07 novembro 2008

Culpa branca, festa africana e socialismo



Quando o comediante faz uma piada sobre os negros, os brancos riem com 10 segundos de atraso. Esperam para ver se os negros riem antes

O COMIC STRIP Live, na segunda avenida entre as ruas 81 e 82, é um dos melhores endereços de Manhattan para quem gosta de "stand-up comedy" o espetáculo de um ator só metralhando suas piadas, sem poupar ninguém (ainda menos o público). Passaram pelo palco do Comic Strip, quando ainda não eram conhecidos, Jerry Seinfield e Eddie Murphy.

É cedo para que Barack Obama seja objeto de gozação, mas pensei no Comic Strip ao ler comentários sobre a mudança que a eleição de Obama traria às relações entre brancos e negros.
As pesquisas qualitativas mostram que, para a grande maioria da população branca, a cor da pele de Obama não foi um critério relevante.

Não por isso é o caso de decretar o fim do preconceito racial. Mas um componente do preconceito foi abalado: a culpa dos brancos, que foi, se não lavada, no mínimo seriamente aliviada pela eleição de terça-feira.

Poucos dias antes da eleição, estive no Comic Strip. Note-se que, em regra, o humor nova-iorquino ridiculariza as diferenças que convivem na cidade: irlandeses, italianos, porto-riquenhos, mexicanos e hispânicos em geral, russos, judeus ortodoxos etc., todos passam por brutais caricaturas. Paradoxalmente, a minoria que é mais poupada é a afro-americana, como se, nesse caso, a piada corresse o risco de parecer racista. É o efeito da culpa branca.

Exemplo. Um dos comediantes, naquela noite, brincou com "o atraso da risada branca": quando ele (hispânico) faz uma piada sobre os negros, os brancos riem com dez segundos de atraso. Não é que não entendam, mas eles só se autorizam a rir após verificar que os negros na platéia estão mesmo achando engraçado e rindo. Quem sabe, depois de Obama, brancos e negros possam rir ao mesmo tempo.

Na terça-feira, nos vilarejos do Quênia, havia pessoas reunidas ao redor da televisão, esperando para saber se "um queniano" seria presidente dos EUA. Pode ser que hoje essas pessoas estejam festejando como uma vitória olímpica de um atleta de sua nação. Na verdade, eles poderiam encontrar inspiração diferente na eleição de Obama. Explico.

Em outubro, no "New York Times", Nicholas Kristoff contou que o pai queniano de Barak Obama pertence à tribo Luo, uma minoria discriminada no Quênia. O colunista concluía: "A piada amarga na África Oriental é que um Luo tem mais chances de se tornar presidente nos Estados Unidos do que no Quênia".

Poucos dias antes da eleição, uma entrevistadora de televisão leu a Joe Biden (vice-presidente na chapa do Obama) uma citação famosa de Marx: "De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades"; logo ela perguntou se o candidato Obama não era marxista. Biden, quando entendeu que não se tratava de piada, caiu na gargalhada. O fato é que um dos espantalhos agitados pela campanha de McCain foi a idéia de que Obama fosse um socialista ou um comunista. Afinal, ele quer redistribuir riqueza, não quer?

A estratégia não funcionou. Os americanos, desta vez, votaram por esperança e não por medo. Além disso, impostos progressivos, ligados à renda, não incomodam a classe média dos EUA, que, ao contrário, gostaria de ver mais dinheiro destinado à melhoria de infra-estrutura e serviços públicos.

Seja como for, socialista ou não, Obama foi, de fato, eleito com o apóio dos grandes sindicatos, que ele será levado a fortalecer. Ontem, na rua 34, uma banca vendia "buttons" de Obama especificando que eles eram "Union Made in the USA", ou seja, fabricados nos EUA por trabalhadores que pertencem ao sindicato.

Ao lado dessa banca, um vendedor de DVD colocava seus heróis numa mesma coluna: Obama, Martin Luther King, Lumumba, Fidel Castro, Gandhi e Che Guevara.

Depois dizem que Obama não é um cara de esquerda...

Esta é a última crônica de Nova York. Volto para São Paulo.

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