30 julho 2009

Em defesa de Berlusconi


Berlusconi faz festinhas com prostitutas, e eu com isso? A capacidade de governar é afetada?


NÃO TENHO simpatia alguma pelo premiê italiano, Silvio Berlusconi.
Para começar, não acho legítimo governar e, ao mesmo tempo, ser um megaempresário em exercício. A decência pede que os políticos, durante seu serviço público, se afastem da gestão de seu patrimônio e, ainda mais, da de suas empresas.

Além disso, Berlusconi é o triste símbolo do fim de uma época em que, na Itália, o fascismo era um divisor de águas. Dos comunistas até aos liberais (passando por socialistas, social-democratas, republicanos, radicais e cristãos-democratas), apesar das diferenças, havia um propósito comum: o passado totalitário não voltaria, nunca.

Berlusconi trouxe para o poder os próprios neofascistas e outros afins, que oferecem planos radicais, sedutores e esdrúxulos para as dificuldades da nação.

Nessa empreitada, a maior aliada de Berlusconi foi a mediocridade da esquerda e do centro, cada vez menos capazes de apresentar um projeto para o país.

Nas eleições de 2008, meus sobrinhos me confessaram que votariam em Berlusconi porque, ao menos, eles entendiam o que ele se propunha a fazer, enquanto não entendiam nada do que dizia Walter Veltroni, que liderava a centro-esquerda. Se meus sobrinhos, rebentos de uma tradição antifascista, preferiam Berlusconi, a batalha estava mesmo perdida.

A Itália continua sendo uma democracia. Do fascismo, Berlusconi ressuscitou (apenas?) a vulgaridade populista, que consiste em fazer apelo ao que há de pior no eleitor, tornando-o cúmplice das soluções mais fáceis, violentas, racistas e machistas.

Com isso, nunca pensei que escreveria um dia em defesa de Berlusconi. Mas, nestes últimos dias, os opositores do premiê adotaram a mesma vulgaridade que o caracteriza.

O semanal "L'Espresso" e o cotidiano "La Repubblica" (fundados por Eugenio Scalfari, um papa do jornalismo italiano) vêm soltando trechos de gravações de telefonemas entre o premiê italiano e Patrizia D'Addario, uma prostituta de 42 anos que, aparentemente, teve encontros sexuais com Berlusconi, comentou elogiosamente sua performance na cama, gravou as conversas e as tornou públicas para se vingar porque Berlusconi não teria cumprido sei lá qual promessa.

Antes disso, o cotidiano espanhol "El País" (outra referência da imprensa europeia) divulgou uma série de fotografias de Berlusconi, em sua vila na Sardenha, com topless feminino e nudez masculina. Tudo isso começou com a publicação em destaque de denúncias ressentidas da esposa do premiê.

A vida sexual de Berlusconi não me indigna. Como não sou fascista, tampouco espero que o líder encarne grotescamente a "virilidade" de todos nós (embora, como notou João Pereira Coutinho, muitos eleitores possam se regozijar com isso). Mas me sinto insultado pela própria suposição de que essas "notícias" me interessem. Berlusconi organiza festinha com prostitutas, E EU COM ISSO? Avisem-me se a coisa afetar sua capacidade de governar.

A invasão da privacidade de um governante se justifica quando ela demonstra sua hipocrisia pública. Se Ahmadinejad, em sua iminente visita ao Brasil, for flagrado dançando numa boate gay, isso me interessaria porque ele é líder de um país que pune a homossexualidade com a morte.

Quando se descobriu que Eliot Spitzer, governador do Estado de Nova York, era cliente de uma rede de prostituição, o escândalo foi relevante porque Spitzer, quando era promotor, tinha sido um ferrenho perseguidor das prostitutas e de seus clientes. Mas Berlusconi nunca pretendeu ser "um santo".

A ausência de relevância política das fotos e das conversas transforma os melhores órgãos da imprensa europeia em tabloides sensacionalistas e confirma que o problema da Itália de hoje não é Berlusconi, mas a decadência da oposição.

É quase uma regra: quem cata argumentos de moral privada na roupa suja de seu adversário político 1) Quer esconder e censurar seus próprios trapos (tão sujos quanto os do opositor criticado) ou, então, 2) Ele não tem nada para dizer que interesse aos eleitores e apela para uma cumplicidade de botequim ("Cara, viu a de Berlusconi com a puta?").

Parabenizo o PT, que, em seu "Código de Ética", aprovado nestes dias, decreta que é terminantemente vedada (artigo 6, 1) "a exploração de aspectos da vida íntima de adversários em disputas políticas ou eleitorais, internas ou externas, de qualquer natureza" (íntegra em www.pt.org.br).

2 comentários:

  1. Prezado Contardo, acho legítimo o seu princípio de “nada tenho com a vida intíma de um político se ela não afeta a sua capacidade de governar”.

    Poderia ser argmentado, porém, algo quanto à hipocrisia de alguém que, para se eleger, apelou ao moralismo fácil, chegando até mesmo a retocar uma pintura de nu feminino no ambiente das entrevistas à imprensa. Onde está a confiabilidade de alguém que não apresenta coerência em sua vida íntima com a imagem que expõe ao público?

    Helion

    Mas me parece que a questão é mais séria. As festinhas com garotas de programa foram organizadas por um empresário que tem pendências com o governo, a título de “favor” para agradar a Berlusconi e a outros políticos. Além disso, os favores sexuais eram aparentemente correspondidos com indicações para empresas públicas e mesmo para interesses eleitorais.

    A serem confirmadas essas informações, acredito que você deveria rever a sua defesa de Berlusconi.

    Helion

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  2. O que se esperar de um pseudo-intelectual que parabeniza o PT? Ninguém merece esse tal de Contardo. O comentário do Helion é muito mais interessante e inteligente do que esse texto do Contardo.

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