Na quinta-feira passada, a Folha publicou uma pesquisa das intenções de voto para governador de São Paulo. Nas várias simulações, Paulo Maluf, tecnicamente empatado com outro candidato ou não, situava-se em primeiro lugar - entre 33 e 37% das intenções de voto.
Parece um sucesso da legalidade democrática: até que a Justiça chegue a um veredicto, as acusações não devem desqualificar ninguém. Por mais que as suspeitas de enriquecimento indevido sejam fortes, nós não somos nem júri nem juiz.
Mas fico perplexo: em regra, essas precauções são apenas nominais. Quase sempre, antes que o processo comece, a opinião pública condena e lincha. Em caso de absolvição, ela fica desconfiada, repetindo que não há fumaça sem fogo. Como entender, então, que mais de um paulista em cada três planeje votar em Maluf? À primeira vista, só haveria duas explicações.
Primeira explicação. Quem quer votar em Maluf é uma exceção: ele não se deixa influenciar por jornalistas e procuradores da República. Só acreditará em corrupção no dia em que a Justiça confirmar as acusações.
Segunda explicação, mais triste: o dito paulista-em-cada-três seria completamente desinformado. Alérgico ao noticiário, ele não saberia nada das acusações recentes e passadas contra Paulo Maluf.
Ora, nos últimos dias, conversei com vários futuros eleitores de Maluf em restaurantes de comida por quilo, pontos de táxi, botecos, cafés, bancos e no terraço comum do prédio onde moro. As duas explicações mencionadas desmoronaram. Pois todos me pareceram bem informados: conheciam até a geografia dos indícios mais recentes, da Suíça à ilha de Jersey. Será, então, que duvidavam das acusações? Ou, melhor, que conseguiam suspender seu juízo na espera da decisão da Justiça? Nada disso. Todos acreditavam explicitamente que seu candidato preferido fosse culpado das acusações levantadas contra ele. Mais: eles pareciam supor, jocosamente, que as acusações em questão fossem apenas a ponta de um iceberg.
Se essa atitude vale para um terço dos eleitores, estamos em maus lençóis. Mas não porque Paulo Maluf seria culpado ou não, eleito ou não. Isso pouco importa. Que haja políticos corruptos ou não torna-se irrelevante diante da constatação seguinte: há eleitores escolhendo um candidato que, segundo eles mesmos, seria um corrupto de marca maior. Em outras palavras, a eventual corrupção dos políticos é um fato benigno. O verdadeiro escândalo é o possível amor dos eleitores pelos corruptos.
Uma racionalização foi-me oferecida regularmente pelos simpatizantes de Maluf: ele "faz". Para demonstrar essa eficiência, seus eleitores mencionaram algumas obras. E logo declararam que, nessas obras, devia ter havido superfaturamento e roubo. Fiquei sem saber se o candidato conquistava a admiração desses eleitores pelas obras executadas ou pelo saque das finanças públicas que, na própria opinião deles, as ditas obras teriam proporcionado.
Aqui, nenhum paradoxo ou contradição: os eleitores que escolhem um candidato que eles mesmos julgam corrupto não votam apesar das acusações que pesam sobre o candidato, mas por causa delas.
Eis, então, o fato político mais inquietante do que a possível corrupção dos candidatos: há eleitores que parecem reconhecer na corrupção a marca autêntica do poder e que votam em consequência. A corrupção (hipotética ou comprovada, tanto faz) é, para esses eleitores, um traço ideal dos candidatos. Como pode?
Quem escolhe representantes para administrar uma comunidade da qual ele é (e se sente) membro não vota em corrupto. Ele não gosta de deixar a coisa pública em mãos duvidosas, pois protege a coisa pública como um bem que seria de todos - portanto, também dele.
Mas suponha que estejamos juntos neste território como os colonizadores que o desbravaram. Não compartilharíamos comunidade alguma. Cada um de nós alimentaria o sonho de acumular o máximo de riquezas e levá-las para seu barco. Danem-se os outros. Nesse caso, se tivéssemos que eleger um chefe, em quem votaríamos? O mais corrupto e mais desrespeitoso da legalidade seria o melhor para nos conduzir no saque da terra que estamos explorando.
Na escolha eleitoral do candidato corrupto, o cinismo contemporâneo parece coincidir com os piores restos culturais da exploração colonial.
Em suma, a pesquisa de quinta-feira revela que um candidato acusado de corrupção está na cabeça das pesquisas. Nenhum problema: ele é inocente até decisão judicial. Mas é extraordinário que, para alguns de seus eleitores, ele pareça ser preferido justamente por ser (presumivelmente) corrupto. Na cabeça desses cidadãos, não pode estar o sonho de uma comunidade, mas a esperança de encontrar um líder para suas próprias ambições predatórias.
Detalhe engraçado: alguns desses eleitores prometem que seu candidato devolverá a segurança às nossas ruas. Vai ser complicado. Pois a criminalidade é uma versão armada do espírito de saque o mesmo espírito que fomenta a escolha eleitoral de quem deseja ser governado por um corrupto.
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