30 agosto 2001

Liberdade moral



Alan Wolfe , eminente sociólogo do Boston College, acaba de publicar "Moral Freedom" (Liberdade Moral, Norton & Co.), indagação sobre os sentimentos morais dos americanos.

No ano passado, Wolfe já tinha produzido uma ampla sondagem de opinião sobre esse tema, que foi apresentada no "The New York Times". O novo livro traz uma série de entrevistas efetuadas para aprimorar os resultados da pesquisa inicial. Trata-se de encontros com sujeitos que representam setores extremos e opostos da sociedade americana: Castro (bairro de San Francisco preferido pela comunidade gay), uma base da Força Aérea, a riquíssima Silicon Valley, uma cidade decaída do Estado de Massachusetts e por aí vai.

Entrevistando esses sujeitos anômalos, Wolfe confirma o resultado encontrado originalmente e afirma que, apesar de diferenças radicais de condição social e de idéias, quase todos os americanos praticam a "liberdade moral" moderna. Mas o que é isso?

É claro que as idéias morais de Sue Simpson, mulher homossexual de San Francisco, são diferentes das convicções de Mary Masters, uma cristã renascida do Connecticut. Se elas se encontrassem, detestar-se-iam. Masters condenaria Simpson ao inferno e Simpson acharia a existência de Masters um atraso da civilização. Mas Wolfe mostra que ambas, embora defendendo princípios opostos, praticam a liberdade moral, pois adotam suas posições respectivas por uma escolha consciente e livre, e não pela simples força de regras preestabelecidas e inquestionáveis. As entrevistas revelam que, hoje, mesmo quem defende uma moral normativa valoriza a livre escolha em nome da qual decidiu submeter-se ao rigor da norma.

Em suma, a liberdade moral que, segundo Wolfe, seria dominante nos EUA (se não no mundo ocidental) não tem nada a ver com permissividade. Pratica a liberdade moral quem toma (e quer tomar) suas decisões morais por conta própria. Esse é o caso tanto dos conservadores mais repressivos quanto dos libertinos.

Imaginemos que eu resolva minhas questões morais pela estrita obediência à Bíblia. E que você, ao contrário, em situações análogas, invente livremente critérios para julgar e decidir. Mesmo assim, seremos menos diferentes do que parece: acontece que eu sei e reconheço que a decisão de me submeter à Bíblia foi minha.

Portanto, atrás do livro ao qual me refiro sem parar, o fundamento último de minhas decisões morais sou eu mesmo. Nisso não difiro de você, que inventa seus próprios critérios. Ambos somos praticantes da liberdade moral moderna, pois nossas escolhas éticas são, direta ou indiretamente, o efeito de uma decisão autônoma que ambos prezamos.

Wolfe resume: "Há mesmo uma maioria moral nos EUA. São os sujeitos que querem decidir com sua própria cabeça".

Difícil não concordar com as conclusões de Wolfe. É claro que os sistemas morais tradicionais não conseguem mais se impor sem passar pelo crivo do consentimento dos adeptos. Por exemplo, contra a vontade da Igreja, muitos católicos são favoráveis ao aborto, discutem o fundamento do celibato do clero, acham certo usar camisinha e consideram ridículo o dogma da infalibilidade do pontífice. Para os fiéis modernos, valem os preceitos que eles mesmos aprovam livremente.

Wolfe acredita que a liberdade moral quase não tenha mais adversários hoje. Certo, há fundamentalistas para os quais qualquer livre escolha é uma manifestação satânica. Mas talvez eles sejam apenas restos arcaicos de culturas vencidas.

A verdadeira dificuldade está em nós. Pois a prática da liberdade moral acarreta vários inconvenientes quando comparada com o reinado de uma moral autoritária. Na liberdade moral, por exemplo, é difícil chegar a um consenso e falta uma garantia absoluta de que as decisões sejam corretas. É frequente que cada decisão deixe dúvidas intoleráveis pairando na consciência -quem foi ou conheceu alguém que foi jurado num processo penal conhece esse tormento.

Enfim, a liberdade moral é cansativa, pois requer a cada instante o esforço de inventar critérios para julgar.

Reagimos a essas complicações de duas maneiras. Por um lado, nostalgicamente, interpretamos a liberdade moral, que é nossa originalidade cultural, como uma inconsistência, como uma falha ou mesmo como um sinal de decadência. Lamentamos, em suma, um passado (mítico) regido por códigos de ferro.

Por outro lado, tentamos freneticamente descobrir dentro de nós algo que possa servir de fundamento para as decisões morais. Desde que fomos convidados a decidir autonomamente o que é bom e o que é mau, ou seja, a sermos a origem da moral, exploramos nosso cérebro e nossas tripas buscando um sentimento, um impulso, qualquer coisa que dê legitimidade a nossas decisões.

Procuramos (ou elegemos) uma parte de nós -mais verdadeira- na qual confiar para nossas escolhas morais. A razão? A sociabilidade, que nos faz desejar o bem comum? O instinto de sobrevivência? A vontade de ser feliz?

Qual é, a seu ver, a resposta do dia?

2 comentários:

  1. é muito importante q as pessoas saibam mais , se atualizem sobre esses assuntos , pois é importante para que uma sociedade seja livre.

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