Fórum alegre
CONTARDO CALLIGARIS
DE PORTO ALEGRE
D epois de cinco dias de Fórum, me descubro entregue a uma espécie de ciclotimia. Quando estou nas oficinas da tarde - sobretudo as que são propostas por ONGs que trabalham em projetos sociais concretos -, sinto-me prestes a acreditar na possibilidade de um mundo melhor e confiante no futuro da espécie. Nos depoimentos da noite e nos painéis da manhã, meu humor é variável. Fico sombrio e irritado quando me deparo com falas projetadas para entusiasmar. As falas que entusiasmam não são necessariamente as mais políticas. Ao contrário, como notou Lula em seu testemunho, os atos mais concretos talvez sejam os mais políticos. As falas que entusiasmam (e me deprimem) são aquelas que tentam fazer apelo ao que há de pior - em mim e, portanto, devo concluir, também em meus companheiros de platéia. O que é isso? É a disposição humana a aderir para fazer grupo, acompanhada por um pensamento mágico, em que a certeza deriva do entusiasmo e da constatação de que ele é compartilhado ao redor de nós. Quando essa sensação me pega no pescoço, a desconfiança é física - uma mistura de medo com depressão. Devo ter um gene contra o entusiasmo coletivo - herança do antifascismo do meu pai. Peço vênia ao leitor se isso me leva a privilegiar, no Fórum, os momentos que mais me irritam. Por exemplo, às vezes, durante o Fórum Parlamentar (que reúne deputados e senadores de 29 países), toquei o fundo do poço: houve várias falas comprometidas só com o entusiasmo imediato dos ouvintes. Poderia aguentar firme e, por exemplo, privilegiar a plataforma que o Fórum Parlamentar apresentaria ontem. Provavelmente será um documento significativo. Afinal, o Fórum das Autoridades Locais (prefeitos e autoridades municipais) apresentou uma lista de propostas que compõem uma ética básica da administração citadina. Eu me pergunto: como seria um Fórum que me deixasse constantemente esperançoso? Seria composto de mais oficinas, poucos painéis com tarefas de trabalho bem específicas e pouquíssimos testemunhos. Nesse Fórum ideal, como foi o caso em muitas oficinas, seria bem-vindo discordar e não seriam colocados em causa os pressupostos éticos de quem discorda. Nesse Fórum, não seriam vaiados nem os que julgamos inimigos, pois todos saberiam que ninguém detém o monopólio da solidariedade. Nesse Fórum, não aceitaríamos que a descrição da realidade fosse alterada para embelezar os fracassos de nossas idéias e de nossos esforços. Nesse Fórum, um debate com participantes de Davos não seria um match de acusações para o prazer da torcida. Esse Fórum alegre, de fato, já está acontecendo durante uma boa metade do tempo - o que é um sucesso e justifica que a coisa volte a acontecer.
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