Tudo indica que Marie-José Perec, a campeã olímpica francesa, não estará nos 400 m rasos. Era uma das favoritas da prova, que catalisa a atenção dos australianos por ser a especialidade de Cathy Freeman, a aborígine que acendeu a flama olímpica na cerimônia de abertura.
A versão oficial diz que Marie-José fugiu da Austrália porque foi ameaçada por um desconhecido em seu hotel. Os jornais insinuam que ela escapou por saber que não estava em forma. Faz sentido: Marie-José foi campeã em Barcelona e em Atlanta. Logo ela sumiu, deixando que Freeman corresse sozinha e ganhasse os Mundiais de 97 e 99. Reapareceu em julho e se qualificou para a Olimpíada com um tempo medíocre. Desde então, inscreveu-se em várias competições, mas nunca compareceu. Em Sydney, ficou escondida fora da Vila Olímpica.
Não sei o que há com Marie-José. No mínimo, sofre com a exigência louca de se mostrar à altura de um passado que a define, mas que ela não consegue repetir. É possível que não seja só isso.
Marie-José nasceu na cidade de Basse Terre, em Guadalupe. Por mais que essa Antilha seja território francês, é difícil acreditar que os antepassados de Marie-José (que é mulata) sejam gauleses.
Agora, cada evento olímpico começa com a apresentação dos atletas que competem. O nome é seguido de "representando..." e lá vai o nome da nação.
Será que cada atleta representa mesmo a nação pela qual está concorrendo? E se ele não se sentir assim? Que tipo de experiência é essa de orientar sua vida toda, durante anos, para uma competição onde se tratará de dar o melhor de si -representando uma coletividade da qual o atleta, no fundo, acha que não faz parte?
Há circunstâncias que ajudam a enlouquecer, como a falta de uma possível resposta clara quando se é confrontado com questões cruciais sobre sua identidade.
Alguns militantes da causa aborígene não queriam que Cathy Freeman corresse: por que dar prestígio para a Austrália opressora? Outros queriam que ela corresse protestando. Os australianos querem que ela encarne o novo multiculturalismo. Pressionada para declarar se ela corria para seu povo ou para a Austrália, Cathy respondeu habilmente: "Corro para mim mesma. Se ganhar, ficarei muito feliz. Estou certa de que muitas pessoas sentirão essa mesma felicidade". Ou seja, festeje quem puder.
Ao que parece, Cathy Freeman tem uma saúde (psíquica) de ferro. Com isso ela distancia seus entrevistadores. Marie-José, desta vez, talvez não tenha conseguido correr mais rápido do que a pergunta inevitável numa Olimpíada: você representa quem?
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