30 setembro 2010

Lobby cristão e casamento gay



As igrejas gostariam de uma sociedade em que seja crime tudo o que, para elas, é pecado
EM MAIO PASSADO, durante uma visita ao santuário de Fátima, o papa Bento 16 declarou que o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo estão entre os mais "insidiosos e perigosos desafios ao bem comum".

Atualmente, quase todas as igrejas cristãs (curiosamente alinhadas com as posições do papa) negociam seu apoio aos candidatos à presidência cobrando posições contra a descriminalização do aborto e contra o casamento gay.

Em 2000, segundo o censo, havia, no Brasil, 125 milhões de católicos, 26 milhões de evangélicos e 12 milhões de sem religião. É lógico que os principais candidatos inventem jeitos de ficar, quanto mais possível, em cima do muro -tentando satisfazer o lobby cristão, mas sem alienar totalmente as simpatias de laicos, agnósticos e livres pensadores (minoritários, mas bastante presentes entre os formadores de opinião).

Adoraria que as campanhas eleitorais fossem mais corajosas, menos preocupadas em não contrariar quem pensa diferente do candidato. Adoraria também que soubéssemos votar sem exigir que nosso candidato pense exatamente como nós. Mas não é esse meu tema de hoje.

Voltemos à declaração do papa, que junta aborto e casamento gay numa mesma condenação e, claro, tenta pressionar os poderes públicos, mundo afora. Para ele, o que é pecado para a igreja deve ser também crime para o Estado.

No fundo, com poucas exceções, as igrejas almejam um Estado confessional, ou seja, querem que o Estado seja regido por leis conformes às normas da religião que elas professam. De novo, as igrejas gostariam de uma sociedade em que seja crime tudo o que, para elas, é pecado: o sonho escondido de qualquer Roma é Teerã ou a Cabul do Talibã.

Há práticas sexuais que você julga escandalosas? Está difícil reprimir sua própria conduta? Nenhum problema, a polícia dos costumes vigiará para que ninguém se dedique ao sexo oral, ao sexo anal ou a transar com camisinha.

Para se defender contra esse pesadelo (que, ele sim, é um "insidioso e perigoso desafio ao bem comum"), em princípio, o Estado laico evita conceber e promulgar leis só porque elas satisfariam os preceitos de uma confissão qualquer. As leis do Estado laico tentam valer por sua racionalidade própria, sem a ajuda de deus algum e de igreja alguma.

Por exemplo, é proibido roubar e matar, mas essa proibição não é justificada pelo fato de que essas condutas são estigmatizadas nas tábuas dos dez mandamentos bíblicos. Para proibir furtos e assassinatos, não é preciso recorrer a Deus, basta notar que esses atos limitam brutalmente a liberdade do outro (o assaltado ou o assassinado).

Agora, imaginemos que você se oponha ao casamento gay invocando a santidade do matrimônio. Se você acha que o casamento é um sacramento divino que só pode ser selado entre um homem e uma mulher, você tem sorte, pois vive numa democracia laica e sua liberdade é total: você poderá não se casar nunca com uma pessoa do mesmo sexo. Ou seja, você poderá manter quanto quiser a santidade e a sacramentalidade de SEU casamento.

Acha pouca coisa? Pense bem: você poderia ser cidadão de uma teocracia gay, na qual o Estado lhe imporia de casar com alguém do mesmo sexo.

Argumento bizarro? Nem tanto: quem ambiciona impor sua moral privada como legislação pública deveria sempre pensar seriamente na hipótese de a legislação pública ser moldada por uma outra moral privada, diferente da dele.

Parêntese: Se você acha que essa história de casamento gay é sem relevância, visto que a união estável já é permitida etc., leia "Histórias de Amor num País sem Lei. A Homoafetividade Vista pelos Tribunais - Casos Reais", de Sylvia Amaral (editora Scortecci).

PS. Sobre a dobradinha sugerida pela declaração do papa: talvez, para o pontífice, aborto e casamento gay sejam unidos na mesma condenação por serem ambos consequências da fraqueza da carne (que, obstinadamente, quer gozar sem se reproduzir).

