Você já terminou um relacionamento pela internet ou por uma mensagem de celular? |
NO SÁBADO passado, no Museu da Imagem e do Som de São Paulo, Xico Sá, Bebel Bertuccelli e eu comentamos os resultados de uma pesquisa, realizada pela Nokia, sobre a relação dos brasileiros com as ferramentas sociais da era digital.
Uma das perguntas da pesquisa dizia: "Você já terminou ou já terminaram um relacionamento com você via internet ou por mensagem de celular?".
Responderam positivamente 15% dos entrevistados. Já antes do debate, essa história de namoros terminados com uma mensagem virtual fez que eu fosse repetidamente consultado: o que achava desse horror tecnológico, hein?
Pois é, tendo a considerar esse tipo de despedida virtual com uma certa simpatia.
1) Em geral, aceitamos que, para muitos homens e mulheres, seja mais fácil encontrar alguém no mundo virtual do que no mundo real. Entendemos, por exemplo, que, na hora de seduzir, os tímidos, retraídos, acanhados ou inibidos soltem mais facilmente os dedos no teclado do que a palavra num encontro cara a cara.
Nota: seria injusto contrapor os que preferem o virtual aos que preferem o real como se os primeiros fossem mentirosos e, os segundos, honestos e sinceros. Virtual ou real, o encontro inicial é quase sempre um jogo em que se trata de convencer o outro de que somos alguma coisa que nem nós acreditamos ser. Quem prefere teclar talvez se esconda graças à distância, mas quem prefere falar ao vivo não abre sua alma: apenas desprende a lábia.
2) Se aceitamos que o virtual facilite a abordagem e as primeiras trocas, por que não deixaríamos que o virtual facilite também as despedidas? De fato, o virtual permite que os tímidos, os retraídos etc. declarem sua vontade de se separar, e isso sem medo de encarar torneios verbais que eles perderiam e que produziriam tentativas culpadas, penosas e infinitas de "reatar mais uma vez".
3) No começo de uma relação amorosa, o virtual talvez sirva para mentir melhor; no fim de um amor, ele pode ajudar a dizer a verdade, ou seja, a reconhecer, enfim, que uma relação está continuando apenas como mentira compartilhada.
4) Em média, a dificuldade em "encontrar alguém" não é maior do que a dificuldade em se separar quando uma relação não vale mais a pena.
5) Os tempos de solidão, durante a procura frustrada de um parceiro ou de uma parceira, são tão longos quanto os tempos de solidão de parceiros que vivem sem paixão, sem amizade e, às vezes, no rancor.
6) A insatisfação de quem procura um amor é esperançosa, enquanto a vida dos que não conseguem se separar é resignada.
7) Um SMS ou um e-mail de despedida podem surpreender quem os recebe, mas só como a revelação de algo que ele já sabia e, por alguma covardia, não confessava nem a si mesmo: ninguém termina virtualmente um amor que não esteja realmente morto.
8) Às vezes, sobretudo (mas não só) nas mulheres, a reação de quem recebe a mensagem de despedida é um pensamento delirante: o outro se separa de mim por SMS porque, se aparecesse na minha frente, ele teria que se render ao amor que ele ainda sente por mim (ele não sabe, mas eu sei que ele sente). Nesse caso, salve-se quem puder.
9) Toda separação é, no mínimo, a perda de um patrimônio comum de experiências e memórias. A dor dessa perda é frequentemente projetada no outro: digo que não posso ou não ouso me separar por e-mail ou SMS porque não quero machucar o outro, enquanto, de fato, é minha dor que quero evitar -com isso, eternizo o declínio da relação e o sofrimento do casal.
10) A convivência numa relação morta é um limbo confortável: para ambos, uma espécie de trégua do desejo. A separação apavora com a perspectiva de voltar a desejar. Antes de mandar um fatídico SMS, alguém hesita: "Vai ser difícil voltar à ativa com a minha idade" -e vai ser mesmo. Ou, então, pergunta: "E se eu ficar sozinho?"; resposta: "Mas você já está sozinho, há tempos".
