Nos últimos meses, li (ou percorri) meia dúzia de livros de conselhos para casais em crise ou para noivos que queiram construir um casamento feliz.
Os livros de conselhos, em geral, são ótimos compêndios do bom senso. Funcionam, justamente, porque nos dizem coisas que já sabemos. A autoridade que nos aconselha é a sabedoria comum de nossa época.
Saí dessas leituras com a impressão de que, em matéria de casamento, nosso bom senso é animado por boas intenções, mas não deixa de ser a expressão de uma cultura que, fundamentalmente, acredita e aposta pouco nas relações.
Escolho, como exemplo, um conselho que, de formas diferentes, voltava assiduamente nos livros que li. Ele é inspirado por uma sabedoria prática incontestável. Lembro-me de tê-lo eu mesmo oferecido com convicção mais de uma vez.
Diz assim: "Não queira transformar seu parceiro". É a versão íntima de "ame-o ou deixe-o": é preciso gostar do parceiro assim como ele é, com todos os seus defeitos, pois é um erro engajar-se numa relação com o projeto de emendar nosso objeto de amor.
Por quê? Simples: nesse caso, estaríamos amando apenas por confundirmos o parceiro com um ideal saído de nossas fantasias -e estaríamos querendo que ele, coitado, coincidisse com nossas miragens. Uma decepção brutal aguarda quem mantém essa conduta, que transforma as relações amorosas no teatro tragicômico das inadequações de cada cônjuge aos desejos e sonhos do outro.
Portanto diz o conselho: amem-se assim como vocês são, cruzem-se, abracem-se etc., mas, de qualquer forma, aceitem-se. A ambição de transformar o outro pela relação é uma receita para o desastre. Deveríamos circular em nossa vida amorosa como carros nas rodovias: podendo nos cruzar e até andar juntos lado a lado, mas cientes de que as verdadeiras transformações recíprocas só acontecem nos acidentes.
Não há como negar que o conselho parece sábio e bem-vindo. O problema é que ele sugere um pessimismo radical em matéria de relações: preconiza que se relacionar seja uma atividade sem consequência, praticada no absoluto respeito dos indivíduos imutáveis. Juntem-se e permaneçam iguais.
Examinemos de novo o argumento que justifica o conselho. Quando amamos, sempre atribuímos ao outro caraterísticas ideais que nos importam ou nos inspiram. Apaixonamo-nos porque, misteriosamente, vemos no outro qualidades que pegamos emprestadas de nossos sonhos. É inevitável que o equívoco seja desfeito um dia. Por exemplo: "Vi em você a mãe perfeita para nossos futuros filhos, e eis que você só pensa em fazer carreira e trabalhar". Ou então: "Vi em você um amante carinhoso e divertido. Quem é esse cara comatoso na frente do computador ou da TV?". Conclusão do conselho: quem se casa ou se acasala com a intenção de transformar o parceiro compra uma frustração garantida. É preferível evitar decepções e amar o outro pelo que ele é.
Aqui, duas questões. Primeiro: será que existe um amor em que não atribuamos a nosso parceiro alguma qualidade extraordinária que de fato ele não tem? Será que uma relação em que não idealizamos nosso parceiro ainda é uma relação de amor? Em suma, é bem possível que o conselho nos condene a uma vida afetiva um pouco chocha. Paciência.
A segunda questão é mais importante. Pergunto: será que a decepção é o único efeito dos sonhos com os quais embelezamos nossos objetos de amor? Ou seja, será que o amor, em última instância, só nos frustra? Vamos ver.
De novo: quem nos ama vê em nós alguma qualidade ideal que, de fato, não temos. É bem provável que ele se decepcione (muito ou pouco). Tanto faz, pois o que importa é que, de qualquer forma, sua expectativa nos transformará. "Claro, não sou o amante maravilhoso que minha parceira apaixonada imaginava que eu fosse. Sou mesmo comatoso na frente da TV. Mas a expectativa de minha parceira -que me idealiza e que sonha comigo carinhoso e engraçado- é a única coisa que pode me arrancar da poltrona."
Na verdade, mudamos (para melhor ou para pior) sempre graças a algum outro que espera de nós uma mudança. Uma criança cresce, por exemplo, alimentada pela expectativa amorosa dos pais. "Joãozinho é um Mozart", declara a mãe.
Joãozinho abandona a música aos 13 anos: grande decepção. Mas resta que, se aprendeu a tocar um pouco, se a música passou a fazer parte de sua vida e mesmo se ele cresceu confiando em seus outros talentos, tudo isso foi graças ao sonho da mãe que olhava para ele e via Mozart redivivo.
O modelo continua valendo na vida adulta: mudamos graças ao amor de quem nos idealiza e, assim, nos estimula a mudar. O amor é o motor de quase todas as nossas transformações.
Portanto está certo o conselho de não perseguir nossos parceiros com a exigência de que mudem. Engajar-se num amor querendo mudar o outro é um projeto mal-aventurado.
Mas um conselho mais corajoso e menos ditado pelos ideais celibatários de nossa cultura diria assim: esqueça o infausto projeto de mudar o outro, mas ame com o projeto de ser transformado pelo que o outro espera de você.
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