19 setembro 2000

Torcida brasileira

No jogo da seleção feminina de vôlei contra a Austrália, a torcida era firme. Cantou até o hino nacional em ritmo acelerado. Os australianos repetiam seu "Aussie, aussie, aussie/oi, oi, oi". "Aussie" é a abreviação de australiano e se pronuncia "ozie".
As brasileiras lideravam por 2 sets a 0 e 21 a 12 no terceiro, quando a torcida inventou: "Easy, easy, easy/oi, oi, oi!". "Easy" soa perto de "ozie" e significa "fácil". Escutando essa gozação, que dizia "Fácil, fácil, fácil /oi, oi ,oi..", a torcida australiana emudeceu. Enfim, a seleção jogou muito bem, ganhou (fácil) e promete.

Tomado pelo entusiasmo dos 500 torcedores, gritei, pulei e, no fim do jogo, fiquei no saguão para uma festa improvisada. Voltando para o hotel, resmungava desconfianças das emoções torcedoras.

A Olimpíada de Sydney pediu que a ONU decretasse a trégua olímpica e exigisse paz entre as nações durante os Jogos. Seria a ocasião de mostrar que desacordos e conflitos podem ser resolvidos no fair play do esporte.

Em vez de se armar para guerra, contentem-se com torcer. Argentina e Reino Unido poderiam ter decidido o futuro das Malvinas em três jogos de futebol. Quem ganha, leva. Pena que a coisa não funcionou em Berlim-36. Hitler poderia ter visto em Jesse Owens a superioridade dos negros e, assim, teria desistido da guerra e de sua política racial.

Em suma, torcer seria bom: uma maneira de evitar guerras.

É possível pensar o contrário. Ou seja, que a torcida não é uma catarse dos nacionalismos belicosos. Ao contrário, seria seu caldo de cultura. Quem pensa assim, nota também que a torcida nacional, fomentando a rivalidade entre nações, garante de fato a paz social. Quem se desespera ou exulta com a nação, esquece que ela é dividida, apaga as iniquidades sociais das quais ele é vítima.

Os excluídos podem torcer para um país que os ignora. A idéia seria: torcer evita a consciência dos conflitos sociais pela invenção de antagonismos nacionais.

Numa linha parecida, há as pesquisas de um tal Robert Cialdini, da Universidade de Arizona, para dizer que o torcedor é um fraco, que tenta obter respeito não por suas próprias façanhas, mas por conexão com sua seleção.

Mas as teorias nem sempre se aplicam. Esta noite a torcida brasileira não treinava sentimentos belicosos -a festa final incluiu na dança e no canto os torcedores australianos. Também não acho que o orgulho ocultasse as feridas sociais da nação no espírito da torcida. Ainda menos o torcedor brasileiro, que torce, em geral, na esperança de crescer graças à grandeza do país. Ele torce muito mais na esperança de que o país consiga, enfim, crescer.

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