02 outubro 2003

Ostentação

Não conseguirei responder a todos os leitores que me escreveram comentando a coluna da semana passada. Peço desculpas e agradeço pelos dissensos, pelas observações e pelos parabéns.

Várias mensagens levantam uma mesma questão. Num país em que tantos batalham com as necessidades básicas, Marta Suplicy organizou uma grande festa e escolheu um vestido de noiva que custou R$ 6.000: não é um tapa na cara do povo?

Alguns acrescentam: conhecemos famílias de pequena classe média que, na hora de uma filha casar, gastam um dinheiro que dotaria o novo casal de um apartamento próprio. Mas, mesmo que, em proporção, Marta e Luis Favre tenham gastado razoavelmente, será que eles não têm um dever de pudor e austeridade?

Só posso fornecer elementos para pensar: que cada um responda.

Vamos com ordem: a riqueza moderna é sempre, de alguma forma, ostentada. A regra é a seguinte: as diferenças sociais não dependem mais do berço em que nascemos. Elas são "só" econômicas. O "só" significa que não é impossível atravessá-las. Imaginemos que, para jantar no Fasano, eu precise gastar meu salário mensal. Em compensação, garantem que não serei barrado na porta nem pelo meu nome nem pela cor da minha pele. Resta-me (dizem) dar duro, ter sorte e "crescer".

Pergunta: uma vez que eu dispusesse do dinheiro, por que não fritaria frugalmente dois ovos em casa? E, se quisesse um risoto com trufas, por que não chegaria ao restaurante pela porta dos fundos, de preferência sem fotógrafo?

Acontece que a organização social moderna não consiste apenas em substituir a nobreza do sangue pelo volume da carteira. Nosso status não é uma qualidade intrínseca nem de nosso ser nem de nossas posses: ele depende do olhar dos outros.

Portanto guardar riqueza no silêncio de um cofre não basta mais: integrar uma classe social implica exibir o padrão de consumo esperado. Uma extravagância narcisista toma conta de nossa subjetividade por ser necessária ao nosso funcionamento social: é preciso alimentar um crescimento econômico infinito, fomentando a inveja que dá fôlego à corrida de todos. Sem extravagância, acaba a sociedade de consumo.

Vontade de dizer: e daí? Que acabe. Infelizmente, a sociedade de consumo é preferível a um regime tradicional de castas, que manteria todo o mundo cravado no lugar em que viu a luz. Em suma, console-se: folheando "Caras", estaríamos no melhor dos mundos possíveis.

Há dois argumentos contra o bom funcionamento desse sistema no Brasil.

O primeiro constata que as diferenças sociais são grandes demais. Para quem está na miséria, a riqueza ostentada não é uma promessa. Ela funciona como a pompa que, na antiguidade, era a marca distintiva das castas superiores. Em vez de olhar para trono e cetro para se lembrar de quem é o rei, olhe para meu carro e minhas quatro suítes, saiba quem manda aqui e não espere chegar perto. A diferença excessiva produz exclusão: os ricos são tão distantes de mim que não reconheço, entre nós, comunidade nenhuma. Sou de outra tribo; os privilegiados são uma força estrangeira de ocupação. Sobra aos vira-latas procurar restos no lixo ou ir à luta; não na vida, mas com um berro na mão.

O segundo argumento completa o primeiro. Apesar da mobilidade social efetiva, a sociedade brasileira sofre de arcaísmo: pouco mais de um século de modernidade não foi suficiente para eliminar o espírito da escravatura. De novo: olhe para o luxo dos donos e aprenda que você é de outra raça.

Os tempos mudam. Pobre e negro já pode usar o elevador social. Um dia, milhões de brasileiros sairão da miséria que os exclui. Aos poucos, o sentimento de uma comunidade de destino prevalecerá sobre os restos da escravatura. Pode ser. Mas, por enquanto, vivemos uma época de transição. Somos modernos e consumimos ostentando, mas, pela ostentação, mantemos diferenças sociais arcaicas.

Nesse ínterim, qual é o "bom uso" dos prazeres? Qual é a ostentação que não produz exclusão?
A resposta não está nos números. Se R$ 6.000 para um vestido de noiva é demais, quanto seria o certo: R$ 2.000? Vá saber.

Há dois critérios frágeis.

O primeiro é a intenção: quem consome está aproveitando a vida e ostentando por acidente (aceitável) ou está gozando da ostentação que impõe aos outros o espetáculo de seu poder (inaceitável)?

O segundo é o bom gosto: numa sociedade organizada pelas aparências, critérios estéticos podem regrar as escolhas morais.

Na Inglaterra do começo do século 19 (também época de transição), surgiu o movimento dândi. Os dândis são lembrados como desvairados obcecados por sua aparência, mas tiveram uma função modernizadora crucial: substituíram o privilégio do sangue pelo privilégio da elegância (acessível a qualquer um que a ela se dedicasse). Se um judeu, como Disraeli, pôde se tornar ministro da rainha Vitória, foi também por ele ser um dândi.

Ora, Beau Brummel, supremo árbitro do dandismo, perdia horas na frente do espelho, cuidando de sua aparência. Mas, antes de se aventurar pelas ruas de Londres, submetia-se a um teste. Ficava um tempo na esquina. Se ninguém o notasse, se ele passasse despercebido, considerava que estava pronto e bem vestido.

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