Por que visitamos museus? Procuramos experiência estética ou queremos nos cultivar? |
NA SUA próxima visita a um museu de arte, esqueça-se das obras e considere apenas os visitantes.
Um bom número, talvez a maioria, não para diante de uma tela (por exemplo) sem antes ter lido a pequena placa com nome do artista, título e data. Bom, eles querem se cultivar, saber quem pintou, quando e o quê. Mas, dessa forma, muitos acabam, sobretudo, limitando sua experiência: ao constatar que o autor lhes é desconhecido, eles mal olham para a tela e passam à obra seguinte, enquanto, se o pintor for uma celebridade, contemplam com dedicação - as más línguas dirão que eles sentem-se assim "autorizados" a parar e contemplar.
Os mais divertidos são os que adotam estratégias bizarras para dar uma espiada na placa sem que o amigo que os acompanha se dê conta e logo exclamam em voz alta, como se tivessem reconhecido a obra sem auxílio algum: "Aqui está o quadro de...".
E há os grupos de turistas, forçados a correr de uma "obra-prima" a outra, atropelando obras menores, que talvez fossem para eles (quem sabe, só para eles) decisivas.
De fato, o saber pode aprimorar nossa experiência estética; por exemplo, é bom apreciar uma tela de El Greco tendo conhecimento do fato de que ele pintou no século 16, pois talvez, sem isso, sua incrível ousadia expressionista nos comova menos.
Inversamente, se privilegiarmos demais o saber, tenderemos a nunca sair de caminhos trilhados e, pior, a forçar nossa experiência no molde do pouco que sabemos.
A primeira vez que visitei o Museu do Prado, em Madri, aos 14 anos, eu só queira ver a pequena sala onde estavam os quadros de Hieronymus Bosch.
Ao entrar, fui hipnotizado pelo azul estranho e intenso do céu numa paisagem de Joachim Patinir, um pintor flamengo da mesma época, que eu desconhecia. Não li a placa, "atribuí" a Bosch o quadro de Patinir e saí feliz de ter descoberto "meu Bosch preferido", que era tão diferente dos quadros de Bosch mais conhecidos e reproduzidos.
Se tivesse lido a placa, provavelmente eu teria me sentido na obrigação de esquecer o céu de Patinir e destinar minha atenção só aos quadros de Bosch; em obséquio ao meu saber, que era modesto e trivial, eu teria renunciado a uma experiência cuja lembrança ainda me encanta.
Recentemente, visitei a exposição "In-Finitum", no Palazzo Fortuny, em Veneza (até 15 de novembro), que reúne obras e objetos de todas as épocas ao redor de um tema, "In-finitum", que, cá entre nós, é suficientemente vago para que qualquer coisa possa ser incluída na exposição.
Instalações e quadros emprestados por museus e coleções particulares são assim misturados com objetos que enfeitavam a casa de Mariano Fortuny, quando ele estava vivo. Há de tudo: de um "conceito espacial" de Lucio Fontana a um banal ovo de avestruz.
A regra (inusitada e atrevida) das exposições do Palazzo Fortuny quer que os objetos não sejam identificados por placa alguma, como se a gente estivesse visitando a casa de alguém. Para quem não aguenta o tranco, está disponível uma espécie de mapa que deveria permitir identificar os objetos expostos, mas cuidado: a duras penas.
Para alguns, a visita se torna assim uma caça ao tesouro (as crianças adoram). Outros rejeitam o mapa e testam sua própria capacidade de atribuir algumas das obras a seus respectivos autores. Outros ainda, fiéis ao espírito da exposição, percorrem os andares do palácio permitindo-se uma experiência estética e meditativa, sem se preocupar em saber direito quais são os objetos nos quais eles esbarram.
O catálogo obedece ao mesmo princípio da exposição: começa com as reproduções das obras expostas, sem nada que as identifique. Seguem os ensaios e, só em apêndice, a lista das reproduções.
Antes de deixar o palácio, li o caderno em que os visitantes são convidados a escrever suas impressões. O leque vai de "Experiência única, por uma vez pensei e senti, em vez de querer saber quem fez o quê" até a (mais frequente) "Os curadores estão bêbados? Não se entende nada no mapa. Que tal uma plaquinha de vez em quando?".
Pergunta: o que aconteceria em nós, visitantes, se os museus escondessem toda informação sobre as obras expostas?
Moral da história: o debate entre saber e experiência, por mais que seja um clássico do pensamento pedagógico, é sem solução. A falta de saber compromete e empobrece a experiência, mas, sem a liberdade da experiência imediata, o saber se torna chato, estupidamente repetitivo e, no fundo, frívolo.
La experiencia sin saber, sin el procesamiento del lenguaje que implica todo saber, no existe. Primero existe el saber, el lenguaje, luego las cosas. Recuerdo perfectamente las muestras de el Bosco que usted menciona. Lo que a mi me atrajo profundamente fue que previamente a verlas habia leido un articulo que decia que el Bosco era un precursor del surrealismo moderno. Esa sola frase hizo que la experiencia de observar sus cuadros en persona fuera otra, tuviera otra dimension.
ResponderExcluirPor otro lado, fui con mi hijo de 11 años al Masp, y nada lo atrajo. Sin las referencias linguisticas/de saber, sin el deseo, el no puede ver nada.
Eu realmente não poderia deixar de comentar esse texto seu referente a forma com a qual cada um é influenciado pela necessidade de saber em detrimento da necessidade de apreciar a uma bela obra de arte - que nem sempre é a apreciada como 'obra-prima'.
ResponderExcluirRealmente creio que somos influenciados pela nossa vontade de saber tudo,talvez simplesmente para satsifazer nosso ego erudito, ou por causa de alguma outra influencia que sofremos.
Mas sem duvida o que mais me chamou atenção foi o fato de que vc, da mesma forma que aconteceu comigo ano passado, na época com 15 anos, aprendi com o mesmo pintor, Joachim Patinir, que existem formas de nos entretermos de maneira diferente da convencional. Enquanto minha mãe contemplava o Jardim das Delícias eu não conseguia tirar meu olho do El paso de la laguna Estigia, mas também nem cheguei a perceber que naquele momento eu estava conhecendo uma pintura com a qual eu realmente me indentifiquei, talvez só porque eu tenha me permitido apreciar algo de alguem que jamais havia ouvido falar ou sequer imaginava que viria a ler de alguem que gozara da mesma experiência que eu naquele momento.
Talvez agora eu já não me sinta o mesmo que antes, aquele que pensava ter descoberto em um nome da pintura flamenca uma arte ainda mais envolvente que de outros grandes nomes mais conhecidos, mas pelo menos agora sei que eu não fui o unico que saí daquela sala com um pensamento ainda vívido na mente.
O pensamento de que vivemos para aprender, mas não para desejar o aprendizado.