundo) fornecem exemplos da personalidade ideal dos anos 90. Enfim, para ter uma imagem das melhores décadas americanas entre 1930 e os anos 70, veja ou leia "O Sol É para Todos" (romance de Harper Lee e filme de Robert Mulligan, com Gregory Peck, três Oscars em 1962).
Também acaba de ser reeditado em livro de bolso outro romance famoso: "The Man in the Grey Flannel Suit" (O Homem com o Terno de Flanela Cinzenta), de Sloan Wilson, que foi um best-seller em 1955 e deu lugar a um filme, também com Gregory Peck. É a história dos tormentos de um homem que, para conseguir um salário melhor, preenche uma função que ele mesmo não aprova e que, em suas palavras, consiste em sugerir às pessoas que comprem e consumam "até que possam explodir de felicidade".
Compare os escrúpulos do herói com o cinismo de Michael Douglas no papel de Gordon Gekko, o protagonista de "Wall Street" que promovia a moral dos anos 90, declarando: "A cobiça é uma coisa boa".
Em suma, a verdadeira crise não foi o estouro da bolha na Bolsa. A crise que importa foi moral e aconteceu enquanto se festejavam sucessos e lucros: na ganância que tomou conta de todos, a sociedade perdeu seu rumo.
O outro texto da série (publicado em 27 de outubro e menos interessante) é de Michael Lewis, escritor e ex-investidor. Lewis, simplesmente, defende os anos 90: a década trouxe transformações tecnológicas que ainda darão frutos graúdos e, sobretudo para ele, a década valeu por ser uma expressão de nossa natureza. A cobiça não é nem boa nem ruim, ela nos define.
Inevitavelmente, o leitor dos dois textos fica com uma pergunta. Será que o liberalismo só sabe promover uma ética pela qual o bem coincide com o ganho? Ou, então, o interregno caro a Krugman não foi apenas uma irregularidade, e a América, com o Ocidente liberal, poderiam viver de outros valores que não a cobiça?
A questão parece primária e abstrata, mas ela é central, hoje, no espírito dos americanos. E talvez explique por que muitos encaram sem hesitação a perspectiva de uma guerra cuja necessidade estratégica não está muito clara.
Os escândalos Enron, Tyco, Worldcom etc. revelaram a face obscena da festa dos anos 90 e a debilidade moral que espreita a vontade de lucro. A guerra, ao contrário, é apresentada, entendida e vivida não como um conflito de interesses materiais, mas como uma luta entre culturas inconciliáveis. Ela aparece, portanto, como demonstração de que a América, apesar da cobiça dos anos 90, ainda tem valores para promover e defender. A guerra, em suma, é aceita porque parece ser um comportamento moral, uma maneira de se reabilitar depois dos excessos materialistas dos anos 90: quem luta e arrisca a vida para defender sua cultura não pode ser igual a Gordon Gekko.
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