09 novembro 2000

De novo, divórcios e crianças

Quinze dias atrás, nesta coluna, comentei uma pesquisa que desmente algumas banalidades afirmadas apressadamente desde os anos 60.
Segundo essa pesquisa, não é verdade que o divórcio afete as crianças só de maneira passageira. E a felicidade ou o alívio dos pais que se separam não parece ser um grande consolo para os rebentos do divórcio.

A perspectiva de ver os pais mais felizes não faz necessariamente a felicidade das crianças. Claro, elas sofrem também quando o casamento dos pais se eterniza numa tragicomédia de brigas ou no silêncio do ódio e da indiferença. No entanto a coluna queria salientar a leviandade de quem pinta o divórcio em cor-de-rosa.

Recebi uma enxurrada de e-mails: comentários e depoimentos, todos corajosos e complexos. Concordando ou não comigo, os leitores entenderam que eu propunha que os pais freassem seus impulsos divorcistas e pensassem mais nas crianças. Reconheço-me nessa sugestão, mas a questão é, obviamente, complicada. Por isso volto ao assunto.

A família sobreviveu às maiores mudanças de nossa sociedade e cultura. Parece ser a única instituição imortal -constante peça central da reprodução social. De fato, ela sobreviveu porque mudou, adaptou-se aos tempos.

Deixou de ser uma pequena tribo e se tornou nuclear, composta quase exclusivamente pelos pais e suas crianças. Também ela não se organiza mais para administrar bens em conjunto e assegurar a continuidade da dinastia.

Hoje ela se funda nos sentimentos de seus membros: é nuclear e apaixonada. Aliás, é nuclear justamente por ser fundada em um princípio -a paixão dos cônjuges.

Às vezes, o núcleo deve incluir os avós ou um parente que sobrou, mas é com pesar e abrindo uma exceção. Isso, não por ingratidão ou porque a convivência com os patriarcas ou os primos seja necessariamente chata, mas porque a casa é um ninho de amor e, como tal, requer uma intimidade protegida.

Aceitar conviver com outros é ameaçador: sugere que a festa amorosa acabou, e a obrigação da consanguinidade passou a prevalecer sobre as necessidades do sentimento. Na família moderna, o amor também rege o laço entre os pais e as crianças.

Certo, achamos que os miúdos nos devem respeito, porque tal é sua obrigação. Mas, no fundo, queremos que eles obedeçam por amor. Assim como nós, de fato, os provemos de cuidados não por obrigação de pais (que nos pareceria um dever bem abstrato), mas porque os amamos.

A família assim construída corresponde exatamente ao que somos: indivíduos apaixonados por nossa liberdade e convencidos de que a autenticidade dos sentimentos é nosso melhor guia. O resultado é uma instituição bonita, intensa e condicional: se o amor acaba, acaba a festa.
Podemos lamentar essa volatilidade, mas, de fato, ninguém aguentaria mais casamentos que não fossem justificados pelos sentimentos e pela esperança de uma união feliz. Assim como dificilmente os pais aguentariam crianças que obedecessem só por obrigação tradicional.

Aceitemos, então, os casamentos eternos enquanto duram. Resposta à pergunta "como reconhecer o fracasso?": no mínimo, seria bom evitar que ele fosse um efeito da intransigência, que surge quando a aspiração a ser feliz se transforma numa exigência imperiosa e impossível. Tipo: "Shangri-Lá!, não aceito nada menos que isso e quero que seja agora ou então nada".
Como observou com toda razão uma leitora, Maria Renata Pinto Coelho, "é o casamento -e não o divórcio- que nos é vendido como um conto de fadas".

A expectativa excessiva produz intolerância. Com isso, negociar e procurar os compromissos sempre necessários numa vida de casal (e, em geral, numa família) parecem constituir uma traição de nossos sonhos de união perfeita. Nós nos divorciamos por esperar demais do casamento.

Ora, as modalidades da convivência ou da separação dos pais transmitem às crianças uma espécie de lição de vida implícita. Por exemplo, um casamento mantido no sofrimento e na humilhação pode transmitir às crianças uma lição (péssima) de resignação e covardia. Outro, também mantido ao custo de mil compromissos, pode transmitir uma humildade saudável, ensinando que é possível amar, mesmo quando o parceiro não corresponde plenamente às nossas fantasias.

Do mesmo jeito, um divórcio pode ser uma lição de honestidade, significando que os pais não quiseram arcar com uma mentira. Outro divórcio pode simplesmente sugerir às crianças que a felicidade deve ser perseguida a qualquer custo.

Esse é o caso pior. Pois como convencer um adolescente de que ele deve ir para a escola e desistir do enésimo "baseado", se, no seu entender, seus pais se separaram logo para não desistir de nenhum hipotético prazer?

A moral de buscar prazer e felicidade a qualquer custo é, notou em seu e-mail outra leitora, Rosangela Padovan, um "sinal dos tempos", ou seja, mais uma causa que um efeito dos divórcios. Concordo. Mas essa não é uma razão para que os pais validem essa máxima duvidosa nem na hora de se separarem.

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