04 novembro 2010

Qual divisão do país?




O país me parece muito mais maduro do que mostraram os grupos raivosos das militâncias



SEGUNDA-FEIRA CHUVOSA, no Rio. Leio todos os jornais que encontro, tomando meu café da manhã na Pavelka, padaria merecidamente popular, no Leblon. Não sou o único cliente com mais de um cotidiano nas mãos.

Na mesa do meu lado, dois homens, mais ou menos da minha idade, comentam o resultado da eleição presidencial. Aparentemente, um dos dois votou no Serra, e o outro, na Dilma; mas é óbvio que nenhum dos dois é um fanático.

O tom geral da conversa é de uma certa preguiça, um "ainda bem que terminou", alimentado pela sensação (que os dois parecem compartilhar) de que não havia nada de realmente decisivo que opusesse os candidatos do segundo turno.

Enquanto escuto os dois amigos do Leblon, que comem croquetes de frango e carne, como eu, penso que o país não está dividido e não tem por que estar.

Para começar, contrariamente ao que foi repetido nas queixas de ambas as partes, a campanha não foi especialmente violenta nem sórdida. Tudo bem, voaram balões de água e rolos de fita crepe, e os militantes se chocaram aos berros, de vez em quando. Como é normal que aconteça, cada lado acusou o outro de baixaria e brutalidade. E cada lado zombou das "lamúrias" do outro. Por sorte (mas, na verdade, penso que não foi sorte: foi juízo), os (raros) enfrentamentos nunca tiveram consequências graves, e eu me lembro de uma época, na Europa, em que uma manifestação sem feridos era exceção.

Cá entre nós, a campanha de 2010 foi tranquila. E não acho que isso tenha acontecido só graças ao temperamento naturalmente conciliatório dos brasileiros.

Ainda no primeiro turno, li as propostas e os argumentos de Dilma, Serra e Marina. Pois bem, nunca fiquei com a impressão de que o país estivesse, como se dizia nos meus tempos, diante de uma "escolha de sociedade", tendo que decidir entre futuros radicalmente divergentes. Ao contrário, parece-me que o país teve a sorte de ser chamado a votar em candidatos que todos, atrás das oposições indispensáveis para que as candidaturas e as campanhas fizessem sentido, compartilhavam as mesmas preocupações básicas.

Nesta segunda, vários cotidianos apresentaram, mais uma vez, os planos de governo de Dilma e Serra, frente a frente, para uma última comparação. Reli com cuidado. Claro, há diferenças quanto às prioridades e aos meios e, de qualquer forma, resta se perguntar qual dos dois seria mais eficiente na hora do vamos ver, mas o sentimento inspirador é parecido. Ou seja, nada impediria que José Serra e Dilma estivessem aqui, na Pavelka, discutindo o que seria melhor para o país, entre amigos.

Afinal, eles pertencem a uma mesma geração, a dos que definiram suas aspirações políticas (de fato, suas vidas) na resistência à ditadura militar. Como não compartilhariam um fundo moral comum? Como poderia ser que ambos não desejassem, de um jeito ou de outro, uma sociedade livre e decente, na qual seja mais agradável conviver?

Quem assistiu aos debates presidenciais na televisão afirma que eles foram chatos; aliás, que toda a campanha foi chata. Concordo, mas não estranho: quando existe, entre candidatos, um fundo político comum, só resta debater temas cuja relevância é fictícia ou pretextuosa e, sobretudo, inventar jeitos de demonizar o adversário.

Essa última foi a função das militâncias, oficiais e oficiosas. Sobre esse tema sou suspeito: tenho ojeriza a todas as identidades coletivas. A história de minha geração de europeus e norte-americanos é que passamos por várias identidades coletivas e, no fim, ficamos fundamentalmente anarquistas (ou, numa vertente mais integrada, individualistas).

Peço vênia, mas, recebendo os inúmeros e-mails das militâncias, com desnudamentos extraordinários de última hora, revelações desvendando o grande complô da mídia, e, enfim, agora, com as maldições dos que perderam e os hosanas dos que ganharam, sinto-me um pouco como num jogo de futebol, em que a violência estúpida e cega das torcidas me impede de aproveitar meu domingo no estádio.