Mas, numa perspectiva laica, a questão do aborto e de sua descriminalização não tem como ser resolvida pelas mesmas considerações que acabo de fazer para o casamento gay. Ou seja, não há como dizer: se você for contra, não faça, mas deixe abortar quem for a favor. Vou voltar ao assunto, apresentando alguns dilemas que talvez nos ajudem a pensar.

13 comentários:

  1. Prezado Contardo Calligaris,

    Convém analisar a afirmação do papa em Fátima. A frase toda é:
    “As iniciativas que visam tutelar os valores essenciais e primários da vida, desde a sua concepção, e da família, fundada sobre o matrimônio indissolúvel de um homem com uma mulher, ajudam a responder a alguns dos mais insidiosos e perigosos desafios que hoje se colocam ao bem comum”.

    Isto não significa que o Estado deva proibir tudo o que a Igreja Católica considera pecado. Santo Tomás de Aquino, já no século 13, dizia que a lei humana não deve proibir todas as coisas más que se fazem, porque eliminaria muitos bens e impediria o proveito do bem comum. Na tradição católica, nem tudo o que é imoral deve ser ilegal. Um belo exemplo recente é a proposta feita na ONU pela descriminalização da homossexualidade em todo mundo. A delegação da Santa Sé se posicionou a favor desta descriminalização, alegando que para a Igreja as relações sexuais livres entre pessoas adultas não devem ser consideradas delito pela autoridade civil.

    Sobre o casamento gay, o papa se opõe ao uso do termo ‘matrimônio’ para uniões entre pessoas do mesmo sexo, e mesmo à plena equiparação entre uniões homo e hétero. Entretanto, documentos da Igreja aceitam o reconhecimento de direitos na convivência homossexual. Alguns bispos já se manifestaram publicamente a favor da união civil homoafetiva. Sobre o aborto, o antigo assessor teológico do papa, cardeal Cottier, tem apreço pela posição do governo Obama de manter o aborto legalizado mas, ao mesmo tempo, de buscar alternativas para o seu número se reduza ao mínimo.

    Por tudo isso, Roma não sonha com Teerã. Afirmar o contrário, é fornecer argumento aos segmentos ultraconservadores que querem que nada mude, seja na sociedade, seja na Igreja.

    ResponderExcluir
  2. O Brasil é um estado laico só na teoria.

    A questão do aborto nunca deveria ser discutida na esfera religiosa, é um completo absurdo.

    Enquanto não discriminalizam o aborto, milhares de mulheres estão desamparadas e morrendo, além da orda de filhos indesejados proliferando no mundo.

    Importante: defender a descriminalização do aborto NÃO é o mesmo que achar que ele é um método contraceptivo.

    ResponderExcluir
  3. Olá, Alam! Muito Obrigada por publicar esses textos do Calligaris!

    ResponderExcluir
  4. Olá boa tarde a todos.


    Publicamos o seu artigo Calligaris em nosso blog: http://diversidadecatolica.blogspot.com/

    Convido a você e a todos a partilharem e a debaterem nossas perspectivas.


    Grande abs!

    ResponderExcluir
  5. Olá boa tarde a todos.


    Publicamos o seu artigo Calligaris em nosso blog: http://diversidadecatolica.blogspot.com/

    Convido a você e a todos a partilharem e a debaterem nossas perspectivas.


    Grande abs!

    ResponderExcluir
  6. Se fôssemos seguir as recomendações da igreja até os dias de hoje, ainda queimaríamos gente em fogueiras, proibiríamos livros e acharíamos que Hitler era um enviado de Deus, pois era católico e a igreja muitas vezes o viu como um bom católico. E o Hitler não abdicou do batismo. Morreu católico.

    Quanto a questão do aborto, é ridículo que se discuta isto numa esfera religiosa. Nem plebiscito deveríamos ter, dada a força do marketing papal. Deveríamos cobrar dos presidentes ou canditatos a postura de isto ser uma promessa de governo. Assim como o casamento gay. Foi assim em Portugal, país que os brasileiros enxergam como pitoresco e burro, mas que já avançaram nestes temas, aprovando-os sem grandes problemas. No caso do aborto, o plebiscito o garantiu e não nos interessa se é para fins contraceptivos ou para o que seja, o Estado não tem o direito de ingerência na vida do cidadão. Tanto é que clínicas de aborto estão espalhadas por Brasil afora e no fim, quem sofre são as mulheres que não possuem dinheiro para realizar o aborto e o fazem de maneira precária, gerando graves problemas ou até mesmo a morte. O aborto no Brasil é uma questão de saúde pública.

