21 novembro 2004

"A Dona da História"

Assisti a "A Dona da História", de Daniel Filho, seguindo o conselho de amigos e pacientes, todos entusiastas. Queriam que eu visse, porque para eles tinha sido uma experiência comovedora e feliz. Pois bem, agradeço-lhes.

O filme funciona como uma maravilhosa sessão de terapia, para casais e para solteiros. Explico por quê.

Primeiro, um resumo da trama (adaptada da peça homônima de João Falcão). Nesta altura, quase todos devem conhecê-la.

Carolina e Luís Cláudio são casados há 30 anos. É aquele momento de sossego, quando "as crianças" já foram embora, e está na hora de vender o apartamento onde elas foram criadas. Quem sabe agora dê para fazer aquela famosa viagem, não é?

É também o momento de olhar para trás e fazer um balanço. Carolina se pergunta se sua cara de hoje tem algo a ver com seus sonhos adolescentes. No meio dessa tarefa impossível (ou melhor, possível, mas logicamente decepcionante), ela acaba descobrindo que a banalidade aparente de sua vida (como de qualquer vida, na verdade) constitui uma história que vale a pena. Ou seja, que valeu a pena ser vivida e vale a pena ser contada.

Disse que o filme é uma sessão de terapia para casais. Faça o teste: assista com seu companheiro ou sua companheira de muitos anos. Talvez ambos achem que estão hoje numa união um pouco chocha: uma televisão à noite, transa-se uma vez por semana e olhe lá. Esta união, durante anos, foi uma batalha com fraldas, mamadeiras, febres, choros noturnos e orientadoras pedagógicas, sem contar as corridas noturnas para apanhar "as crianças" naquelas festas malditas. Faz tempo que a dificuldade do fim de mês produz brigas inúteis. Às vezes, parece-lhes que esta união roubou os melhores anos de suas vidas. Você não foi pintor maldito em Pigalle porque não podia largar tudo e viver de expedientes. E você deixou de dançar jazz e tentar fortuna na Broadway porque, depois de duas gravidezes, o corpo não é mais o mesmo. É tudo verdade, ou quase.

Parêntese aberto. É "quase" verdade porque a lista das renúncias que o outro nos impôs serve para evitar a responsabilidade por nossas próprias escolhas. Quis ter dois filhos e, em vez de medir o custo de meu próprio desejo, prefiro achar que foi o parceiro que matou meus outros sonhos, aqueles que deixei de lado para realizar a vontade de ser pai ou mãe. Parêntese fechado.
Mas imaginemos que seja verdade, que nossas renúncias sempre aconteçam por causa do outro.

Mesmo assim, aposto que você sairá da sala de cinema pensando que esta sua vida, que parece pequena, protegida demais, distante dos arrepios do mar aberto e das emoções do começo de seu amor, esta vida, na verdade, foi uma grande aventura. A banalidade do cotidiano pode dar samba; é só saber olhar (e tocar cavaquinho ou contar) com ternura nem tanto para o parceiro que está ao seu lado, mas para você mesmo ou mesma, para a vida que foi e é a sua.

Quem operará esse milagre? O próprio filme. Pois, nele, a história de Carolina e Luís Cláudio, assim como é, com seus bate-bocas e seus sonhos perdidos, torna-se um romance.

Nossa cultura idealiza o amor romântico. Mas você deve ter constatado: filmes e contos propõem quase sempre que idealizemos amores impossíveis, separações e nostalgias arrasadoras ou primeiros encontros deslumbrantes. Pouquíssimas vezes, encontramos uma visão ideal de como é durar no amor e viver juntos. Em geral, esse é um tema para comédia ou "vaudeville". É sublime apaixonar-se, separar-se ou ser separado pela fatalidade, mas é ridículo conviver. O filme de Daniel Filho é uma exceção: ele é freqüentemente engraçado, é claro, mas não é uma versão cômica do casamento. É uma (rara) visão do amor que dura, que é parecido com os nossos amores e que, mesmo assim, pode ser idealizado.

Não pense que o filme seja terapêutico apenas para casais com dez anos de união ou mais. Como disse, ele vale também para solteiros.

No sábado passado, com um grupo de colegas, falávamos de como é importante e complicado, numa terapia, fazer que alguém dê valor à sua própria vida. Uma colega notou que muitos pais ateus criam seus filhos numa religião; querem que os jovens tenham uma boa razão de viver.

Ora, uma tarefa essencial do terapeuta poderia ser resumida assim: ajudar cada um a dar significação à sua vida, sem que, por isso, ele deva acreditar num sentido do mundo. Ou seja, permitir que cada um descubra que, mesmo que não faça parte de um grande esquema (divino ou humano), sua vida vale a pena. E por que valeria a pena? Simplesmente porque cada vida pode ser um romance que merece ser contado. Se soubermos atribuir à nossa vida a qualidade de uma história, reconheceremos sua dignidade.

Como se consegue isso? O percurso de Carolina, no filme, mostra exata e humildemente como.
Resta apenas dizer que Marieta Severo e Débora Falabella (Carolina, agora e no passado), assim como Antônio Fagundes e Rodrigo Santoro (Luís Cláudio, agora e no passado) são perfeitos. Aliás, Marieta Severo é mais que perfeita.

Obrigado a Daniel Filho e a toda a turma.

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