Domingo passado, no Jewish Museum (o museu judaico) de Nova York, estreou a exposição "Mirroring Evil" ("Espelhando o Mal"), subtítulo: "Imagens do Nazismo - Arte Recente".
A polêmica ao redor dessa exposição ocupa a imprensa americana há semanas. Muitos julgam que as obras expostas profanam a memória do Genocídio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Outros acham que, para a arte, nada pode ser sagrado.
Às 9h de domingo, na frente do museu, uma centena de manifestantes erguiam cartazes: "Vergonha", "Isso não é arte, é profanação e desconsagração". Eram, em grande parte, descendentes de vítimas do genocídio. Um senhor idoso pegou a minha mão e pediu: "Por favor, não entre". Comovido, senti a necessidade de justificar-me e disse-lhe que tinha vindo para escrever uma coluna. E aqui vai.
A exposição apresenta o trabalho de 13 jovens artistas. Segundo Norman Kleeblatt, o curador, eles são representativos de um novo olhar sobre o nazismo e o genocídio. Houve a época que culminou com "Os Deuses Malditos", de Visconti (69), e "Porteiro da Noite", de Liliana Cavani (74). Essa geração serviu-se do nazismo para explorar cantos escuros de sua sexualidade. Para ela, o nazismo transformou-se numa fantasia, seus símbolos viraram brinquedos eróticos -suásticas e quepes SS apareceram nos clubes sadomasoquistas do mundo inteiro. Hoje, segundo Kleeblatt, aparecem artistas que evocam o genocídio e o nazismo de uma maneira diferente: nada de erotismo tétrico, mas uma irreverência que ele preza.
Ora, à vista da exposição, não é necessário entrar na polêmica entre liberdade artística e memória do genocídio. Pois há uma outra razão pela qual o conselho do museu deveria demitir-se em bloco. É que eles produziram uma exposição em que a maioria das obras são cretinas.
Ao percorrer as salas, é difícil evitar a impressão de que a arte conceitual esteja servindo de refúgio para artistas desprovidos de competências técnicas e atravessados por pensamentos que conseguem ser, ao mesmo tempo, confusos e óbvios. Para proteger o trabalho dos artistas conceituais que resistem a esse desastre, proponho que reservemos o termo "arte conceitual" para as obras em que arte e conceito se manifestam. Para as outras, prefiro o termo "arte cretina".
A exposição de Nova York começa com uma instalação de arte conceitual -no sentido restrito e positivo. Piotr Uklanski reúne 123 retratos de atores que personificam nazistas, de Gregory Peck a Yul Brunner. São fotos de filmagem ou cartazes de cinema. A idéia é simples e forte: a indústria do entretenimento tornou o nazismo glamouroso.
Depois dessa obra conceitual, a arte cretina invade a cena. Num vídeo, Maciej Toporowicz monta imagens publicitárias de Calvin Klein em sequência com corpos glorificados nos filmes da cineasta nazista Leni Riefenstahl. De vez em quando, ele intercala marcas de perfume: Eternity, Obsession. Ao redor de mim, vejo o esforço diligente no rosto de meus companheiros de infortúnio. Tentam entender, pois são intimidados: afinal, o museu diz que isso é arte. Dá vontade de gritar: não é profundo, é só cretino. A montagem é ruim e a idéia é pueril: o erotismo da cueca chique pode ser desprezível, mas não tem nada a ver com o erotismo nazista de Riefenstahl.
Mais adiante, Alan Schechner nos mostra um grupo de presos do campo de Buchenwald que, a partir das linhas verticais dos seus uniformes, se transforma no código de barras de um produto. Ele explica: os detentos eram números, e tudo é reduzido a números pela revolução digital. Profundo, não é?
A palma da arte cretina vai para Tom Sachs, que expõe duas obras. Uma é composta de três cilindros de papelão que seriam contendores de gás e sobre os quais ele escreveu Chanel, Tiffany e Hermès. A outra é uma caixa de Prada, achatada, sobre a qual ele construiu uma medíocre maquete de campo de concentração. Sachs explica que "a moda, como o fascismo, é uma questão de perda de identidade". Ora, é possível achar a moda fútil e detestá-la, mas é cretino confundir a moda, que nos azucrina com a obsessão de sermos diferentes, com o totalitarismo, que impõe uniformidade e uniformes.
Toporowicz, Schechner e Sachs têm pensamentos que seriam simpáticos na boca de moleques de sétima série: somos números, a moda nos torna todos iguais, a publicidade é a morte do desejo e por aí vai. Incapazes de pensar (ou preguiçosos demais para isso), eles partem para a injúria máxima: é tudo nazismo. Com isso, eles armam uma chantagem moral: você não gosta de minha obra? É que 1) você não entende de arte, 2) você quer que o genocídio seja um tema sagrado e 3) você ignora que a arte não respeita tabus, o que demonstra o número 1.
No catálogo da exposição, verborrágico, toda a teoria crítica é convocada para assegurar outra chantagem: quem não gostar, discordará de Adorno, Horkheimer e Foucault.
Bom, não é com essa mediocridade que o genocídio será dessacralizado. Mas a arte conceitual vai ter trabalho para diferenciar-se da arte cretina.
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