01 julho 2010

"Toy Story"



O filme me deixou com saudade da fantasia livre e maluca que organizava meus jogos de criança

Assisti a "Toy Story 3" na quinta passada. Era noite, e, na sala, só havia adultos, que saíram todos comovidos, sorrindo e fungando. Talvez nosso envelhecimento se pareça um pouco com o destino dos brinquedos abandonados pelas crianças que se tornam grandes.

Por exemplo, quando os filhos não brincam mais conosco, antes de tomar o caminho do sótão-asilo ou o do lixão-cemitério, sonhamos com a possibilidade de sermos, durante um tempo, brinquedos para nossos netos. Bem como os protagonistas de "Toy Story 3".

O filme me deixou também com saudade da fantasia livre e maluca que organizava meus jogos de criança. Inevitavelmente, acabei pensando nas gerações de brinquedos que me acompanharam na infância.
Quando meus pais morreram, eu morava longe, e meu irmão se ocupou de esvaziar o apartamento de nossa infância.

Foi assim que ele adentrou sozinho pelos dois imensos closets da sala, que nós chamávamos de "cavernas de Ali Babá" e que continham, entre inúmeras outras coisas, nossos brinquedos aposentados.

Meu irmão decidiu transferir esses sobreviventes para sua casa e, ao pedir meu consentimento, mencionou os mais valiosos, o trem elétrico, os soldadinhos de Fort Apache. Quanto aos outros, eu imaginava que ele os doaria ou descartaria.

Nada disso. Nestes dias, passando duas semanas na Itália, com "Toy Story" na lembrança, explorei, pela primeira vez, um armário de três portas que está no corredor do apartamento veneziano que divido com meu irmão.

Encontrei nossos velhos jogos de sociedade, quebra-cabeças, um "Pequeno Químico", um porta-aviões sem aviões, caminhões, robôs etc. Enfim, atrás desse amontoado, esbarrei num helicóptero, bem guardado em sua caixa original, com um ar de novo. Desse brinquedo me lembrei perfeitamente.

No dia de Natal, meu irmão e eu acordávamos pelas quatro da manhã, ansiosos para conhecer, enfim, nossos presentes, todos embrulhados embaixo da árvore. Abríamos os pacotes e brincávamos sozinhos, antes de meus pais acordarem.

Vencidos pelo cansaço, voltávamos para cama levando os brinquedos dos quais mais tínhamos gostado e que dormiriam conosco mais uma hora ou duas.

No Natal dos meus sete ou oito anos, eu ganhei um helicóptero. Não era teleguiado (era o começo dos anos 50), mas voava. Sim senhor, voava mesmo. Ele era ligado por um cabo a um comando mecânico (não elétrico): ao girar (freneticamente) uma manivela, o movimento era multiplicado e transmitido até às pás do rotor, de forma que, efetivamente, o helicóptero se levantava até o braço da gente cansar.

Amei o helicóptero. Amei a sensação de que ele voava não por alguma mágica, mas pelo meu esforço. Brinquei com ele mais ou menos uma hora, até que, inexplicavelmente, ele quebrou; eu acionava a manivela, ouvia um ruído de engrenagens infelizes, e as pás permaneciam paradas.

Não tenho como reconstruir exatamente a cadeia de meus pensamentos; só sei que o que prevaleceu não foi a pena pela perda do brinquedo novo, mas uma espécie de sentimento protetor. Explico.

Eu não sentia culpa (tinha brincado do jeito que era mesmo para brincar com o helicóptero), mas não aguentava a ideia de que meus pais tivessem notícia da morte precoce de seu presente, que, certamente, eles tinham escolhido com carinho e pago com esforço. Em suma, eu precisava proteger os meus pais.

Não disse nada; coloquei o helicóptero de volta na caixa e o levei para a cama comigo. Quando acordei, não sei como, consegui convencer a todos de que aquele era meu presente preferido, por isso eu não queria que outros brincassem com ele, nem meu irmão e ainda menos os sobrinhos convidados para o almoço de Natal.

Milagrosamente, mantive essa ficção durante os dias seguintes: adorava o helicóptero, e ninguém podia tocar nele.

De fato, ninguém nunca mais brincou com ele. Eu tampouco, é claro; brincar com ele quebrado teria sido revelar minha mentira.

E agora o helicóptero está aqui, na sua caixa de origem -símbolo de minha vontade sofrida e um pouco louca de fazer e proteger a felicidade de meus pais.

Tem cara de novo, mas é um pouco tarde para invocar a garantia.

4 comentários:

  1. Os filmes, Toy Store, tem cheiro da infância.
    Jefhcardoso do http://jefhcardoso.blogspot.com

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  2. aaah q maravilha, achei alguém - além de mim e de William Bonner - que tenha chorado com o filme. O filme passeia por nós mesmos e nos coloca nesta ótica de vermos o agora, ou o futuro proximo - os fihos se vão.
    Uau.
    Quero ver denovo, em DVD - em casa, pra poder chorar sem ser alvo de olhares observadores na saída do cinema.Ser branquela é fogo.

    bjo

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  3. Ainda não assisti ao filme, mas imagino o quão mágico deva ser, tão quanto ou até mais do que os anteriores. É incrível como a maioria das pessoas acabam acumulando objetos durante a vida. Objetos estes carregados de sentimentos, cheiros, histórias... De vez em quando reorganizo meu quarto, jogo fora muitas coisas, mas tem outras que permanecem. Esses objetos nos fazem viajar no tempo e nos fazem sentir até uma certa nostalgia... Parabéns pelo blog! Camila Bellacosa

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  4. Que filme lindo!!!
    Mais do que minha infância, pude vivenciar as infâncias dos meus pequenos "Andys", sendo que o mais velho tinha 5 anos quando ganhou o DVD do primeiro Toy Story.
    Chorei muito em ver Andy se despedindo dos seus brinquedos. Na verdade estava me despedindo da infância de Marcello, hoje com 17.

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