16 agosto 2001

Entre as gerações: a guerra dos gozos



Na coluna da semana passada, comentei um sentimento que não é raro nos pais modernos: uma espécie de inveja dos filhos, sobretudo quando eles chegam à adolescência. Somos frequentemente incomodados pelo espetáculo das mordomias que nós mesmos proporcionamos aos nossos rebentos. Passamos o tempo atormentados por um dilema entre lhes proibir ou permitir prazeres. Ou então queremos vê-los felizes, mas lamentamos os sacrifícios que eles nos custam. Tudo isso porque, de alguma forma, gostaríamos de guardar para nós a (pretensa) boa vida que oferecemos a nossos filhos.

Vários leitores me escreveram reconhecendo que essa inveja dos filhos faz parte de sua experiência de pais. Mas alguns acrescentaram, para equilibrar a balança, que também os filhos modernos nem sempre são flores que se cheirem: às vezes, eles olham para os pais de um jeito nada carinhoso. Uma mãe escreveu: "A gente também achava nossos pais meio ultrapassados, mas, no olhar de meus rapazes, vejo o desprezo, uma vontade que eu desça logo do palco".

Em suma, pode ser que os pais modernos invejem seus filhos. Mas os filhos modernos como olham para seus pais? Se fosse com inveja -uma recíproca da inveja dos adultos-, a coisa não seria surpreendente nem dolorosa. É natural que os filhos invejem os pais: conta-se com isso para que eles cresçam. Infelizmente, não se trata de inveja: há mesmo algo diferente e inquietante no olhar que muitos adolescentes modernos destinam aos adultos.

Eles contemplam seus pais com uma espécie de comiseração ou então com vergonha, como se as condutas do pai e da mãe fossem aviltantes até para a prole. Faz parte de uma adolescência moderna assistir com verdadeiro dó ao espetáculo dos pais divertindo-se -dançando ou abraçando-se. Ou então enjoar ao fitar a boca dos pais, enquanto eles saboreiam felizes seus pratos preferidos. Sobretudo os prazeres dos pais, seus jeitos de aproveitar a vida, parecem inspirar asco nos filhos adolescentes.

Uma parte dessa repulsão pode ser explicada como um efeito do bom e velho complexo de Édipo. Por exemplo, o jovem, mostrando sua desaprovação visceral, estaria apenas protestando contra o fato de ele não ser o centro da atenção. Ele acharia que os pais, dançando, são ridículos, porque gostaria de estar, ele, dançando com o pai ou com a mãe (segundo o caso).

Mas essas explicações não bastam. O olhar de muitos adolescentes modernos sobre os prazeres dos pais é radical e abrangente demais para ser apenas uma manifestação de ciúme. Ele pressupõe a convicção de que os prazeres da geração precedente são insípidos e fracassados: os pais não sabem o que é a vida, sua experiência é deficitária, ridícula.

A acusação não é tanto de conformismo, mas de incompetência em gozar a vida. Essa convicção é acompanhada por uma raiva às vezes explícita, um "sai da frente" justificado pela incompetência: "Vocês, pais, não sabem desfrutar a vida direito e, olha que absurdo, ao mesmo tempo, se metem no meu caminho".

É uma atitude que custa caro aos adolescentes modernos. Para justificar e mostrar que têm um jeito próprio e certeiro de gozar da vida, eles são obrigados a renunciar aos prazeres sugeridos e praticados pelos pais. Condenam-se, dessa forma, ao tédio e a um certo desespero, pois não é fácil encontrar maneiras originais de gozar a vida.

Aparece assim frequentemente um quadro familiar quase cômico, em que adolescentes deprimidos, inativos e sarcásticos desprezam adultos que se agitam com entusiasmo, inventando e propondo programas que são, de fato, estereótipos de uma adolescência invejável -que só existe nas propagandas de goma de mascar. Por exemplo, já vi jovens pasmos, atirados na cama, enquanto os pais, a mil, enfiavam capacetes, coletes salva-vidas e caiaques na perua de família.

Por que essa cena é especificamente moderna?

Nas últimas décadas, nossa cultura parece ter aceitado a idéia de que as gerações estariam sempre, "naturalmente", em conflito. Racionalizamos essa chatice com a explicação seguinte: cada nova geração inventaria valores novos -ninguém pára o progresso. Ora, o conflito moderno entre gerações é um conflito de valores só aparentemente. Ao contrário, as gerações se pegam pelos cabelos por elas terem em comum um mesmo valor: o projeto de gozar a vida o quanto mais possível.

Pais e filhos modernos compartilham uma idéia, central em nossa cultura, segundo a qual a vida é um bolo. Importa servir-se direito, comer bastante e, se der, levar um pouco para casa.
Ao redor de um bolo, não há dissidentes, só concorrentes: comensais que se servem mais rapidamente ou mais vezes do que nós, aproveitadores que nos privarão da fatia que poderia sobrar para o café de amanhã etc.

Graças a esse ideal compartilhado, cada geração é, para a outra, uma rival. E cada geração inventa (ou simula, tanto faz) um jeito original de gozar a vida para que sirva de pretexto na hora de empurrar a geração precedente até a porta.

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