06 novembro 2008

Adultérios na internet



Quando, num casal, um dos dois gosta de pornografia, existe razão para se sentir traído?

MUITAS MULHERES se queixam de que o computador se tornou seu rival: os maridos passam horas, sobretudo noturnas, na internet, atrás de conteúdo erótico e, quem sabe, de encontros sexuais.

Algumas, mais atrevidas, conseguem descobrir a senha de usuário dos maridos e se familiarizam com o uso de Explorer, Safari, Firefox etc. para monitorar o "histórico" das navegações noturnas de seu parceiro. Às vezes, elas conseguem até invadir o MSN e ler outro histórico, mais incômodo: o das conversas passadas do usuário. Difícil dizer, aliás, se os maridos se esquecem acidentalmente de apagar os rastros de sua navegação e de suas conversas ou se eles os deixam de propósito.

Talvez queiram ser descobertos para acabar de vez com os subterfúgios de sua dupla vida e forçar assim uma separação que lhes permitirá, enfim, ficar no computador livremente, noite e dia.

Ou talvez eles gostem de alimentar a desconfiança de sua parceira: ao se sentirem vigiados, a um passo de serem descobertos, eles satisfazem a nostalgia de uma infância "feliz", em que "se esqueciam" de trancar a porta do banheiro, espreitando e receando a chegada da mãe.
Seja como for, o uso erótico da internet pelos maridos está se tornando argumento de brigas e divórcios.

Nesse clima, li com especial interesse o artigo de Ross Douthat, "Is Pornography Adultery?" (será que a pornografia constitui adultério?), no número de outubro 2008 do "Atlantic". O texto é especialmente instrutivo porque Douthat deixa inteiramente de lado o uso da internet para procurar encontros e aventuras "reais".

A questão que ele levanta é a seguinte: quando, num casal, um dos dois tem o hábito (geralmente, secreto) de assistir a material pornográfico (prática facilitada imensamente pela net), será que o outro se sente traído? E será que é certo sentir-se traído nesse caso?
Uma pesquisa recente entre estudantes universitários dos EUA mostra que 70% das mulheres nunca entraram num site pornô, enquanto a mesma coisa vale só para 14% dos homens. Ou seja, os homens procuram pornografia na net muito mais do que as mulheres. Essa constatação trivial confirma outra, também trivial: com muito mais freqüência do que as mulheres, os homens alimentam seu desejo com fantasias sexuais conscientes e detalhadas, uma espécie de cinema erótico de bolso. Se eles se interessam pela pornografia é porque, com sorte e dedicação, em algum canto do repertório, esperam encontrar a prova de que suas fantasias podem ser realizadas.

Na verdade, um casal funciona quando cada um consegue fazer parte das fantasias do outro. Mas Douthat argumenta de maneira um pouco diferente. Ele sugere primeiro que as mulheres poderiam tolerar com condescendência o uso da pornografia por seus parceiros, numa atitude parecida com a de pais liberais com a masturbação dos filhos pré-adolescentes. E não seria o caso, aliás, de sentir ciúmes: essa espécie de ginástica sexual masculina, ao contrário, pode alimentar o desejo do homem pela sua companheira -a qual se beneficiaria, portanto, do inócuo passatempo do marido.

Mas, Douthat continua, as coisas não são tão simples assim. Imaginemos um marido que, voltando do trabalho, pare num bar para solteiros e festeje o fim do dia sentado a um balcão sobre o qual se agitam dançarinas seminuas; a mulher deveria se sentir traída? Talvez não.
E se o mesmo marido pagar uma prostituta para vê-la transar com outro homem? Será que a coisa não complicaria? Ora, esse segundo caso não é mais próximo do uso da pornografia?
Seja como for, segundo uma pesquisa de 2003, de Bridges, Bergner & McInnis, "Romantic partner's use of pornography: its significance for women", (uso da pornografia pelo parceiro amoroso, seu significado para as mulheres, "Journal of Sex and Marital Therapy", vol. 29,1), apenas um terço das mulheres vivenciaria o uso da pornografia por seu parceiro como uma traição.

Um terço parece pouco, mas talvez a pergunta tenha sido mal colocada. Talvez diante do uso masculino da pornografia, as mulheres não se sintam tanto traídas quanto abandonadas.
A mulher que vai para cama sozinha (enquanto o marido, noite adentro, fica na sala teclando em prazeres virtuais) sofre sobretudo de exclusão, sofre por constatar que ela não faz parte dos sonhos de seu parceiro -apenas da realidade da qual ele tenta fugir.

4 comentários:

  1. Contardo, tenho uma leitura muito próxima da sua. Já vinha mesmo pensando em escrever sobre isso: por que a pornografia da net não pode ser usada como um fator de fortalecimento da relação? Ao incluir ambos na fantasia (sem que necessariamente ela precise se concretizar, afinal algumas fantasias são importantes enquanto fantasias, não?), penso que isso pode gerar um vínculo de cumplicidade no casal, um contraponto à necessidade de formalização que a sociedade requer deles - seria uma aliança não só no autorizado, mas também no transgredido...

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  2. Contardo...penso que a questão que fica é sobre a relção que a nossa cultura faz entre amor, e sexo... se acreditamos que amar é sentir desejo e fantasiar apenas com a pessoa amada, que somos donos de seus desejos (caracteristica inerente ao desejo) fica dificil relativizar como propoe o autor e acredito que a exclusão e vivida sim e de forma intensa...

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  3. Texto muito interessante, assim como o do Obama acima. Neste post, acabou me chamando a atenção a relação do virtual com o real. É como se os maridos em questão vivessem uma outra realidade nesses ambientes virtuais, uma realidade tão relevante ou mais para eles do que a sua, de humanos limitados. E realmente, é desta realidade limitada que querem fugir, o que os faz, como conseqüência, abandonar de alguma forma as suas esposas - naturalmente desestabilizando a relação. Pelo menos foi nisso que acabei pensando quando li. Realmente muito boa reflexão.

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  4. Contardo, muito oportuno seu artigo. Penso que é hora de refletirmos sobre esta questão de sexo pela Internet, já que é uma realidade entre muitos casais e fonte de muitas discórdias. Há que se levar em consideração questões culturais que envolvem a sexualidade e tudo o que se refere a ela. Não acredito, que a mulher brasileira esteja preparada para encarar com naturalidade um marido fazendo sexo pela Internet e na verdade nem o homem brasileiro, se souber que sua mulher faz o mesmo. Nossa cultura ainda é de exclusividade e bem conservadora em relação a estas questões. Isso sem contar que o envolvimento com sexo na internet pode trazer outras implicações para o casal, como o esfriamento da relação conjugal em face do forte estímulo que tal envolvimento oferece.

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