16 novembro 2006

Psicopatas bem ou malsucedidos


As pesquisas sobre motivação são biquínis: mostram muita coisa, mas não o essencial
ADMITIMOS SEM hesitar que o mundo é composto de moléculas, átomos, células etc., mas isso não altera nossa percepção da realidade. Estou num bar, vejo e toco a cadeira e a mesa, converso com o garçom; mesmo se eu fosse professor de física ou biologia, não me pareceria estar lidando com aglomerados instáveis de partículas.

Na nossa percepção da subjetividade humana, acontece uma coisa análoga. Posso saber que minhas escolhas são o efeito de meus genes, de meu passado, da forma e da quantidade de minha matéria cerebral, mas nada disso altera o sentimento fundamental de que estou agindo livremente. Isso vale também para os outros: reconheço tudo o que os determina, mas lhes atribuo a mesma liberdade com a qual imagino agir.

Nunca encontrei um drogado, alcoólatra ou fumante que não declarasse poder parar quando quisesse.

E nunca encontrei um familiar ou próximo de drogado, alcoólatra ou fumante que não pensasse, em última instância, que o "viciado", para deixar seu "vício", precisaria sobretudo de boa vontade.

Essa diferença entre nosso saber e nossa percepção (de nós mesmos e dos outros) alimenta um paradoxo, que é provavelmente salutar: pedimos que a ciência transforme o mistério das motivações humanas num cálculo exato, mas acreditamos na responsabilidade, na culpa e na possibilidade de redenção (idéias que pressupõem a liberdade do sujeito).

Quem tem razão: nossa percepção ou nossa ciência?

Seja como for, meu professor de estatística na Universidade de Milão começava seu curso de primeiro ano com esta declaração (um pouco machista): "A estatística", ele dizia, "é como um biquíni: ela mostra muita coisa, mas esconde o essencial". Pois é, as pesquisas científicas sobre a motivação humana são quase sempre biquínis, e não só porque os resultados têm valor estatístico.

Eis um exemplo. Desde 1990, graças a uma pesquisa desenvolvida por Antônio Damásio, presume-se que exista uma relação entre o comportamento anti-social do psicopata e alguma redução do córtex pré-frontal. Damásio verificou essa correspondência em sujeitos que se tornaram impulsivos e violentos depois de um acidente.

A seguir, uma série de pesquisas mostrou que essa correlação vale especificamente para a matéria cinza, cuja redução seria responsável pela falta de inibições, já identificada como uma caraterística clássica dos psicopatas.

Recentemente, a revista "Biological Psychiatry" (2005, vol. 57) publicou uma pesquisa de Yang, Raine e outros, "Volume Reduction in Prefrontal Gray Matter in Unsuccessful Criminal Psychopaths" (redução de volume na matéria cinza pré-frontal em psicopatas criminosos fracassados). Esse título curioso se justifica porque os autores, por uma vez, tiveram a idéia de comparar três grupos: um grupo de controle (cidadãos comuns e pacíficos que nem a gente), criminosos aprisionados (que seriam, portanto, psicopatas fracassados, visto que se deixaram prender) e criminosos que nunca foram presos (aqui, obviamente, reunir o grupo foi difícil).

É uma novidade notável: em regra, nas pesquisas sobre a mente criminosa, os pesquisadores recrutam seus sujeitos nas prisões, sem levar em conta dois fatores. O primeiro é uma antiga constatação da psicologia social: o próprio ambiente carcerário transforma os sujeitos. O segundo (salientado pelos autores da nova pesquisa) é que talvez exista uma diferença psíquica e cerebral entre os psicopatas que se deixam pegar - ou seja, como sugerem os autores, os criminosos fracassados - e os bem-sucedidos, que conseguem perpetrar seus crimes em toda liberdade.
Pois bem, o resultado da pesquisa é o seguinte: nos criminosos fracassados (aprisionados), há, de fato, uma redução do volume da matéria cinza pré-frontal, enquanto os psicopatas bem-sucedidos (que evitam a prisão) têm um córtex parecido com o nosso.

Moral da história: a redução de matéria cinza no córtex não nos diz quem é psicopata e quem não é; ela nos indica apenas quem é impulsivo e, portanto, se for criminoso, tenderá a agir de maneira a ser preso. Note-se, de passagem, que, normalmente, os psicopatas criminosos de colarinho branco são menos impulsivos que os assaltantes de farol; é bem possível, aliás, que haja mais psicopatas fora da cadeia do que dentro.

Enfim, uma recomendação: de qualquer forma, se você for psicopata e criminoso, fique frio.

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