03 abril 2008

O sonho de Martin Luther King


O amor é o agente da modernidade: os sentimentos vencem os preconceitos das tribos

AMANHÃ FARÁ 40 anos, dia por dia, desde o assassinato de Martin Luther King, em Memphis, Tennessee.

Em 1963, cinco anos antes de sua morte, King contara seu sonho aos manifestantes da marcha sobre Washington: ele imaginava um futuro em que "brancos e negros, judeus e gentios, protestantes e católicos", descendentes de escravos e de donos de escravos, todos viveriam em harmonia, sentados "à mesa da irmandade". Nesse futuro, cada um seria julgado por seus atos e por seu caráter, não pela cor de sua pele, pela herança de sua etnia ou por sua fé.

King pedia que os EUA e o mundo moderno se mostrassem à altura de suas próprias declarações fundadoras: por exemplo, a Constituição dos EUA.

Ao longo das últimas quatro décadas, muitas coisas mudaram. Um balanço rápido constataria, sem otimismo excessivo, que o preconceito e a discriminação das diferenças retrocederam. Foi o efeito de mil lutas, grandes e pequenas, nos Parlamentos, nas ruas e nas padarias da esquina.

Mas as diferenças, durante a própria luta para não serem discriminadas, acabaram se consolidando e nos afastando da irmandade com a qual sonhava King. Em outras palavras, parecemos nos encaminhar para um mundo em que cada indivíduo e cada grupo seriam iguais perante a lei e respeitados em sua diferença, mas em que seria perdido o sentimento de constituirmos juntos algum tipo de comunidade. A sociedade futura seria, então, apenas uma convivência ordeira de diferenças e distâncias irredutíveis: muito longe do sonho de King.

Esse sonho reviveu, nestes dias, no discurso de Barack Obama "A More Perfect Union" (a "união mais perfeita", que era o propósito explícito dos signatários da Constituição dos EUA). Obama é suficientemente atento às diferenças para se lembrar, por exemplo, de que ser filho de imigrante africano não é a mesma coisa do que ser descendente de escravo. Mas, apesar de sua atenção às diferenças, talvez por ser o fruto de um amor inter-racial, ele consegue (novidade absoluta) ser um candidato negro, sem ser um candidato dos negros.

Por isso, muitos americanos talvez vislumbrem nele o símbolo daquela comunidade (não só uma convivência) de diferentes que era o sonho de Martin Luther King.

Não sei se Obama será o candidato escolhido pelos democratas e ainda menos se será eleito presidente.

Quase a metade dos americanos se diz disposta a votar nele; fora dos Estados Unidos, ele é imensamente popular. Será que estamos prontos para o sonho de Martin Luther King logo agora, num momento em que, pelo mundo afora, diferenças religiosas e culturais travam uma luta sangrenta?

Alguns dados encorajadores. No livro "Microtrends" (microtendências, editora Twelve, 2007), de Mark Penn, há um capítulo sobre famílias inter-raciais, que resume uma série de pesquisas recentes.

Em 1970, nos EUA, havia aproximadamente 300 mil casais inter-raciais, ou seja, 0,3% dos casamentos. Em 2000, já eram dez vezes mais, acima de 3 milhões, 5,4% de todos os casamentos. A maioria dos casamentos inter-raciais incluem um indivíduo hispânico (casado com negro ou branco). Mas o tipo de casal inter-racial mais freqüente (14%) é o de um homem branco com uma mulher asiática, seguido pelo casal de um homem negro com uma mulher branca (8%).

As adoções inter-raciais triplicaram. Em particular, nos EUA, o número de crianças confiadas pelos serviços sociais à custódia temporária de pais de uma outra etnia passou de 14% a 26%. É um dado significativo considerando que, dos anos 70 aos 90, as adoções inter-raciais eram acusadas de perpetrar um "genocídio cultural" assimilando "à força" os rebentos de outra etnia.

Qual é a relevância dessa "brasileirização" dos EUA? Pois é, Romeu e Julieta são os protótipos do herói moderno. O amor é o grande agente da modernidade: a vitória do indivíduo contra o peso das tradições é antes de mais nada vitória dos sentimentos, ou seja, de paixões singulares que atropelam os mandatos e os preconceitos das tribos.

Para quem ama, o furor das lutas entre religiões, culturas e tribos que se opõem a seus sentimentos é apenas um resto do passado. PS: Para ler o discurso de King: http://usinfo.state.gov/infousa/
government/overview/38.html
.

Para escutar o discurso de Barack Obama: br.youtube.com/watch?v=pWe7wTVbLUU.

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