26 dezembro 2005

O fim do ano e o medo de perder

O ano acaba. A mudança de data traz consigo uma esperança de renovação: é um momento em que pensamos em nossos projetos -para o ano que vem e também em geral, para o futuro, a longo prazo.

É engraçado. Muitas vezes, acho que o futuro nos preocupa demais, a ponto de nos impedir de saborear o presente. Mas, por outro lado (e paradoxalmente), parece-me que nossos projetos são quase sempre modestos, inibidos, sem ousadia, como se não nos permitíssemos sonhar e correr atrás de nossos sonhos.

Os adolescentes, por exemplo, são constantemente convidados a sacrificar seu presente e a preparar-se para as exigências do futuro ("não saia, pare de vagabundear e sente-se para estudar"). Ao mesmo tempo, na maioria dos casos, o futuro com o qual eles sonham (e que deveria funcionar como seu pensamento dominante) é curiosamente razoável, "sossegado", mas mediano, se não medíocre.

Claro, os pais adotam, de fato, em relação aos filhos, uma espécie de moral estóica: quem desejar menos não será, talvez, mais feliz, mas será sem dúvida menos infeliz em caso de fracasso e de frustração. Queremos tanto o bem de nossos rebentos que acabamos cortando suas asas: "sonha bem quem sonha pouco".

Mas essa explicação não basta: não só os jovens parecem sonhar à surdina. A gente também. Por que será que, quando sonhamos e projetamos o futuro, somos facilmente medrosos?

Em 2002, surpreendentemente, um psicólogo ganhou o prêmio Nobel de Economia: Daniel Kahneman. Todos os seus trabalhos (muitos dos quais escritos com Amos Tversky, que morreu em 1996 e, portanto, não pôde ser premiado junto com seu colega) questionam um pressuposto da teoria econômica (hoje quase defunto), segundo o qual o sujeito da economia (ou seja, nós, quando tomamos decisões econômicas) seguiria princípios racionais, escolhendo o que é mais útil e mais proveitoso.

A teoria que tornou Kahneman e Tversky famosos se chama "Prospect Theory", teoria do prospecto, ou seja, teoria de como a gente avalia as expectativas futuras, no momento de decidir. Eles escreveram dois textos cruciais sobre o assunto, um em 1979 e outro em 1992 (disponíveis ambos on-line no endereço http://prospect-theory.behaviouralfinance.net/).

A "Prospect Theory"" mostra o seguinte: na hora de correr um risco ou de evitá-lo, nossa decisão não é guiada apenas pela consideração das chances efetivas de sucesso ou fracasso, mas outros fatores menos "racionais" (em particular, o medo de perder) tornam-se determinantes.

Escolho uma das experiências realizadas por Kahneman. Note-se que o valor em jogo (digamos, R$ 1.000) corresponde a um terço da renda média do grupo social de onde vêm os entrevistados (as experiências foram realizadas na Suécia e repetidas e confirmadas nos EUA). No começo da experiência, supõe-se que o sujeito tenha recebido, de presente, um dinheiro; dessa forma, as perdas eventuais não mudariam perigosamente sua condição financeira.

Então, você já recebeu R$ 1.000. Agora, você deve escolher entre A) receber R$ 500 certos e B) correr um risco pelo qual há 50% de chances de você ganhar R$ 1.000 e 50% de chances de você não ganhar nada. A grande maioria dos entrevistados (84%) escolhe ficar com os 500 certos e evita o risco de não ganhar nada na esperança de ganhar mais.

Situação inversa. Você recebeu, de presente, R$ 2.000. Agora, você deve escolher entre A) perder 500 inevitavelmente e B) correr um risco pelo qual há 50% de chances de você perder R$ 1.000 e 50% de chances de você não perder nada e ficar com todos os seus 2.000. Aqui uma boa maioria dos entrevistados (69%) prefere correr o risco de perder mais, na esperança, obviamente, de não perder nada. Só 31% optam pela perda inevitável de R$ 500.

Conclusão: quando se trata de ganhar, nossa aversão ao risco é muito maior do que quando se trata de perder. Em outras palavras, não é para ganhar, mas para não perder que estamos dispostos a mais sacrifícios. Para não perder, estamos até prontos a correr o risco de perder mais ainda.

De fato, muitos jogadores conseguem deixar a mesa quando estão ganhando, contentando-se com o dinheiro que levarão para casa, mas são poucos os jogadores que conseguem parar de jogar quando estão perdendo. Em regra, o jogador não se resigna às perdas e segue apostando e acreditando numa mudança da sorte, até esgotar sua conta e seu crédito. Outro exemplo é o do investidor que se agarra a ações que declinam ruinosamente e prefere esperar um milagre a vender e limitar seu desastre.

Ora, a descoberta de Kahneman e Tversky se aplica fora do âmbito estreitamente econômico: na hora de arriscar, o que fala mais alto é o medo de perder. Quando limitamos medrosamente nossos sonhos, o que vale não é tanto a vontade de torná-los mais razoáveis e realizáveis, mas o medo de abandonar o conforto resignado do status quo.

Os psicanalistas dizem a mesma coisa, em termos apenas diferentes: não há desejo sem perdas, e quem não aceita perder se impede de desejar.

Enfim, meus votos para todos: um Ano Novo sem medo de perder.

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