    E o casamento gay, em Portugal foi resolvido com uma promulgação de uma lei do presidente, ratificada por sua bancada. Sem mais delongas, era promessa de campanha e assim foi feito.

    O Brasil precisa avançar nos temas. Perdem-se milhões na Saúde com mulheres vítimas das clínicas clandestinas e nos abortos feitos em casa... E no caso do casamento, muitos parceiros perdem seus direitos depois de anos convivendo e construindo um patrimônio legítimo, apenas porque o Estado quer continuar cego a estas questões.

    O Rio de Janeiro já avançou em algumas áreas do tema (gay), assim como algumas instituições federais, agora falta legitimar isso nacionalmente. A realidade é outra, é preciso movimentar-se. Como diz no túmulo de Galileu: e ainda assim se move.

    ResponderExcluir
  7. Se fôssemos seguir as recomendações da igreja até os dias de hoje, ainda queimaríamos gente em fogueiras, proibiríamos livros e acharíamos que Hitler era um enviado de Deus, pois era católico e a igreja muitas vezes o viu como um bom católico. E o Hitler não abdicou do batismo. Morreu católico.

    Quanto a questão do aborto, é ridículo que se discuta isto numa esfera religiosa. Nem plebiscito deveríamos ter, dada a força do marketing papal. Deveríamos cobrar dos presidentes ou canditatos a postura de isto ser uma promessa de governo. Assim como o casamento gay. Foi assim em Portugal, país que os brasileiros enxergam como pitoresco e burro, mas que já avançaram nestes temas, aprovando-os sem grandes problemas. No caso do aborto, o plebiscito o garantiu e não nos interessa se é para fins contraceptivos ou para o que seja, o Estado não tem o direito de ingerência na vida do cidadão. Tanto é que clínicas de aborto estão espalhadas por Brasil afora e no fim, quem sofre são as mulheres que não possuem dinheiro para realizar o aborto e o fazem de maneira precária, gerando graves problemas ou até mesmo a morte. O aborto no Brasil é uma questão de saúde pública.

    O Brasil precisa avançar nos temas. Perdem-se milhões na Saúde com mulheres vítimas das clínicas clandestinas e nos abortos feitos em casa... E no caso do casamento, muitos parceiros perdem seus direitos depois de anos convivendo e construindo um patrimônio legítimo, apenas porque o Estado quer continuar cego a estas questões.

    O Rio de Janeiro já avançou em algumas áreas do tema (gay), assim como algumas instituições federais, agora falta legitimar isso nacionalmente. A realidade é outra, é preciso movimentar-se. Como diz no túmulo de Galileu: e ainda assim se move.

    ResponderExcluir
  8. Olá

    Publicamos o seu artigo em nosso blog: http://abortoemdebate.com.br

    Qualquer problema, ou mais artigos que quiser sugerir para divulgarmos; por favor, entre em contato.

    Abraços

    ResponderExcluir
  9. Quero dar mais uma contribuição de leitura (antiga mas muito atual): http://cynthiasemiramis.org/2006/09/28/o-certo-o-errado-e-a-descriminalizacao-do-aborto/.

    Quanto ao casamento gay, a união estável é válida pra qualquer ser humano e isso já está sendo superado.

    ResponderExcluir
  10. Prezado Calligaris,

    Por favor, volte rápido ao assunto sobre o aborto, uma vez que ele permeia o debate eleitoral.

    Abrç.

