Está sendo desmontada a instalação de Christo e Jeanne-Claude no Central Park de Nova York. Durante 18 dias, as trilhas do parque (37 km) foram enfeitadas por 7.503 portais de quase cinco metros de altura com largura correspondente à largura dos caminhos (de dois a seis metros). Na trave de cada portal era fixado um pano, que descia até pouco mais de dois metros do chão e flutuava ao vento. Tudo isso na cor laranja da roupa dos monges tibetanos.
Em geral, Christo e Jeanne-Claude se interessam pouco pelo "sentido" das instalações que produzem pelo mundo afora. Concentram-se nos desafios da realização concreta e no efeito estético, plástico, das mudanças temporárias que eles impõem às paisagens.
Já os usuários e os críticos nunca resistem à tentação de explicar e justificar. Alguns notaram que os portais eram como os "torii", que afastam os maus espíritos na entrada dos templos xintoístas japoneses. Outros lembraram que um portal é símbolo de mudança e de acesso a outras dimensões da vida.
Diante de uma expressão artística, essa preferência pela "descoberta" de sentidos, óbvios ou recônditos, parece compensar nossa dificuldade em articular e manifestar uma apreciação estética.
Hoje, perguntar se uma obra de arte é "bela" é uma ingenuidade que frisa o ridículo. Se a pieguice condena qualquer consideração sobre a "beleza", formulemos de outro jeito: a obra de Christo e Jeanne-Claude se impõe ou não como necessária por suas qualidades próprias (disposição, proporções, volumes, cores etc.)?
Cheguei a Nova York na segunda, dia 21, um feriado nos EUA. De manhã bem cedo, depois de uma noite de neve, o Central Park estava deserto, coberto por uma manta virgem. Parque adentro, só a sucessão dos portais indicava as trilhas. Era uma visão feérica, encantada. Esperei a chegada de crianças, turistas e corredores matutinos. Todos adoravam; não havia como não achar extravagantemente bonito aquele conjunto de portais laranja, árvores cinza, neve e arranha-céus. Mas os comentários eram hesitantes, envergonhados, como se fosse proibido confiar no prazer da experiência. Diziam, desculpando-se, "Até que gostei, viu?". Ou racionalizavam: "É bom para a cidade, traz turistas, não é?".
Temos dificuldade em decretar a qualidade e a necessidade plástica de uma produção artística. Dizemos "EU gosto", sublinhando o "eu" para limitar o alcance de nossa aprovação. Aliás, preferimos "eu gostei" a "eu gosto": nossa experiência foi pontual, no passado, sem conseqüências definitivas.
Uma das contribuições mais interessantes de Donald Meltzer, um psicanalista anglo-americano que morreu em 2004, é o livro "A Apreensão do Belo". Meltzer começa notando que seus pacientes "borderline" (fronteiriços, próximos da psicose ou da psicopatia) tinham uma incapacidade de apreender o belo por uma simples e confiante resposta emocional do tipo: vejo, sinto, vibro e, portanto, sei e digo que é belo.
Pois é, considerando nossa timidez estética, a crítica contemporânea e o discurso dos próprios artistas, somos todos (ou quase) fronteiriços como os pacientes de Meltzer. Compensamos a falta de confiança em nossa experiência estética à força de argumentos sociais, morais ou intelectuais.
Há uma explicação que é a mesma para todas as incertezas modernas: com o fim dos consensos tradicionais, o ônus de bem julgar ficou com o sujeito. Apreciar esteticamente não significa avaliar se uma obra respeita o cânone, nem medir seus equilíbrios internos. Apreciar, para nós, é uma questão de gosto. E a falta de critérios nos acanha e intimida.
Meltzer permite ir além dessa generalidade. Sua idéia é que, para sentir e reconhecer a qualidade estética de uma obra, precisamos de um modelo emocional, ou seja, precisamos da lembrança ou da suposição de uma grande harmonia mítica ou passada. Para cada um de nós, ele propõe, o modelo da experiência esteticamente satisfatória é nossa primeira percepção da mãe. Ou seja, sabemos reconhecer a beleza porque ela evoca em nós a mesma emoção daquela harmonia originária entre nós e os cuidados maternos.
Mas Meltzer, que foi discípulo de Melanie Klein e Wilfred Bion, sabe quanto a lembrança ou suposição dessa harmonia originária é conflitiva. A harmonia, se ela existiu, teve que ser sacrificada para que não ficássemos de bonecos da mãe, para que nos separássemos e crescêssemos. E esse sacrifício imposto e inevitável é sempre vivido como uma traição materna. Não há como evocar uma harmonia originária sem evocar a dor de sua perda.
Entende-se, portanto, que nosso juízo estético seja hesitante e oscile entre um encantamento babaca (os portais na neve de um conto de fadas) e um cinismo não menos babaca (tipo: os únicos que ganharam com isso foram os vendedores de cachorro-quente do Central Park).
Os antigos (sorte deles) podiam confiar firmemente em suas experiências estéticas, visto que seu modelo de harmonia era a sólida ordem do Universo. Segundo Meltzer, para apreciar a beleza, nós precisamos recorrer à mesma miragem de harmonia que devemos destruir para crescer e vir a ser indivíduos e adultos. Complicado.
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