04 abril 2002

Ecos da guerra em Israel e na Palestina



1) Em Israel e na Palestina, é o horror da retribuição imediata: você mata três, eu mato cinco, você mata 15, eu tento matar 20. É improvável que a conta dos mortos intimide uns e confira a vitória (qual vitória?) aos outros. Para que, então, os atentados nos bares de Haifa ou de Tel Aviv? Para que a invasão de Ramallah?

Como não parece haver perspectivas estratégicas, o conflito assemelha-se a uma briga em que apenas importa falar mais alto do que o outro. E os gritos, aqui, levantam e espalham sangue e cadáveres.

Os palestinos gritam que, para matar israelenses, eles estão imediatamente dispostos a morrer. Mostram que o prazer de destroçar os inimigos é absoluto: não é preciso sobreviver para aproveitar a carnificina. Esta é sua força proclamada: loucos de jihad ou de independência desprezam sua própria vida. Portanto, os israelenses (e os ocidentais, em geral) não teriam como lhes resistir. Ou seja, se a gente não se importa em morrer, quem ganhará de nós? Novidade no racismo, um líder do Hamas declarou ao "The Washington Post" que "os judeus gostam da vida mais do que os outros povos" como se fosse um estigma.

Os israelenses gritam que eles não hesitarão (e não hesitam) em revidar e matar. Eles não têm candidatos ansiosos por explodir num mercado de Gaza. Mas eles declaram: cuidado, não somos tão diferentes, podemos matar tanto quanto vocês. Quem já esteve numa briga de rua sabe disso: é crucial não ter medo de bater e dar mostras disso.

Reconhecer o outro como inimigo e odiá-lo é uma coisa difícil. Estamos acostumados a pensar que a humanidade não seja restrita aos que falam nossa língua ou praticam nossa religião. Odiar o semelhante por ele ser outro pede um esforço. Talvez israelenses e palestinos estejam conseguindo.

2) Segundo David Long ("The Anatomy of Terrorism", 1990), os terroristas são sujeitos que sofrem de baixa auto-estima e de uma falta de sentido para as suas vidas. É possível que esse seja o pano de fundo, mas o gesto terrorista é uma patologia do excesso de sentido, não da falta.
Estive na faixa de Gaza em 1994. Ter uma Kalashnikov era um sinal de status, como dirigir um Mercedes ou ter viajado para a França. No caso dos palestinos, não vale a idéia de um arcaísmo pelo qual eles obedeceriam aos princípios de uma sociedade tradicional e, portanto, não atribuiriam importância a suas vidas individuais. Mesmo servindo a uma causa coletiva, eles são sujeitos modernos, preocupados com sua imagem: fico bem de mártir? Os pretensos "martírios" são, provavelmente, paroxismos narcisistas, gestos desesperados para agradar e entrar no clube.

Na frente de uma loja, uma dondoca fala de sapatos: "Esse aí é de morrer". Pois é, o martírio também é de morrer. Os que tecem os elogios dos "mártires" são responsáveis pelos suicídios no mesmo sentido fútil em que as vitrinas da Quinta Avenida são responsáveis pelo estouro do cartão de crédito de nossas classes médias. O mecanismo psíquico é o mesmo.

3) Arafat na Reuters (em árabe): "Juntos marcharemos até que uma de nossas crianças levante a bandeira palestina sobre as igrejas e as mesquitas de Jerusalém". Proponho que os arquitetos da Disney sejam encarregados de desmanchar Jerusalém e de misturar os materiais originais com cópias perfeitas, de forma a reconstituir três Jerusaléns completas e idênticas. Os ditos arquitetos desaparecerão num programa de proteção às testemunhas. Ninguém saberá quem tem qual original e qual cópia. Talvez a Jerusalém de Israel fique com a verdadeira pedra que o profeta pisou, e os palestinos, com o autêntico sepulcro de Cristo. Todos brincaremos de peregrinos, sorrindo para as câmaras.

4) No "New York Times", Thomas Friedman relata esta frase de um cientista político israelense: "O conflito israelo-palestino de hoje será a Guerra Civil espanhola do século 21", ou seja, o ensaio geral de uma guerra mundial. Se estamos no prelúdio de um grande conflito, é um bom momento para perguntar por que e para que morreremos e/ou mataremos. Os palestinos e os israelenses já experimentam uma resposta: por ódio do inimigo.

Nestes dias, Hollywood propõe uma outra moral para tempos de combate. Três filmes, desiguais e concebidos antes dos atentados de setembro: "Atrás das Linhas Inimigas" (melhor deixar para ver no avião), "We Were Soldiers" (Mel Gibson chora um pouco demais) e o extraordinário "Falcão Negro em Perigo", de Ridley Scott. Em vez de criticar fácil e abstratamente o belicismo hollywoodiano, é melhor constatar que são três histórias em que a ação militar -mais ou menos desastrada e custosa em vidas- é imposta por uma regra só: ninguém dos nossos deve ser deixado para trás, morto ou vivo.

Que essa seja a única regra da guerra e, nos três casos, o motivo da batalha, eis que constitui uma proposta ética interessante. Afinal, se é para combater, prefiro que seja por solidariedade com quem compartilha comigo uma comunidade de destino. E não por ódio do inimigo ou por exaltação narcisista.

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