06 julho 2000

Terapias virtuais para nossa realidade virtual

Quem não gostaria de jogar videogame para se livrar de sintomas chatos e invalidantes? Pois bem, recentemente "Veja" e "Época" assinalaram a existência de Virtually Better (Virtualmente Melhor). É uma das empresas que desenvolvem programas de realidade virtual para curar medo de avião, de altura, de tempestade, de espaços abertos e de falar em público. A sede é em Atlanta, mas há clínicas afiliadas até em Buenos Aires. Aposto que logo aparecerá uma sucursal em São Paulo.

Eis como se chegou ao uso terapêutico da realidade virtual. Há tempo existem terapias ditas de dessensibilização: os pacientes (sobretudo fóbicos) são expostos progressivamente aos objetos de seus medos, aprendendo técnicas para acalmar a angústia.

Pode-se tentar a exposição pela imaginação: feche os olhos, imagine que está subindo no avião etc. Não funciona muito bem. A exposição real é mais eficaz: paciente e terapeuta viajam no mesmo avião -quem sabe de mãos dadas, seguindo a sugestão de Belchior.

Infelizmente é um acompanhamento caro (pelo tempo que o terapeuta dedica ao paciente). E incerto: por exemplo, seria bom que o primeiro vôo fosse tranquilo, mas como garantir que não haja turbulências naquele dia?

Esses problemas são resolvidos pela realidade virtual, que comprovadamente oferece a mesma eficácia da exposição real, reduz os custos e permite o controle da experiência.

O paciente veste um capacete e, ao virar a cabeça, tem uma visão de 360 graus e som estéreo. Outros aparelhos (um colete, uma cadeira que vibra e mexe) produzem mais impressões sensoriais, aperfeiçoando a imersão no mundo virtual. O terapeuta acompanha o paciente graças a uma tela.

Sua fala ressoa de dentro do mundo virtual. Alguns eletrodos informam o terapeuta sobre o nível de estresse que a situação virtual está impondo ao paciente. Ele pode assim calibrar suas intervenções.

Por exemplo, no programa para o medo de falar em público, o terapeuta controla as reações da platéia. Dependendo do estresse do paciente, ele administra aplausos, indiferença ou vaias. Detalhe interessante: o paciente pode ensaiar dessa forma uma palestra que ele deve realmente apresentar e cujo texto aparece num teleprompter para ele ler.

Estudos pequenos, mas significativos, mostram que a terapia virtual funciona. Seus benefícios não são sempre permanentes; em compensação, é fácil repetir a dose se for necessário.

Pode-se discutir sobre a origem desta eficácia. Alguns acreditam que a melhora seja o efeito da simples repetição. É a idéia do rei Mitrídates: tomando um pouco de veneno a cada dia, a gente se tornaria imune. A meu ver, a mudança não aconteceria sem o diálogo e a confiança depositada no terapeuta.

Seja como for, se a realidade virtual pode nos ajudar a vencer ou a controlar nossos medos, é porque -como comentou um colega, Manoel Berlinck- estes são tão virtuais quanto os programas.

Que o avião caia, que sejamos aspirados no precipício, que nossa voz falhe e a platéia nos devore ou que o espaço aberto nos aniquile, esses pavores são puras virtualidades.
A lição das terapias virtuais não pára aqui. Virtually Better propõe um programa de realidade virtual para o tratamento dos transtornos pós-traumáticos dos veteranos do Vietnã. A memória e seus traumas podem ser corrigidos virtualmente do mesmo jeito que a antecipação e seus medos.

Há mais. No começo dos anos 90, uma outra técnica de realidade virtual -a realidade aumentada- deu resultados positivos com pacientes de doença de Parkinson que apresentam o seguinte paradoxo neurológico: sua marcha é imobilizada, e eles conseguem avançar só se houver obstáculos ou limiares. O caminho deles foi, portanto, obstruído por obstáculos virtuais projetados, o que lhes permitiu avançar.

Também se difunde o uso anestésico da realidade virtual. A imersão num outro mundo produz mais do que uma simples distração. Ela transporta os pacientes alhures durante a dolorosa medicação de queimaduras ou a administração de quimioterapias pesadas.
Em suma, o futuro dos programas de realidade virtual é luminoso. Sua eficácia é garantida, pois eles nos propõem experiências cuja matéria-prima é a mesma tanto de nossos medos quanto de nossas aspirações, fantasias e lembranças.

Sofremos, sonhamos e gozamos com virtualidades -ectoplasmas projetados por nossa subjetividade. São elas que nos assustam e inibem ou motivam e excitam. Não é de estranhar que a imersão em mundos virtuais eletrônicos nos afete.

P.S.: Neste sábado, chega às livrarias americanas o quarto livro de Harry Potter. É a maior primeira tiragem da história: 3,8 milhões de exemplares.

Mesmo assim, as pessoas estão com medo de ficar sem um. Fiz minha reserva e receberei meu exemplar à meia-noite de sexta.

Seguindo o princípio de marketing do livro: na coluna da próxima quinta, vou enfim dizer por que eu e alguns outros gostamos de Harry Potter. Desde já, reserve o seu exemplar da Folha nas bancas.

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