Mesmo assim, nesta segunda chuvosa, aqui no Rio de Janeiro, o país me parece infinitamente mais maduro do que suas militâncias -mais parecido com uma mesa da Pavelka com amigos discordando e discutindo do que com o espaço raivoso e vazio da gritaria on-line das últimas semanas.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0411201028.htm

12 comentários:

  1. Tenho amigos queridos q votaram no Serra, outros q votaram na Dilma. Felizmente não conheço ninguém em Bsb q votou na Weslian!. Tenho profundo respeito pela opção de cada um deles. No entanto, durante a campanha, recebi mails raivosos de militantes de um e outro lado (mais dos simpatizantes do Serra, confesso!). Na maioria das vezes, carregadas de preconceito, numa espécie de bullying eeitoral. Ora, não me parece plausível que alguém tenha votado num ou noutro candidato pq ele vai à missa ou pq optou por sair ou não do país, nos anos negros da ditadura. Eu votei no(a) meu(inha) candidato(a) pq estava convencida de q o projeto dele(a) é melhor para o país e não pq Serra era careca e a Dilma gordona. Votei pq, nas circunstâncias atuais, ele(a) era melhor. Não pq quero desqualificar o(a) adversário(a) para justificar a minha opção. Já votei em pessoas q me decepcionaram, mas isso faz parte do jogo. Meu voto não é de protesto, mas de convicção!

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  2. "se votar mudasse alguma coisa, seria proibido" diz um amigo meu..

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  3. Sabe o que torna a coisa toda muito divertida: é eu continuar achando que fanaticos e militantes politico são tão chatos quanto vendedores ambulante de livros que vez por outra bate na minha porta antes das 6 da manhã. Acho um desaforo!

    beijos muitos e tantos.

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  4. Sabe o que torna a coisa toda muito divertida: é eu continuar achando que fanaticos e militantes politico são tão chatos quanto vendedores ambulante de livros que vez por outra bate na minha porta antes das 6 da manhã. Acho um desaforo!

    beijos muitos e tantos.

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  5. Não acho que toda sociedade praticou uma campanha violenta e desrespeitosa, de fato, logo após a conclusão da votação, concordo que se instalou um clima de jogo de futebol, no entanto, penso que a guerra preconceituosa que se deflagrou na internet, poucos dias depois, demonstra que a campanha foi, de fato, muito brutal, com um nível baixo, e que se distanciou muita da apresentação de propostas consistentes que interessam ao país.

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  6. Fico um pouco preocupado com essa questão, pois o que o Contardo aponta é uma coisa muito séria: existe algo no ar para separar o Brasil. Primeiro foram os ricos e pobres, os brancos e negros. Aqui em Sampa saiu uma reportagem na FSP um dia depois da eleição comparando os eleitores de Higienópolis e da periferia. Esse tipo de lógica é complicada. E se analisarmos o mapa das votações veremos que uma parte do pais está com o partido A e outra com B. Existem certos setores sociais que buscam impor uma divisão onde não existem como estratégia de poder.
    Ale

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  7. Por que o título do seu blog é Contardo Caligares?

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  8. Tenho a sensação de que algo estranho está acontecendo, como se minha visão dos fatos estivesse completamente distorcida ou, ao contrário, eu tivesse escapado dessa grande "onda" onde se diz que tudo o que vimos acontecer "é do jogo". Vivemos num estado democrático e de direito, onde valores da própria democracia são utilizados para tentar solapá-la e onde as leis são descaradamente desrespeitadas. Gostaria que houvesse mais reflexão a esse respeito.

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  9. Durante o período eleitoral, travou-se um verdadeiro debate no seio de minha família. Uns defendiam Dilma, outros Serra, alguns o voto em branco, etc. Foi muito interessante o processo de discussão e, principalmente, de respeito. Lógico que sempre há os fanáticos, inclusive entre nós.
    No meio que vivo as posturas eram muito tranquilas, mas não era o que a mídia transmitia. Por que será?
    www.diariodeumamulherdespeitada.wordpress.com

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  10. Também tenho ojeriza a todas as identidades coletivas. Como dizia Nelson Rodrigues, "toda a unanimidade é burra". Por isso prefiro torcer para o meu time em casa, no conforto do meu sofá, gritando pela janela os palavrões que eu escolher. Quanto à campanha, tua análise é perfeita. Pena a Marina não ter chegado ao segundo turno, pois aí teríamos de fato algo bem inusitado.

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  11. confesso, sofri muito nestas eleições, palco de assédio dos que exigiam Serra, tive que ter coragem para declarar que votaria Dilma... esta não foi mesmo, uma campanha tranquila... e continuo vendo a continuidade da mídia a colocar sempre o povo brasileiro como pobre, ignorante, inferior aos outros paises... Me aborreci profundamente assistindo o RODA VIVA e a Marilia Gabriela conduzindo a entrevista contra Lula e Dilma... lamento profundamente.
    J.Fernandes (50 anos)
    Santo André-SP

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  12. Eu também, espero que a sociedade e a militância civil sejam fortes o bastante para não dependerem somente de política partidária.

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