Na semana retrasada, a revista "Science" (n. 5.564, de 29/3) publicou o relatório de uma pesquisa coordenada por Jeffrey Johnson, da Universidade Columbia, em Nova York. O estudo mostra uma relação significativa entre o comportamento violento e o número de horas que um sujeito (adolescente ou jovem adulto) passa assistindo à TV. A pesquisa foi muito bem apresentada por Reinaldo José Lopes na Folha do dia 29/3, mas ela é suficientemente surpreendente para justificar mais uma reflexão.
No mesmo número de "Science", C. Anderson e B. Bushman, da Universidade de Iowa, assinam um artigo sobre os efeitos sociais da violência na mídia, constatando que todas as pesquisas consagradas ao tema confirmam a existência de uma relação entre violência real e violência midiática. Eles sublinham a relevância da nova pesquisa de Johnson, que demonstra os efeitos da televisão nos adolescentes e nos jovens adultos enquanto, em geral, as consequências da violência televisual são investigadas apenas nas crianças.
Também a pesquisa de Johnson, graças a sua duração, pôde contabilizar violências efetivas, e não só vagas agressividades. O tempo que os sujeitos passavam diante da TV aos 14 anos foi anotado e relacionado com violências físicas e criminosas cometidas aos 16 e aos 22. E o tempo que outros sujeitos passavam diante da TV aos 22 anos foi comparado com o número de atos violentos cometidos aos 30. Em ambos os casos, os resultados foram significativos. Tomemos o caso dos sujeitos que, aos 14 anos, não chegavam a assistir a uma hora por dia de televisão: poucos (menos de 6%) cometeram um ato violento contra outra pessoa aos 16 ou aos 22 anos. Mas esse percentual sobe para 22,5% entre os sujeitos que, aos 14 anos, ficavam na frente do televisor entre uma e três horas por dia.
Além disso, o relatório de Johnson afirma que variáveis como abuso infantil, renda familiar, nível de educação e patologia mental dos pais, violência no bairro etc. foram levadas em conta, mas não alteraram os resultados. Ou seja, a pesquisa estabelece uma causalidade própria da imagem televisual.
Anderson e Bushman, como disse, festejam a nova pesquisa. Mas há uma dificuldade: Johnson não leva em conta os diferentes programas aos quais assistiam os sujeitos investigados. Para quase todas as pesquisas da área, não é a televisão em si, mas a violência na televisão que produz violência na vida. Ora, a nova pesquisa afirma que o tempo passado assistindo à TV -SEJA QUAL FOR O PROGRAMA- aumenta as chances de ocorrerem comportamentos violentos. Como pode ser?
O próprio Johnson, entrevistado pela Folha, foi conciliatório e comentou que 60% dos programas da televisão contêm violência. Portanto as horas passadas na frente da TV seriam horas passadas assistindo à violência televisual. É uma extrapolação. De fato, os resultados da pesquisa dizem só que, até na adolescência e na idade adulta, assistir à TV é um indicador de violência futura, independentemente do programa. Um espectador pode curtir só a Xuxa, a Eliana e a "Casa dos Artistas", outro será fiel a Boris Casoy, Marília Gabriela e CNN, outro ainda escolherá os seriados mais violentos e qualquer coisa no estilo de "Aqui Agora". É intuitivo que essa última escolha possa tornar o espectador mais violento. Mas a pesquisa afirma que, além dessas diferenças, a simples quantidade de tempo passado diante da TV produz violência.
Do mesmo jeito, posso assistir à televisão porque não tenho amigos com quem sair ou então ver TV deitado entre irmãos e irmãs, enquanto toda a família brinca e comenta. No segundo caso, eu estarei mais sorridente, mas a pesquisa de Johnson sugere que, além dessa diferença, se mantém uma relação entre o comportamento violento e a quantidade de tempo passado na frente da televisão.
Pela pesquisa de Johnson, os televisores deveriam ser comercializados com um aviso, como os maços de cigarros: cuidado, a exposição prolongada à tela desse aparelho pode produzir violência.
Estranho? Nem tanto. É bem provável que a fonte de muita violência moderna seja nossa insubordinação básica: ninguém quer ser ou continuar sendo quem é. Podemos proclamar nossa nostalgia de tempos mais resignados, mas duvido que queiramos ou possamos renunciar à divisão constante entre o que somos e o que gostaríamos de ser.
Para alimentar nossa insatisfação, inventamos a literatura e, mais tarde, o cinema. Mas a invenção mais astuciosa talvez tenha sido a televisão. Graças a ela, instalamos em nossas salas uma janela sobre o devaneio, que pode ser aberta a qualquer instante e sem esforço.
Pouco importa que fiquemos no zapping ou que paremos para sonhar em ser policiais,
gângsteres ou apenas nós mesmos (um pouco piores) no "Big Brother". A TV confirma uma idéia que está conosco sempre: existe uma outra dimensão, e nossas quatro paredes são uma jaula. A pesquisa de Johnson constata que, à força de olhar, podemos ficar a fim de sacudir as barras além do permitido. Faz sentido.
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