08 fevereiro 2007

O futuro da humanidade

O aquecimento global revela que a ação coletiva é difícil em nossa cultura

A ONU criou um órgão para determinar se está (ou não) acontecendo uma mudança climática global e, se esse for o caso, para explicar sua origem e propor um curso de ação. Na semana passada, esse órgão divulgou um relatório.

Tudo indica que há um aquecimento progressivo do planeta e que esse fenômeno é causado pelo homem. Nossos filhos e netos já conhecerão seus efeitos devastadores: a subida do nível do mar ameaçará nossas costas, e o desequilíbrio climático comprometerá os recursos básicos -em muitos lugares, faltará água e faltará comida.

Esse futuro, próximo e sinistro, não é inevitável: existem ações que podem estancar ou reverter o processo. Mas o acordo internacional e os atos são tímidos, se não nulos.
Claro, podemos nos indignar com os interesses nacionais e particulares que se esquecem da catástrofe que nos espreita para defender o lucro imediato. Mas a encruzilhada atual revela, antes de mais nada, um impasse fundamental da cultura dominante.

Primeiro, um aparte. Nossa espécie se distingue das outras porque se organiza numa grande variedade de culturas (nossos hábitos não são apenas o resultado de uma programação biológica). Essa plasticidade talvez seja a razão da duração e da expansão de nossa espécie. A cultura ocidental, hoje dominante, é particularmente plástica (apta a se transformar). Mesmo assim, é possível que, desta vez, ela não consiga se adaptar de modo a permitir a sobrevivência da espécie. Talvez a fórmula cultural que fez nosso "sucesso" até aqui seja, amanhã, a razão de nosso sumiço. Como assim?

Os humanos (sobretudo na modernidade) prosperaram num projeto de exploração e domínio da natureza cujo custo é hoje cobrado. Para corrigir esse projeto, atenuar suas conseqüências e sobreviver, deveríamos agir coletivamente. Ora, acontece que nossa espécie parece incapaz de ações coletivas. À primeira vista, isso é paradoxal.

Progressivamente, ao longo dos séculos, chegamos a perceber qualquer homem como semelhante, por diferente de nós que ele seja. Infelizmente, reconhecer a espécie como grupo ao qual pertencemos (sentir solidariedade com todos os humanos) não implica que sejamos capazes de uma ação coletiva.

Na base de nossa cultura está a idéia de que nosso destino individual é mais importante do que o destino dos grupos dos quais fazemos parte. Nosso individualismo, aliás, é a condição de nossa solidariedade: os outros são nossos semelhantes porque conseguimos enxergá-los como indivíduos, deixando de lado as diferenças entre os grupos aos quais cada um pertence. Provavelmente, trata-se de uma conseqüência do fundo cristão da cultura ocidental moderna: somos todos irmãos, mas a salvação (que é o que importa) decide-se um por um. Em suma, agir contra o interesse do indivíduo, mesmo que para o interesse do grupo, não é do nosso feitio.
Resumo do problema: hoje, nossa espécie precisa agir coletivamente, mas a própria cultura que, até agora, sustentou seu caminho torna esse tipo de ação difícil ou impossível.
Não sou totalmente pessimista.

Talvez nosso impasse atual seja a ocasião de uma renovação. Talvez saibamos inventar uma cultura que permita a ação coletiva da comunidade dos humanos que habitam o planeta Terra. Estou sonhando? Nem tanto.

Afinal, há bastante tempo, nossa cultura inventa histórias que nos instigam a agir em nome e no interesse da espécie. Centenas de romances e filmes (bons ou ruins, tanto faz) nos propõem inimigos comuns: grandes epidemias e extraterrestres de todo tipo. Outros filmes e romances promovem uma nova aliança dos humanos contra suas próprias invenções: a catástrofe atômica, as máquinas rebeldes e enlouquecidas. Já existem até filmes que contam a reação (tardia, claro) da espécie contra o próprio aquecimento global. E é banal, enfim, que nossas narrativas mostrem que, apesar da diferença dos indivíduos e da variedade cultural da espécie, nossos destinos são, sempre e propriamente, cruzados.

Os positivistas diziam que o clima faz o homem. Pois bem, quem sabe a mudança climática nos obrigue mesmo a transformar nossa cultura.

Para melhor. Última hora. Acabo de assistir ao filme-documentário de João Jardim, "Pro Dia Nascer Feliz". É uma visão terna, seca e justa de nossos adolescentes. Falando em preocupação com o futuro da humanidade, é um filme imperdível.

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