27 dezembro 2001

Balanços, casais e um propósito para o ano novo



"O que conseguimos neste último ano? Quanto falta para a meta? De quanto desviamos? Quais foram os erros? Era isso mesmo que a gente queria da vida?" Os balanços prosperam no fim de ano.

O problema é que, muitas vezes, eles se apresentam como listas de frustrações: algumas coisas não deram certo, algo eludiu nossos esforços, fracassamos. E qual é o problema? Não seria bom dispor do catálogo de nossos desacertos? Afinal, com ele na mão, deveria ser mais fácil inventar um futuro que corrija o passado. Faz sentido. Mas não é bem isso o que acontece: de regra, a lista das frustrações transforma-se numa cantilena não de emendas e projetos, mas de acusações. A coisa é particularmente sensível quando os membros de um casal fazem seu balanço: nesse caso, as frustrações de um são sempre culpa do outro.

"Não escrevi o grande romance brasileiro deste século porque você não soube me proteger do choro das crianças." "Deixei de formar-me em biologia porque você quis ter filhos logo." "Não fui para a Antártida porque você se esqueceria de tomar seu remédio contra a pressão alta." O extraordinário é que, mesmo enunciadas na frente de um terceiro, essas frases não suscitam o riso. Ao contrário, elas solidificam o ressentimento.

Recentemente, um homem de meia-idade, bem casado, recitou, em minha presença, o rosário de seus fracassos. Era uma mistura de algumas escolhas infelizes com um pouco de azar e uma certa timidez em seguir seu desejo: os ingredientes banais de todas as vidas. Nada na lista colocava em questão sua opção amorosa. Certo, casamento e família eram fatores que ele levava sempre em conta em suas decisões. E isso foi suficiente para que, em conclusão, ele evocasse assim sua relação conjugal: "Eu não estou dormindo com o inimigo, mas com minha própria derrota".

Melanie Klein, uma das grandes figuras da psicanálise depois de Freud, mostrou que cada um pendura nas costas alheias alguns elementos (mais ou menos incômodos) de sua própria personalidade. Pensamos lidar com os outros e com suas exigências, enquanto lidamos, de fato, com exigências que são nossas e que preferimos atribuir aos outros. No caso: "Eu mesmo me impeço de escrever o grande romance do século. Ao sentar de caneta ou mouse na mão, já tenho cãibras. Manifesto uma preferência resignada por meu sólido salário e não estou nada a fim de pular no escuro, apostando na inspiração. Mas não lido bem com essas inibições -ou covardias que sejam. É mais prático acreditar que você, minha mulher, me obrigou a vender meu "Aurélio" e meu notebook para comprar fraldas descartáveis".

Também recentemente, outro marido, mais jovem, tentava convencer-me da triste contabilidade de seu casamento. Parecia-lhe que a relação, os filhos e as responsabilidades constituíam uma espécie de invalidez, limitando a liberdade de seus movimentos. No final das contas, a mulher erguia-se como o obstáculo mestre entre ele e o mundo infinito dos possíveis. "Tudo que não fui foi por causa dela."

É óbvio que, a cada escolha, deixamos para trás um mundo de possibilidades que não serão mais: tomando qualquer caminho, renunciamos a todos os outros. Mas é curioso que, nessa matemática inevitável de escolhas e perdas, logo os cônjuges se acusem reciprocamente com a maior frequência. Aparentemente, o milagre de conseguir conviver, de inventar a cada dia compromissos viáveis entre desejos diferentes não vale nada. Na hora de fazer as contas, só importa o sacrifício imposto à liberdade absoluta e triste que seria a nossa, se pudéssemos viver sem concessões ou seja, sem fazer caso de nenhum semelhante.

Na coluna das perdas, em suma, desfilam sempre as renúncias exigidas pela presença de um parceiro (e, eventualmente, de filhos e filhas). É verdade que essas exigências diminuem drasticamente nossos futuros possíveis. Os sonhos, de repente, devem ser pensados a dois ou mais. Quer viajar? As passagens são duas, quando não são três ou quatro. Quer mudar para outro país ou outro Estado? E as crianças, que estão acostumadas e felizes na escola? E o emprego do parceiro? Quer sair para jantar? E a pizza com a qual o outro volta triunfalmente de seu dia de trabalho?

Convenhamos: a série das perdas pode ser longa. Mas por que será que, na coluna dos lucros, nunca aparece o que ganhamos na troca? Não penso nos benefícios imediatos de amizade, companhia etc. Mas nas próprias mudanças pelas quais passamos para e por conviver com os outros. Por que não são nunca contadas como aquisições?

Somos obcecados por um teimoso ideal de autonomia. Parecemos reconhecer como ganho só o que corresponde a nossos anseios de Robinson na ilha deserta.

Propósito para o ano novo: gostaria que não festejássemos apenas os êxitos de nossas aspirações mais solitárias. E que conseguíssemos contar como lucros as mudanças que a convivência com os outros nos impõe. Sejam eles próximos ou longínquos. Feliz Ano Novo.

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