16 julho 2009

Educar pelo cinema



Quase sempre, na vida de um adolescente, não basta preparar-se para o futuro; ele quer viver


QUANDO CHEGA uma convocação da orientação pedagógica do colégio de seus filhos, alguns pais já sabem que escutarão queixas: o garoto não estuda e não presta atenção, anda com uma gangue, dever de casa nem se fala etc.

Para mim, a queixa mais alarmante é a que diz que nosso filho é legal, mas não se interessa por nada -não só por nada do que a escola lhe propõe: nenhum esporte, nenhuma atividade extracurricular, nenhum hobby, nada.

Ele pode, eventualmente, ser obcecado com sua aparência (roupas, marcas, corte de cabelo), mas, no mais, ele só gosta de jogar conversa fora num shopping, beber cerveja, ficar no MSN e, às vezes, fumar cigarros ou baseados. O baseado é pior: afasta das tarefas cotidianas e do desejo, e, quando o afastamento se torna angustiante (os adolescentes sofrem com sua própria inércia), volta-se ao baseado para acalmar a angústia.

É um tranco que muitos pais atravessam do jeito que dá: desde as punições (cortar mesada, computador, saídas) até as tentativas desesperadas de envolver o rebento nas atividades dos adultos. "Ele vai jogar bola comigo", "Por caro que seja, se formos para o Quênia, ele vai se interessar, ao menos, pela vida dos elefantes. E pode querer ser veterinário", "E se comprássemos um cachorro do qual só ele se ocuparia?", "E se ele trabalhar na ONG daquela amiga que cuida de crianças de rua?", "Se ele encontrasse uma namorada, não seria o estímulo que lhe falta?".

O fato é que quase sempre chega um momento, na existência de um adolescente, em que, de repente, preparar-se para o futuro não lhe basta. Ele não quer se preparar, quer viver. Só que não sabe bem o que seria "viver": o mundo, como dizia a mãe de Forrest Gump, é uma caixa com chocolates variados, mas, no caso, por não conhecer os gostos e os recheios, o jovem hesita e morre de fome.

Os pais e os adolescentes que passam por essa situação não precisam se desesperar. O tempo cura muitos males, e a vida não é tão curta assim que um adolescente não possa "perder" alguns anos (tanto mais que nem sempre os ditos anos são propriamente perdidos).

Enfim, pais e adolescentes, que estejam ou não em apuros, não percam o livro de David Gilmour, "O Clube do Filme", que acaba de ser traduzido pela Intrínseca e que é uma pequena joia de coragem e sinceridade.

Gilmour conta como, confrontado com um filho de quinze anos que ele adorava, mas que não se interessava por nada, diante do espetáculo intolerável da aflição do garoto com as obrigações escolares, ele decidiu retirá-lo da escola. Mas nada de "Se você não quer estudar, tem que trabalhar; vagabundo não cabe nesta casa". Gilmour inventou uma educação alternativa: nenhuma obrigação, salvo a de não usar drogas (crucial) e a de compor, com o pai, o clube do filme, ou seja, assistir, três vezes por semana, a filmes que o pai escolheria e introduziria com breves comentários. Depois disso, a cada vez, pai e filho conversariam sobre o filme. O garoto, evidentemente, topou.

Começaram assim vários anos em que pai e filho viveram uma relação que não era parasitada pela necessidade de forçar o garoto a estudar, mas não foi nenhum paraíso: o pai, que atravessava um tempo de fracasso profissional, não parava de questionar sua própria decisão (será que ele estava acabando com o futuro do filho, que, aos 16 anos, não sabia onde está a Flórida no mapa?), e o filho não tinha como não sofrer com a sensação de estar sem rumo na vida.

A história acaba bem. Mas, cuidado, não é uma receita praticável, a não ser por quem tenha uma coragem de leão e, sobretudo, consiga amar seu filho mesmo que ele não corresponda aos sonhos dos pais (tipo de amor muito mais raro do que a gente imagina). Além disso, eu me perguntei se não teria sido possível instituir o clube do filme sem que o garoto saísse da escola (talvez não, talvez sim).

De qualquer forma, terminei o livro com dois pensamentos.
1) Há uma coisa que nossos filhos precisam conquistar, e que nunca vai ser uma matéria do programa: é o desejo de viver. Nessa tarefa decisiva, a ficção talvez seja o melhor recurso. E, das ficções, o cinema é a mais facilmente acessível.
2) Os adolescentes devem se preparar para sua vida futura, mas, igual eles estão vivendo, agora. Às vezes, parecemos sacrificar radicalmente seu presente em troca de nossa própria (ilusória) tranquilidade quanto ao seu futuro.

3 comentários:

  1. Contardo, sou mãe de uma menina de quatro anos e é justamente o prazer pela vida que desejo a ela. Certos ou não, acreditamos aqui em casa que sermos felizes, eu e o pai dela, é um dos grandes exemplos. E ser feliz significa, pelo menos para nós, não ter medo de mudar de emprego, de optar por viajar em vez de trocar o piso e de, principalmente, reunir os amigos, dar risadas, ouvir música e dançar. Não importa o que ela for (muito embora sempre desejemos que nossos filhos tenham um porto-seguro). Gostaria que ela continuasse comemorando as pequenas coisas, como o pulo alto de agora há pouco. Grande abraço. Tatiana Cruz

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  2. Contardo, quando li esse artigo lembrei do que tu escreveste sobre teu pai, suas histórias e forma de passar a paixão pela vida.Acho que a paixão pela vida é uma força fundamental frente ao mundo. A essa paixão tentei acrescentar intrinsicamente, a eterna reflexão sobre a vida, o viver, os medos, as alegrias, as eternas mudanças etc...Isso me colocou numa eterna negociação entre ser eu, não me adaptar, e, manter um lugar socialmente confortável.
    Teus escritos são inspiradores para mim , não por me trazerem novas idéias,ou porque concorde sempre com eles, mas porque me sinto menos só na atitude de questionar e pensar.Apesar de ter tido algumas pessoas com quem pude trocar impressões e reflexões na vida ao invés de verdades, elas nem sempre estão por perto, por isso tenho pensado em escrever, mas uma auto-crítica elevada, isto é, inseguranças várias, estão me impedindo.
    Fico pensando porque estou fazendo esse comentário pra ti, se é um pedido de ajuda implicito ou realmente um reconhecimento, ou os dois, isto é reconhecer que és um ser especial por refletir mais profundamente o mundo e a existência é me reconhecer também.
    Por isso parabéns para nós dois...hehehe.Desculpe mas adoro debochar de mim mesmo, ameniza o egocentrismo...
    As vezes gostaria que viajasses um pouco mais nas possibilidades... de apesar estarmos imersos nesta cultura, transcedermos, não só como ser individual, mas como humanos.E quem sabe o que seria de nós se fôssemos um pouquinho mais sábios Não acredito em soluções globais, para todos, mas não seria bom se de alguma forma que houvesse algum jeito de se ter algum ideal
    que nos consolasse?
    Bem mais uma vez gostaria que sonhasses por mim, ja que pra mim é difícil viver sem sonhos e sonhar.
    Abraços
    Christiane Grahl Luz

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  3. Qeria apenas pedir desculpas pelo erro de português grosseiro na palavra consolação, que é com ç, na emoção de escrever esqueci de revisar.

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