Nos filhos, a vontade de ser autônomo, livre e rebelde convive com a de ser cuidado, amparado |
AOS 17 anos, Xavier Dolan, canadense, escreveu o roteiro de "Eu Matei Minha Mãe". Logo, ele produziu, dirigiu e protagonizou o filme.
Apesar do sucesso em Cannes em 2009 (três prêmios na Quinzena de Realizadores) e na Mostra de Internacional de Cinema de São Paulo, "Eu Matei Minha Mãe" acaba de estrear em poucas salas e capitais.
Adolescentes e pais, apressem-se e não percam sob nenhum pretexto. Os pais mais corajosos deveriam assistir ao filme com os filhos, a experiência valerá algumas sessões de terapia de família e talvez resolverá conflitos cruentos e incompreensíveis numa saudável hilaridade coletiva.
O filme é prodigioso: não me lembro de ter lido ou visto um relato tão terno e, ao mesmo tempo, cruel (ou seja, tão autêntico) da mistura explosiva de amor-paixão e ódio letal entre um filho e sua mãe.
1) Hubert, o protagonista, filho de pais separados, vive com a mãe, enquanto o pai é pior que ausente: ele só aparece na hora de "disciplinar" o garoto. Mas que ninguém se sirva disso como pretexto para tirar o corpo fora: se Hubert vivesse com o pai, sua relação com o genitor seria tão ambivalente quanto o é com a mãe. Mesma coisa se os pais de Hubert não estivessem separados: a funcionalidade de uma família controla e esconde, mas não suprime a virulência dos afetos em jogo.
2) Alguns pais e adolescentes se reconhecerão no filme. Ótimo: eles se sentirão menos sozinhos. Com frequência, encontro uma espécie de vergonha da violência das emoções familiares e da incompreensão entre pais e filhos; muitos fazem de conta, encenam uma família leve e jocosa como uma propaganda de margarina e sofrem em silêncio, convencidos de que seu caso é extremo, patológico, se não único. Pois bem, não é só que as famílias margarina sejam chatas (isso, Tolstói já dizia), é que elas não existem.
3) Os pais e adolescentes que se reconhecerão na história de Hubert não precisam se desesperar. Lembrem-se: o filme é, em grande parte, autobiográfico, ou seja, aquela relação horrorosa entre mãe e filho não impediu que vingasse um jovem como Dolan, que tem sensibilidade e inteligência emocional para vender. Quanto à mãe de Dolan, aposto que, agora, com o filho ocupado em fazer filmes, ela deve estar namorando feliz e comprando casaquinhos, liquidações afora.
4) Alguns dirão: "Nossa família não tem nada a ver com isso, a gente se ama e se respeita, tranquilamente". Outros acrescentarão: "Nunca fui tão desrespeitoso com meus pais, nem em pensamento". Acredito. Mas repare que, em geral, as paixões parricidas da pré-adolescência e da adolescência são esquecidas na idade adulta. O filme de Dolan foi possível, justamente, porque foi escrito e filmado com Dolan ainda adolescente, antes da amnésia adulta.
5) A grande maioria dos adolescentes sente asco do corpo dos pais, acha nojento os pais comendo, bebendo, dormindo, beijando-se, respirando etc. Esse desgosto é bem-vindo: serve para encorajar o adolescente a procurar alhures seus objetos de desejo.
6) Nos pais, a vontade de criar filhos quase sempre convive com a vontade de continuar "aproveitando a vida" (como se criar filhos não fosse um jeito extraordinário de aproveitar a vida). Há pais que deveriam ouvir o que eles mesmos dizem quando um filho lhes pede um cachorro: "Você quer um bichinho que abane o rabo quando você entra em casa, mas você vai ter que levá-lo para fazer xixi, educá-lo, dar-lhe comida a cada dia". Uma menina, que acaba de ganhar um filhote muito desejado, pergunta-me: "Por que ele foge se estiver sem coleira? O que é, ele não gosta de mim?".
7) No filho, a vontade de ser autônomo, livre e rebelde convive com a de ser cuidado, guiado, amparado.
8) Também no filho, a admiração pelos pais nunca dispensa a sensação de que a vida deles é inautêntica, feia, fracassada -kitsch como um abajur de oncinha comparado a uma pintura de Jackson Pollock.
9) Talvez Hubert não fosse feito para ser filho; quase ninguém é.
10) Talvez a mãe de Hubert não fosse feita para ser mãe; quase ninguém é. Ela pode se perguntar, aliás, se não teria sido melhor não ter aquele filho. Na saída do cinema, por um instante, podemos pensar que sim, certamente, para a vida dela, teria sido melhor.
Mas será que teria sido mesmo?
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0710201024.htm
Maravilhosa reflexão, quem dera se todos topassem ter essa clareza das coisas. Quero ver o filme, mas moro em Uberlândia, o jeito vai ser esperar a locadora. Bjusss
ResponderExcluir"Poucas capitais e poucas sala"?
ResponderExcluirComo descubro se e onde está passando no Rio de Janeiro?
Em busca rápida na internet não encontrei, isso quer dizer que aqui não está sendo exibido?
Bonita e sincera reflexão.
ResponderExcluirFico pensando que você (desculpa a intimidade) da uma terapia em conjunto para todos que lêem seu blog. Como estudo psicologia fico me perguntando se é possível sair da terapia (como terapeuta) sem deixar a terapia sair de você..
Obrigado por suas reflexões e conselhos..leio sempre seu blog.
Com certeza assistirei o filme, já tinha visto que vai passar aqui em BH (só não posso garantir que será com minha família.. heheh).
Os filhos não são apenas nossa continuação, são também nosso exercício ético de paternidade, nosso exercício solene de preservação ética de nossas palavras. Nada pior do que:"faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço." A vida, só tem sentido para os filhos se eles têm a oportunidade de observar o que os pais fazem (de certo ou errado). Vergonha é esconder os erros. Vida saudável com os filhos é a verdade por ser vivida.
ResponderExcluirVale a pena ver!
ResponderExcluire refletir sobre!
Dona Castanha, aqui no Rio de Janeiro o filme está passando nos seguintes cinemas:
ResponderExcluirEspaço Unibanco de Cinema 03 -
14h10 - 17h50 - 21h30
Estação Barra Point, 01 - 21h10
Para quem quiser baixar o filme e assistir no pc ou gravar, aí vai o link : http://www.fileserve.com/file/dCkb9WU
ResponderExcluir