    ResponderExcluir
  11. Um comentário um tanto atrasado por ocasião do "Ato de protesto contra o posicionamento homofóbico do Mackenzie" pelo senhor Augustus Nicodemus, pastor presbiteriano (http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2471758/ato-contra-manifestacao-do-mackenzie-sobre-homofobia-e-organizado-no-facebook)

    Augustus Nicodemus... (conheço pessoalmente) é um radical religioso. Vejam a incoerência, é um nordestino. Deveria ser contra discriminações, já que mora em São Paulo e sabe que os nordestinos são discriminados (ele tb é chamado de "baianinho" pelas costas)... mas não...
    O que o dinheiro não faz?? Mesmo tendo se metido em umas armações e golpes e um amigo muito próximo ter um passado mais sujo q puleiro de pato, os talibãs do Mackenzie ainda querem se passar por gente de bem. Mas eles sabem que a GRANA que eles tanto gostam não vem dos evangélicos radicais como eles, porque estes se encontram nas camadas mais baixas da sociedade.
    O Mackenzie sobrevive com a GRANA dos judeus e dos não religiosos de classe B (e A?). Eles sabem disso. Curioso que é eles detestam os judeus, chamam o Sobel de intrometido. Fizeram protestos porque uma aluna pediu que se rezasse uma missa por ocasião da sua formatura (2001). "Rezar missa na universidade PRESBITERIANA Mackenzie?? Não pode, por que ela não vai estudar na PUC?" Essas foram as palavras de um deles. Agora vejam só, esse é um país de maioria católica!!! Eles vivem fora da realidade, fantasiam morar na Inglaterra do século XVII. Por eles o Brasil seria uma teocracia, com uma "shari´a" (lei religiosa, como no Afeganistão). É um atraso cultural de séculos. Um dos maiores benefícios da Revolução Francesa foi a criação do estado laico. Isto é que separa o Ocidente do Oriente Médio. As ditaduras do Oriente Médio manipulam grupos de radicais religiosos para disfarçar as mazelas sociais.
    É curioso que radicais religiosos ignorem que o RESPEITO AO OUTRO é a base da convivência social. Qualquer bêbado de boteco sabe ser amigável. Eles sabem anunciar a "ira de Deus" contra quem não pertence a seu grupo.

    ResponderExcluir
  12. Um comentário um tanto atrasado por ocasião do "Ato de protesto contra o posicionamento homofóbico do Mackenzie" pelo senhor Augustus Nicodemus, pastor presbiteriano (http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2471758/ato-contra-manifestacao-do-mackenzie-sobre-homofobia-e-organizado-no-facebook)

    Augustus Nicodemus... (conheço pessoalmente) é um radical religioso. Vejam a incoerência, é um nordestino. Deveria ser contra discriminações, já que mora em São Paulo e sabe que os nordestinos são discriminados (ele tb é chamado de "baianinho" pelas costas)... mas não...
    O que o dinheiro não faz?? Mesmo tendo se metido em umas armações e golpes e um amigo muito próximo ter um passado mais sujo q puleiro de pato, os talibãs do Mackenzie ainda querem se passar por gente de bem. Mas eles sabem que a GRANA que eles tanto gostam não vem dos evangélicos radicais como eles, porque estes se encontram nas camadas mais baixas da sociedade.
    O Mackenzie sobrevive com a GRANA dos judeus e dos não religiosos de classe B (e A?). Eles sabem disso. Curioso que é eles detestam os judeus, chamam o Sobel de intrometido.

    ResponderExcluir
  13. Fizeram protestos porque uma aluna pediu que se rezasse uma missa por ocasião da sua formatura (2001). "Rezar missa na universidade PRESBITERIANA Mackenzie?? Não pode, por que ela não vai estudar na PUC?" Essas foram as palavras de um deles. Agora vejam só, esse é um país de maioria católica!!! Eles vivem fora da realidade, fantasiam morar na Inglaterra do século XVII. Por eles o Brasil seria uma teocracia, com uma "shari´a" (lei religiosa, como no Afeganistão). É um atraso cultural de séculos. Um dos maiores benefícios da Revolução Francesa foi a criação do estado laico. Isto é que separa o Ocidente do Oriente Médio. As ditaduras do Oriente Médio manipulam grupos de radicais religiosos para disfarçar as mazelas sociais.
    É curioso que radicais religiosos ignorem que o RESPEITO AO OUTRO é a base da convivência social. Qualquer bêbado de boteco sabe ser amigável. Eles sabem anunciar a "ira de Deus" contra quem não pertence a seu grupo.

    ResponderExcluir