25 janeiro 2001

Por que escutar adultos inconsistentes?

Os adultos conclamam que é importantíssimo ajudar e aconselhar crianças e adolescentes. Dizem que querem iluminar o caminho de seus rebentos, propor ideais e servir de exemplo. Mas, geralmente, na hora do vamos ver, eles apenas exigem duas coisas: obediência e resultados escolares. Essa é a conclusão de uma recente pesquisa do Search Institute -uma organização de fins não-lucrativos que promove o bem-estar de crianças e adolescentes. A pesquisa foi feita com adultos americanos, mas aposto que os resultados seriam os mesmos em qualquer país ocidental.

Nos últimos dez anos, o Search Institute elaborou uma descrição do capital moral cuja presença facilitaria o desenvolvimento socialmente harmonioso de uma criança ou de um adolescente. Chegou-se a uma lista de alicerces que, naturalmente, não são dádivas divinas. Eles devem ser construídos pelo comportamento dos adultos e das comunidades em que vivem os jovens.

Eis alguns exemplos banais de comportamentos que produzem capital moral. Ter conversas significativas com os jovens e dar conselhos são atitudes pelas quais os adultos manifestam seu apoio -o que constitui um bom alicerce para o desenvolvimento dos jovens. Solicitar a sua opinião produz neles um sentimento de autonomia -outro sustentáculo necessário. Servir à comunidade de maneira exemplar é uma conduta pela qual um adulto institui expectativas sociais positivas. Ensinar valores compartilhados e discutir valores pessoais permite a elaboração de uma ética. Ensinar respeito pelas diferenças culturais cria uma competência social. Transmitir tradições confere à juventude uma identidade. E por aí vai.

Foi assim estabelecida uma lista de 19 ações dos adultos que seriam essenciais para os jovens. O Search Institute quis saber se os americanos colocavam fé nesse catálogo. Foram realizadas 1.425 entrevistas aprofundadas com adultos representativos da sociedade americana em sua diversidade. Os pesquisadores jubilaram-se pois, das 19 ações da lista, 9 foram qualificadas como cruciais por 70% dos entrevistados e outras 9 foram assim qualificadas por entre 50% e 70% dos adultos entrevistados.

Em suma -independentemente das diferenças de origem étnica, fé religiosa, sexo etc-, a maioria dos adultos americanos compartilha de um verdadeiro consenso sobre as ações que eles poderiam e deveriam realizar para ajudar, assistir e acompanhar o desenvolvimento de crianças e adolescentes. O resultado deveria inspirar uma onda de otimismo pedagógico.

Mas a pesquisa também quis verificar se os mesmos adultos praticam essas ações que a maioria deles considera importantíssimas para o bem-estar de crianças e jovens.

Consternação! Constatou-se que, das 18 ações que suscitam seu grande entusiasmo (retórico), a maioria dos adultos pratica somente estas duas: exigir respeito e bom desempenho escolar.
Conclusão: a relação dos adultos com jovens e crianças é marcada pela inconsistência. Os comportamentos não correspondem às proclamações.

Imaginemos um exemplo caseiro. Um adulto pode acreditar sinceramente que a honestidade de todos garantiria um país melhor e, portanto, proclamar que a honestidade é um valor que deve ser frisado no espírito de todas as crianças. Entretanto esse adulto talvez seja nepotista, aproveitador, desrespeitoso da coisa pública etc. Isso seria justificado eventualmente pela constatação habitual: todos são assim, não serei o único trouxa. Portanto o adulto vai perorar sobre os valores morais, mas não se aventurará a transmiti-los direta e concretamente a filhos e filhas por receio de ser tachado de hipócrita e mentiroso. Os jovens são sempre excelentes intérpretes dos adultos e raramente deixam de perceber a incongruência do que está sendo preconizado com o que está sendo praticado.

Não é por acaso que, de todos os entusiasmos pedagógicos dos adultos, sobram, em geral, as duas ações mencionadas. Elas parecem escolhidas a dedo. Primeiro, os adultos não param de exigir respeito: provavelmente, com esse pedido abstrato, eles tentem compensar a perda de autoridade moral que foi produzida por sua própria hipocrisia.

Segundo, eles querem bons desempenhos escolares. A sabedoria moral proclamada é reduzida a uma exigência pragmática de sucesso: "Estude, meu filho/minha filha!". Se a exortação não for acompanhada de razões morais concretas, ela não soará diferente de "veja se consegue se dar bem na vida". Os jovens podem obedecer a essas duas exigências, mas sempre adotando, resignados, o cinismo dos pais.

É difícil sair desse impasse entre gerações: o desprezo suscitado pela inconsistência dos adultos torna os jovens impermeáveis (ou quase) a qualquer palavra pedagógica.
P.S. A íntegra dos resultados da pesquisa pode ser consultada em www.search-institute.org. O título da pesquisa é "Grading Grown-ups - Avaliando os Adultos".

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