Na manhã de 26 de dezembro, em Wakefield, perto de Boston, Michael McDermott, 42, foi para o trabalho armado até os dentes e matou sete colegas a tiro. Então esperou a chegada da polícia.
A imagem de McDermott, barbudíssimo, desgrenhado e inquietantemente grande, foi servida como uma caricatura de ogro. Mas as reportagens desmentiam o fenótipo. Ele era um cara legal. Doava plaquetas sanguíneas a cada duas semanas. Era adorável com as crianças. Entendia de explosivos, mas dava conselhos pacifistas a seus interlocutores.
Único problema: uma pequena dívida de Imposto de Renda e um atraso nas mensalidades do carro e do condomínio. Eis o estopim presumido: a pedido do governo, uma parte do salário do homem seria retida automaticamente, e ele não gostou. Sete mortos por causa de 3.000 dólares?
Felizmente para os comentaristas, surgiu uma outra explicação: McDermott não devia estar bem da cabeça, pois tomava Prozac e outros remédios não determinados. O advogado de defesa certamente alegará a irresponsabilidade, no estilo: se tomava Prozac, devia ser louco.
É uma idiotice. Mas é o preço do sucesso dos antidepressivos: eles se transformaram em aspirinas do espírito. São frequentemente prescritos por clínicos apressados e sem diagnóstico específico. Está triste? Tome, que faz bem! Está delirando? Também tome, nunca se sabe! Usar Prozac pode ser índice de qualquer condição: "spleen" do poeta, angústia do vestibulando ou esquizofrenia.
O advogado de McDermott também considera a possibilidade de uma "defesa Prozac", ou seja, tentará mostrar que os efeitos colaterais do Prozac foram responsáveis pela fúria de seu cliente. Há um precedente: o caso de Joseph Wesbecker, que, em 1989, em Louisville, Kentucky, semeou a morte em seu lugar de trabalho e deu um tiro na cabeça.
A Eli Lilly (fabricante do Prozac) foi processada por sobreviventes e herdeiros das vítimas: eles alegavam a responsabilidade do remédio no comportamento de Wesbecker. A decisão inocentou o Prozac, mas, dois anos mais tarde, a Corte Suprema do Estado descobriu que a Lilly pagara secretamente aos querelantes para que, sem revelar o acordo, eles enfraquecessem seus argumentos e perdessem o processo (os detalhes estão no recente "Prozac Backlash", de J. Glenmullen).
Portanto é provável que o processo McDermott reanime as acusações contra o Prozac. Será tempo perdido debatendo uma questão mal colocada.
É verdade que a molécula do Prozac pode ocasionalmente produzir ansiedade e agitação graves, mas as histórias de Wesbecker e de McDermott denunciam sobretudo um extraordinário mau uso clínico. Um exemplo. Os antidepressivos, quando chegaram ao mercado, foram prescritos também para atenuar os efeitos de lutos dolorosos. Tratava-se de combater o efeito químico produzido no cérebro pela perda e assim atenuar o sofrimento.
Numerosos psiquiatras, psicólogos e psicanalistas acharam essa possibilidade bem-vinda, mas lembraram que o sujeito, mais cedo ou mais tarde, deveria fazer seu luto. Ou seja, melhor que o remédio não anestesie totalmente e que seja acompanhado por um trabalho psicoterapêutico para que o sujeito possa, aos poucos, reconhecer sua dor e conviver com ela.
Isso vale para todo sintoma psíquico. Alterar quimicamente humores, afetos e pensamentos sem oferecer a possibilidade de questionar o destino e as circunstâncias que levaram ao mal-estar é arriscado.
Wesbecker, um mês antes de seu surto assassino, passou a tomar Prozac sem acompanhamento psicoterapêutico. Quiseram "melhorar" a química de seu cérebro sem ajudá-lo a debater as idéias paranóicas que se iam formando na sua cabeça. A história de McDermott parece ser a mesma.
O sujeito está em ebulição? Pois bem, não vamos mexer com o que está na panela! Só apertemos a tampa! Mas, por mais que a panela seja de pressão, se ninguém encontra um jeito de baixar o fogo, não há tampa que aguente.
Nas histórias de McDermott e de Wesbecker, o culpado não é a molécula do Prozac, mas uma cultura que coloca uma fé infinita nas possibilidades de mudança e, ao mesmo tempo, seduzida pela facilidade, acredita em atalhos e milagres. Por exemplo, no atalho da pílula que cura logo e muda a cabeça sem conversa.
Hoje, os comentaristas do caso de McDermott estão prestes a acusar a molécula do Prozac com o mesmo entusiasmo de quem esperava que a molécula resolvesse sozinha os problemas da vida.
Ora, McDermott, por exemplo, nasceu Mike Martinez. Ele é latino, não irlandês. Aos 22 anos, decidiu mudar de nome e de origem. Engraçado, todos mencionam esse fato pouco banal, e ninguém pergunta: o que houve? Qual foi o drama interno (e social) que levou a uma decisão tão radical? Questão complicada, com a qual certamente McDermott não conseguiu lidar pelo atalho da mudança de nome. Assim como, nos últimos meses, as pílulas mágicas e silenciosas que ele tomou não resolveram as perguntas que seguiam fervilhando na sua cabeça. Foram apenas tentativas de segurar a tampa...
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