Moral da história. É bom tentar tudo o que der para que uma relação vingue. Quando ela não vinga (mais), é bom ousar se separar. E deveríamos agradecer os parceiros que nos mandam um SMS lacônico e brutal, "Valeu, beijão e sorte". Pois, desprendendo-se, eles nos libertam e encurtam um processo no qual poderíamos perder anos da vida.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1111201030.htm
essa matéria confirma o que eu e meus amigos estudiosos da cibercultura temos dito: as teconologias digitais promovem o sacrfício do humano. Por vezes a dor do fim é necessário.
ResponderExcluirAproveito para relatar uma experiência pessoal. Nada substituiu o olhar indiferente combinado com as palavras frias: "agora você tem que ir embora". Eu, de joelhos, na situação de humilhação,implorando por uma chance... Nenhum SMS substituiu essa memória tão educativa acerca do que é o amor seus encontros e desencontros.... Depois foi só chegar em casa e enquanto pensava em suspender a vida ouvia no rádio: "eu bato o portão sem fazer alarde, eu levo a carteira de identidade, uma saideira, muita saudade e a leve impressão de que já vou tarde"
Era bom discorrer mais sobre a relação morta...?
ResponderExcluirAo ler o texto, fiquei com a impressão que a mensagem principal é: "antes isso do que nada". Algo que é difícil discordar, no entanto, não consigo ver isso com simpatia, porque ao entrar em um relacionamento sério temos a oportunidade de amadurecer, e ao terminar um relacionamento por sms ou e-mail (digo por experiência) nos agarramos a chance de nos acomodar. Penso que um relacionamento morto só existe de fato quando os dois sabem que não há mais presente ou futuro, e ficar nesta situação é diferente do que estar cômodo, é estar iludido, e apenas seres imaturos confundem ilusão com comodidade.
ResponderExcluirPerfeita análise. Disse tudo!
ResponderExcluirContardo, você é demais. Eu sempre penso que na semana que vêm você não consiguirá me surpreender. Abro o jornal e está lá você. E sua coluna desta quinta foi demais. Você é muito bom e espero ler muito mais, uma avaliação tão lúcida e sem hipocrisias da vida.
ResponderExcluirÉ um tema interessante, mas muito 'sessão da tarde'.
ResponderExcluirCarissimo,
ResponderExcluirVc me fez repensar ...sobre a possibiliade de um término mais tranquilo... Mas o que mais me agradou, foi a sua franqueza nua e crua diante desse grande desafio que temos a vida toda : começar e terminar relacionamentos.
abraços
clara
Boa avaliação, sensata! O uso das mídia não sacrifica o humano. É mais uma de manifestação suas manifestações. Quem não gostar não use. Mas daí falar que "sacrifica o humano" ou cosias do tipo é ir longe demais...
ResponderExcluirUm mundo que diz "social" uma rede virtual e que não tem coragem de vivenciar suas dores e frustrações é bem superficial e porque não dizer, perigoso.
ResponderExcluir"A angústia é a única fonte de criação." - Jaques Lacan
Contardo, ler Você me faz bem.
ResponderExcluirAprecio a sua escrita, percepção, sensibilidade.
Fiquei feliz em ler sobre o término das relações por msn ou e-mail.
Você consegue clarear o que muitos de nós sentimos e não conseguimos enxergar.
Obrigada pela análise, pelas colocações e pelas sempre sábias palavras.
Caramba! Você escreve bem, parabéns!
ResponderExcluirMuito bom...!
ResponderExcluirAcho que essas ferramentas digitais (sms, sites de relacionamento etc) - entre trocentas outras coisas - nos dão ferramentas para sermos menos preguiçosos e agirmos mais rápido (e a favor de nossa...VIDA!). Aleluia..
Nossa!! É exatamente isso! E x a t a m e n t e ! tudo o que eu pensava mas nao sabia dizer, você disse!
ResponderExcluirAbominável. Levar um fora for SMS é idêntico a chegar em casa e todos os móveis terem ido embora com o (a) companheiro(a). Sem pq nem prá que?!?! Ficar sem resposta para a causa? O que eu fiz? O que eu deixei de fazer? Um período da vida de alguém que fica com um fim, mas sem um fim. É muito cruel para quem recebe, e muito fácil para quem manda.
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